Por Magno Paganelli
Quem nunca ouviu contar um testemunho de dificuldade ou privação financeira que tivesse sido solucionado por Deus? Não sei há quanto tempo essa prática foi introduzida na liturgia do culto evangélico, pois desde a minha conversão, há mais de vinte anos, vejo que tem sido praticado comumente.
O último testemunho desses que ouvi tem alguns dias e foi dado por um pastor amigo meu. Na ocasião referida na história, contou, era recém-casado e estava sem dinheiro. Assim, combinou com a esposa de dormirem até mais tarde na tentativa de “escaparem” do café da manhã. Deus, em sua fidelidade, enviou um irmão que providenciou, uma cesta básica pela manhã e ajuda financeira.
Que Deus é fiel naquilo que promete, não temos dúvidas; que Ele faz milagres, isso sabemos. Mas esses testemunhos são a prova de que há algo muito errado no modelo de Igreja que nós temos sustentado. A Igreja coleciona acertos em várias atividades, mas há aspectos do modelo de igreja tal qual se vê hoje no Brasil que estão falidos à luz da Bíblia. Desse modo, é uma vergonha para nós que testemunhos assim sejam dados sistematicamente com o intuito de engrandecer o nome de Deus. Em algum momento da trajetória da Igreja fomos condicionados a certos desvios (que eram a exceção) que nos levaram para muito longe do alvo (se tornaram a regra). Eu explico.
Primeiro, uma olhada na maneira como a igreja em Jerusalém conduzia questões semelhantes revela que jamais houve entre aqueles cristãos testemunhos assim. Havia pobreza? Sim, havia muita pobreza. No entanto, os irmãos reuniam-se a ajudavam-se mutuamente de modo a não permitirem que alguém sofresse privações. Foi neste contexto e com essa finalidade que o quadro de diáconos foi criado (Atos 6). Deus age por meio da ação da Igreja, não exclusivamente por meios sobrenaturais.
Testemunhos como o do meu amigo pastor jamais seriam ouvidos em Jerusalém. Não só a igreja local estava envolvida no socorro aos necessitados, mas igrejas de regiões distantes também se mobilizavam para o auxílio aos pobres de Jerusalém. “Porque pareceu bem à macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém” (Romanos 15.26). Seria vergonhoso e impensável alguém ter de dormir até mais tarde por falta de café da manhã, pois eles se ajudavam mutuamente e usavam bem os recursos trazidos pelos outros cristãos.
Esse quadro nos leva a um segundo ponto. Paulo orientou a que informássemos aos santos as necessidades que sofremos. Ele escreveu: “Comunicai com os santos nas suas necessidades” (Romanos 12.13). Que igreja está preparada e disposta a socorrer membros em suas necessidades? Não faz parte dos planos e dos programas normais das igrejas o socorro aos seus membros, digo socorro financeiro ao menos. A atenção maior tem sido dada e os recursos têm sido drenados para programas de expansão que não contemplam os próprios membros, antes, a divulgação do Evangelho. Penso ser um equívoco metodológico substituir o nosso testemunho pessoal diário, nas atividades comuns (nos âmbitos profissional, educacional e social) por programas caros que envolvem a minoria e não reúnem o máximo potencial humano da igreja, que a bem da verdade fica sentada nos bancos almofadados à espera do culto espetáculo. Em outras palavras, é mais frutífero (e bíblico) gerar cristãos que deem bons testemunhos nas suas atividades diárias, que sacar dinheiro de muitos para que poucos façam “a obra”.
Diante da confissão da necessidade de um irmão, o mecanismo padrão é “orar” e esperar que Deus dê a vitória ou faça “o tal do milagre”, que na minha modesta opinião acontece mais por pura misericórdia que por qualquer outro motivo. Deus não precisaria fazer milagre algum se nós mesmos praticássemos o que a Palavra diz para ser praticado. Se Deus tem feito milagres assim, é porque nós temos sido negligentes e egoístas até ao limite. Se esperássemos o socorro vindo “da terra”, muitos de nós já teríamos ido para o limbo.
Um modo novo de livrar-se dos “pobres necessitados” é acusá-los de falta de fé. Pessoalmente ouvi um pastor dizer que para resolver uma situação de dívida, o membro deveria fazer “um desafio de fé”, que nada mais é que aquelas famosas extorsões em nome de Deus. O texto de Provérbios 3.28 é claro, mas parece bem esquecido: “Não digas ao teu próximo: Vai, e volta amanh dedo em favor do próximo?
E, finalmente, quero insistir no “clássico” texto de Malaquias 3.10, que diz: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa…” (Ênfase acrescentada). O que fazer com essa segunda frase do versículo? A frase condena os administradores das igrejas de modo geral por uma vergonhosa e flagrante omissão. À bem da verdade um roubo flagrante, pois se o membro que não traz o seu dízimo “rouba ao Senhor”, consequentemente a igreja que não cumpre o mesmo texto aponta para si o mesmo dedo acusador. Quando o texto diz “para que…”, o profeta-autor está indicando a finalidade, o uso devido a que os recursos dos dízimos devem ser destinados. A prioridade é o sustendo das necessidades locais dos membros, nada mais que isso. Enquanto houver um único membro padecendo, as atenções devem ser dadas a ele. Que adianta ganhar o mundo e perder a alma sentada ao lado?
Se as nossas igrejas cumprissem esse mandamento de Malaquias, jamais um testemunho como o mencionado acima poderia ser dado por qualquer um de nós. Nisso ficamos longe, muito longe, de todos aqueles a quem chamamos de hereges, como os maçons, os kardecistas, além de tantas outras religiões e organizações civis que cumprem facilmente o socorro aos membros de suas organizações. Alguém dirá que eles não têm fé em Jesus para serem salvos, e eu evocaria Tiago para dizer que “também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tg 2.17).
Na postagem anterior falei das receitas anuais das igrejas e da revolução que poderíamos fazer se levássemos a sério o que a Bíblia ensina sobre o uso dos recursos que reúne. A nossa “sorte” é que hoje não há alguém para cobrar isso de nós. E podemos nos desculpar dizendo que “isso sempre foi assim”; por enquanto. O que não dá para dizer é que o nosso ativismo é abençoado por Deus quando a Bíblia diz o contrário: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4.17).ã que to darei, se já o tens contigo”. E o que diríamos de Tiago 2.14-17, que fala das “pessoas de fé” que não movem um
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