A mentira é conhecida por inúmeras definições. De todas, talvez a sua definição mais sutil encontra-se em um pseudo antônimo – a omissão. Creio que nenhuma definição do que não é mentira tenha contribuído tanto para a transgressão do nono mandamento – no que tange a proclamação do Evangelho – quanto à omissão.
Comumente ouvimos “isso não é mentir, é omitir”. Não tenho intenção de esgotar o assunto, mas, conforme o primeiro parágrafo, quero direcionar a sua atenção para as pessoas que mais podem ser vítimas deste engano. Se há pessoas iludidas sobre o tema, há também mentirosos profissionais que ocupam púlpitos pomposos com uma falsa piedade, ocultando toda a verdade, por meio da omissão, para seu ganho pessoal.
Mentira é ausência de verdade, ainda que apenas uma parte da mesma. Omissão é uma falha, uma negligência, um esquecimento, uma falta da verdade – enquanto trata do ato de falar. Nada, repito é tão sutil, quanto uma verdade pela metade (ou uma mentira completa), para um empobrecimento da verdade bíblica.
O filósofo francês, Rousseau, escreveu certa feita: “mentir é esconder uma verdade que devemos revelar (1)”. Ora diante de ordenanças tais como: “prega a palavra (...) exorta com toda a (...) doutrina (2)”; “ide por todo o mundo e pregai o evangelho (3)” – e não parte dele; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida (4)”, essa questão torna-se mais grave. Conforme escrevi em outro texto: Toda e qualquer acréscimo ou decréscimo ao texto inspirado, é uma meia verdade, o que caracteriza uma heresia e uma mentira.
O caso é que muitos têm emasculado o Evangelho. Têm preparado um aperitivo intragável, com 3/6 de água com açúcar, 2/6 de auto-ajuda e 1/6 de Bíblia – apenas para dar um gostinho e “justificar” seu aparente cristianismo. E orgulhosos, ainda chamam isso de pregação da Palavra. E dizem que o Brasil está avivado por ela. Por puro pragmatismo, qualificam seu trabalho pela quantidade de sedentos que consomem essa água morna e barrenta. E o pior, muitos têm enchido seus ventres com coisas radicalmente estranhas ao texto Sagrado.
A Bíblia, para muitos pregadores modernos é (ou deve ser) algo antiquado. Pois não poupam esforços para torná-la atraente ao grande público. Precisa ser contextualizada e “melhorada” – com algo que a torne “atrativa ao ouvinte moderno”. Difícil tempo, este nosso! Ainda que a aplicação da mensagem deva ser contextualizada, ela tem de significar o que significou outrora, ou seja, o princípio da mensagem não é contextualizado.
Creio que essa nova hermenêutica (não tão nova assim) deva ser oriunda da corrupção humana. As palavras da Escritura incomodam o homem decaído, pois demonstram o que ele tende a negar: sua corrupção e necessidade de um Redentor. O próprio Jesus bíblico incomoda; e esse é seu propósito. Se a ideia é que o ouvinte veja seu estado deplorável, se arrependa e venha para os braços do Pai – nada mais natural. Seria estranho obter uma mudança com um afago no ego do homem. Natural também, é que o homem não-regenerado (e este pode estar escondido atrás de um púlpito) não queira esta mensagem.
John Piper, afirma que: “A glória de Jesus encontra-se no fato de que ele está sempre fora de sincronismo com o mundo e, por isso, essa glória se mostra sempre relevante para os homens (5)”. Não é o que pensam alguns pregadores e escritores professos cristãos, hoje. O Conselho Mundial das Igrejas tem como lema a infeliz declaração: “A Igreja segue a agenda do mundo (6)”. Ainda que cheia de piedade, é uma declaração a ser repudiada. George Barna, polêmico autor escreve que: “É crítico que conservemos em mente um princípio fundamental da comunicação cristã: o auditório, não a mensagem, é soberano (7)”. Sem palavras...
A ênfase em agradar o ouvinte é tão estranha ao Novo Testamento quanto a Jesus. Porque se houve alguém que não se preocupou em agradar aos outros, ainda que demonstrando o mais sublime amor, foi Cristo. “A forma austera, brusca e impetuosa do amor de Jesus é especialmente ofensiva ao sentimento ocidental moderno” (8).
Cristo veio salvar os doentes (eufemismo para mortos em pecado). Esta semana, li um texto de Sandlin, no qual afirmava: “Deus não está no negócio de fazer com que os homens que andam dando tombos voltem a afirmar seus pés com segurança. Os pecadores estão mortos em delitos e pecados (Efésios 2:1). Eles não são homens enfermos que necessitem de um remédio: são homens mortos que necessitam de uma ressurreição” (9). Não há como amenizar essa mensagem, assim como não há como confrontar a pessoa com o pecado, conforme descrito na Bíblia, sem mostrar sua condição de morta espiritualmente. Por isso a mensagem da cruz incomoda.
Segundo Tozer, essa mensagem de cruz, quando pura, não faz barganhas com o mundo. Mas ela tem sido substituída por uma “nova” cruz. Denuncia ele: “A nova cruz não se opõe a raça humana; ao contrário, é uma companheira amigável e, se entendida de forma correta, é fonte de oceanos de diversão boa e limpa e de prazer inocente” (10). Algo está muito errado! E não é de hoje...
O “neo-evangelho”, com seu recheio de auto-ajuda; seu guia de 7 ou 10 passos para “alcançar uma vida plena” tem ignorado que o ser humano não precisa de auto-ajuda, mas de ajuda do alto. Adão foi o primeiro a deixar claro que a auto-suficiência (ou “auto” qualquer coisa) tem consequências catastróficas; fomos feitos para sermos integralmente dependentes de Deus. Mas, após o estrago feito, ser "auto" hoje não é apenas rebeldia, mas também teimosia e engano.
Não há nada que eu “auto” possa fazer. Afirmando isso, não anulo a responsabilidade humana, sou consciente dela. Mas sem Ele, nada podemos fazer (11). Em matéria de salvação, nada é mais verdadeiro que isso: eu sozinho e por mim mesmo, nada posso; mas, Cristo veio nos resgatar – e nossa segurança e paz tem de residir única e exclusivamente nEle, e em sua obra destinada a nós. O “auto” entra apenas em auto esvaziar-nos (o que também depende da ação do Espírito Santo), para que diminuamos e Ele cresça. Essa ideia humilhante não agrada a maioria. É aí que entra a meia-verdade, ou a omissão (mentirosa) de parte da Bíblia nos púlpitos.
Nossa justiça, orgulho, pecado, verdade, nobreza, autojustificativa; tem de ser destruída pela verdade da Palavra – se ansiamos sermos libertos pela Verdade. Mas, “a nova cruz não destrói o pecador; redireciona-o. aparelha-o para um modo de viver mais limpo e mais belo e poupa seu respeito pessoal”; e o pregador da dessa nova cruz “não exige renúncia da velha vida para que se possa receber a nova. Ele não prega contrastes; prega similaridades. Procura caminhos para interessar o público, ao mostrar que o cristianismo não faz exigências desagradáveis; ao contrário oferece a mesma coisa que o mundo, só que de forma mais elevada”(12).
Ora, em dias tão conturbados, quem pregará a verdade completa? Quem ousará romper a barreira da omissão mentirosa por amor a Cristo e aos perdidos? E quem ouvirá esta pregação (13)? O fato é que fomos comissionados a pregar, não a sermos aprovados ou agradáveis; e essa é a emergência da humanidade. Precisamos ser ousados, bíblicos e integralmente verdadeiros; pregar toda a mensagem e não apenas partes agradáveis.
Meu apelo não é para lhe transformar em um pregador ranzinza, seco, de dedo em riste, sem misericórdia ou sinal de amor. Antes, que você e eu não nos dobremos covardemente aos anseios pecaminosos do povo que não quer ser confrontado – como muitos fizeram – por medo de julgamentos e de perder “público”.
Jesus foi indiferente a essa aprovação alheia. Nós, por outro lado, ansiamos pelo aplauso e por sermos aclamados pelo que falamos. Como disse, essa não era a preocupação de Cristo. Buscamos muitas vezes, divorciar a justiça de Jesus de seu amor – pregando um atributo a menos, tentando torná-Lo mais “aceitável”. Esquecemos que o testemunho escriturístico diverge dessa filosofia: “Mestre, sabemos que (...) não mostras parcialidade, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade” (14).
O caminho que Cristo veio oferecer é sublime, porém estreito, tem uma cruz a ser carregada e envolve morte. Morte do eu – tão exaltado no neo-evangelho antropocêntrico. “Deus oferece vida, não, porém, uma velha vida melhorada. A vida que ele oferece é vida posterior a morte” (15).
Lloyd-Jones afirmou certa vez que pregação é: “a lógica pegando fogo! É raciocínio eloqüente”; mas, sobretudo é: “teologia em chamas. E a teologia que não pega fogo, insisto eu, é uma teologia defeituosa; ou, pelo menos, a compreensão de quem prega é defeituosa” (16).
“Como essa teologia pode ser transferida para a vida? É preciso que [nós] se arrependa e creia” (17). “Jesus nos mostra o caminho para o céu com palavras muito duras (Mateus 5.29-30) A automutilação é melhor que a condenação” (18). “Com frequência ouvimos chamados para ‘viver o evangelho’, mas em nenhum lugar da Bíblia somos chamados a ‘viver o evangelho’. Ao contrário, somos admoestados a crer no evangelho e a obedecer a Lei” (19). Recebemos o favor de Deus pela graça para crer e sua direção através do Espírito Santo para obedecer.
Assim, com responsabilidades e obrigações, com humildade e arrependimento, com o favor divino, sabendo a grandiosidade de sua santidade e ira contra a transgressão e da nossa situação outrora desfavorável – é que a Boa Nova deve ser pregada, ouvida e entendida. Todo o conselho de Deus deve ser proclamado e crido – e não parte dele. Devemos pregar a humilhação que a cruz causou em Cristo, e olhando para ela sermos também humilhados. Calvino diz que a cruz nos torna humildes: “Advertidos de tais debilidades por tantas evidências, os crentes recebem uma grande bênção por meio da humilhação” (20).
Faço minhas as súplicas registradas por Jeremias: “Ó terra, terra, terra, ouça a palavra do Senhor!” (21). Mas, “como, pois, invocarão aquele em que não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (22). Se você pregador, tem escondido uma verdade que sabe que deveria revelar, arrependa-se e proclame integralmente as palavras dAquele que lhe chamou. Não tema o que o mundo possa fazer, pensar ou dizer de você. Junte-se ao salmista e a Paulo: “por amor a ti, enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro” (23). O Bom Pastor zela, por esse tipo de ovelha!
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