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Uma das principais características do cristianismo primitivo era a generosidade. Os cristãos tinham prazer em dispor de seus recursos pelo Reino de Deus e pela sua justiça.
Bastou que o povo fosse exposto à Palavra e a atuação do Espírito Santo, para que brotasse em seus corações a disposição de partilhar seus pertences. Lucas relata que “os que de bom grado receberam a sua palavra foram batizados (...). E perseveraram na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações” (At.2:41a, 42).
Geralmente se acredita que o tal “partir do pão” era uma referência à Ceia. Porém, examinando melhor o contexto da passagem, veremos que o partir do pão nada mais é do que compartilhar os recursos entre si.
A nova natureza infundida pelo Espírito no coração dos crentes, os impulsionava a viver para Deus e para os seus semelhantes, e não mais centrados em si mesmos.
Paulo, apóstolo dos gentios, endossa este princípio em suas epístolas, ao ordenar que partilhássemos “com os santos nas suas necessidades” (Rm.12:13). Como um visionário, Paulo entendia que a Igreja deveria ser uma agência catalisadora e distribuidora de recursos. Através da semeadura, os bens seriam distribuídos, e assim, todos desfrutariam igualmente dos recursos enviados por Deus.
Ao pedir que os crentes de Corinto participassem desta graça, Paulo escreve:
“Mas, não digo isto para que os outros tenham alívio, e vós aperto, mas para igualdade. Neste tempo presente, a vossa abundância supra a falta dos outros, para também a sua abundância supra a vossa falta, e haja igualdade, como está escrito: O que muito colheu não teve demais, e o que pouco, não teve falta” (2 Co.8:13-15).
Repare que Paulo usa a analogia da semeadura para estimular os crentes a partilharem uns com os outros. O mesmo conceito é repetido por Pedro: “Servi uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe.4:10).
O que Deus dá a uns, é para que seja usado para benefício de todos. Deus não é injusto por dar a uns o que nega a outros. Pelo contrário: Através disso, a justiça de Deus se manifesta, fazendo com que dependamos uns dos outros. Ninguém é auto-suficiente no Reino de Deus. A igualdade ocorre quando a abundância de uns supre a falta de outros, e vice-versa. É isso que comumente chamamos de Reinismo.
Respeitando o princípio da semeadura, Paulo diz que nossa semeadura deveria ser “expressão de generosidade, e não de avareza” (2 C.9:5b). E mais: “O que semeia pouco, pouco também ceifará, e o que semeia com fartura, com fartura também ceifará” (v.6).
Paulo não está propondo que haja competição pra ver quem dá mais. Nem está estimulando a cobiça dos irmãos, para que dêem interessados no resultado. Não! A colheita também deverá ser repartida, de modo que todos sejam beneficiados.
Segundo o Apóstolo, a Deus compete prover a semente, mas a nós compete semeá-la:“Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, e pão para o alimento, também multiplicará a vossa sementeira, e aumentará os frutos da vossa justiça” (2 Co.9:10).
Veja, ainda dependemos de freqüentes intervenções de Deus. Ele ainda multiplica... não mais pães ou peixes, e sim a nossa sementeira. Ele dá a semente. Ele provê oportunidades de trabalho, aptidões profissionais, força física, inspiração e motivação. Mas cabe-nos usar todos estes recursos para o bem comum, e não apenas para satisfação de nossas necessidades e cobiças.
Tiago afirma em sua epístola, que o motivo de muitos pedidos não serem atendidos por Deus é que pedimos mal: “Pedis e não recebeis porque pedis mal, para o gastardes em vossos prazeres” (Tg.4:3). Pedir mal é pedir pensando somente em si. Devemos pedir que Deus multiplique nossa sementeira, para que possamos ser bênção na vida de outros.
Multiplicando nossa sementeira, Ele faz aumentar os frutos da nossa justiça. E desta maneira, Ele espalha recursos, em vez de fazê-los concentrar em algumas mãos somente. Paulo revela que o propósito de Deus é “fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra. Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre”(vv.8-9).
Eis a justiça do Reino de Deus em operação. Sua meta é espalhar recursos, e distribuí-los justamente. Isso é o inverso do sistema que vemos no mundo, onde as riquezas são concentradas em poucas mãos.
A famigerada Teologia da Prosperidade é a filha caçula do Capitalismo selvagem, pois prega a concentração de riquezas como um sinal da bênção de Deus. Segundo a sua linha de raciocínio, abençoado é quem, apesar da crise, consegue amealhar o máximo de bens materiais. Deus não nos chamou para sermos abençoados! Deus nos chamou para sermos bênção! Tudo o que Ele nos der, será visando o benefício dos que estiverem à nossa volta.
Sempre me emociono com o testemunho que Paulo dá acerca das igrejas da Macedônia, que “em muita prova de tribulação houve abundância do seu gozo, e a sua profunda pobreza transbordou em riquezas da sua generosidade.” Ele prossegue: “Pois segundo as suas posses (o que eu mesmo testifico), e ainda acima delas, deram voluntariamente. Pedindo-nos com muitos rogos o privilégio de participarem deste serviço, que se fazia para com os santos. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas a si mesmos se deram primeiramente ao Senhor, e depois a nós, pela vontade de Deus” (2 Co.8:1-5).
Eis o que Deus espera de nós: que transbordemos em generosidade. Que façamos mais do que nos tem sido pedido. Que o espírito legalista com que alguns dão o dízimo seja ofuscado pela generosidade daqueles que vão muito além dos 10%. E que além de disponibilizar nossos recursos materiais, também nos ofereçamos para servir, tanto a Deus, quanto ao nosso semelhante.
Qual o resultado de tal postura? Deixemos que Jesus mesmo nos diga:
“Daí, e dar-se-vos-á. Boa medida, recalcada, sacudida e transbordante, generosamente vos darão. Pois com a mesma medida com que medirdes vos medirão também” (Lc.6:38).
Medida transbordante é aquela que ultrapassa os limites da borda. É o equivalente ao cálice transbordante do Salmo 23. Tudo o que ultrapassa a borda, atinge o que estiver ao redor. Queremos medida transbordante para que possamos abençoar o maior número possível de pessoas.
Pediram-lhe que desse a capa, aproveite para dar também a túnica. Convidaram-lhe para andar uma milha, acompanhe-o por duas. Este é o espírito do Evangelho. Não sobra lugar para mesquinhez, para avareza. A graça sempre nos leva além.
Jesus disse que os fariseus eram tão meticulosos em seu legalismo que davam o dízimo até do tempero usado na cozinha (coentro e hortelã). Mas Ele também diz que nossa justiça deve exceder à dos fariseus. Isso mesmo! Exceder! Ir além das bordas! Isso é o que Paulo chama de superabundante graça.
A promessa feita por Cristo encontra eco nas palavras de Paulo:
“E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra... A ministração deste serviço, não só supre as necessidades dos santos, mas também transborda em muitas graças, que se dão a Deus” (2 Co.9:8,12).
Não deixe passar despercebido um detalhe importante: o objetivo final de nossas contribuições não é apenas o suprimento das necessidades de alguém, mas as ações de graça que serão dadas a Deus por nossa vida.
Hermes Fernandes
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