Naquela noite o ilustre visitante parecia está revestido de uma luz gloriosa e intensamente ofuscante. O seu rosto era severo e cheio de decisão ante a expressão mansa e indecisa do sacerdote que estava a sua frente.
Subiram os dois ao ponto mais alto da colina onde estava erguida a sua casa, e sentaram à sombra de uma frondosa árvore. Lá de cima podia-se ver toda a cidade banhada da cor de ouro por um sol em declínio no horizonte.
— Confie em mim, e escute atentamente o que vou te propor — disse a figura angelical, ao pé do ouvido do magérrimo sacerdote.
— Estás vendo todos esses ricos palácios, essas ricas chácaras, esses estupendos aviões, arranha-céus e imensas indústrias funcionando a todo vapor? — perguntou o visitante com voz melosa de anjo.
— Sim, estou vendo — respondeu o sacerdote com a alma palpitante de um dia poder possuir tudo aquilo, pois só assim, um dia, iria mostrar ao mundo inteiro ser um homem poderoso, igual a Salomão, a quem ele tanto idolatrava, pela sabedoria e pela ostentação nababesca em que esse rei vivia.
— Tudo isso te darei – Bradou o anjo com voz tonitruante.
O sacerdote apesar de ser considerado pobre, pois não tinha nenhum bem, era portador de uma aversão nata à pobreza — coisa que considerava a maior das maldições. Era rara a noite que não tinha sonhos megalomaníacos em que se via como o seu ídolo Salomão, cercado de belas mulheres em seu harém. Em seus devaneios diários gostava de delirar em sua imaginação com as histórias do Velho Testamento. O Novo Testamento quase não lia, mas quando o anjo de luz dissera para ele “Tudo isso será teu, se prostrado, me adorares”, chegou a lembrar que já lera em algum canto dos Evangelhos sobre um ser poderoso celestial, que fizera uma abençoada proposta, como esta que estava a ouvir. Só não sabia a quem tinha sido endereçada o rico presente.
Disse o homem da lei para si mesmo: “Burro, e pobre de mim, se não confiasse nesse anjo enviado por deus”.
Satã, em trajes divinos dirigiu-se a ele de forma contudente:
— Decida-se! Se você é realmente aquele por quem esperei, deus já tomou a decisão e você não poderá escapar. Decida logo, não quero deixar o mundo dos desesperados à mercê de um ilusório paraíso celestial. O céu tem de ser AQUI E AGORA.
Tudo tem que ser pago, e com muito sacrifício — disse o visitante angelical, em pose de lenhador quando toma do seu machado para golpear a árvore.
Disse mais o anjo ao seu sumo sacerdote:
— Resgatarás todos os símbolos do Judaísmo em forma de réplicas, para que o meu povo volte a lutar pela posse das riquezas que estão nas mãos dos pagãos, e esqueçam por completo essa história de que o pobre é bem aventurado. Brade todos os dias, que pobreza é maldição. O meu povo tem que ser cabeça e não cauda. O meu povo tem que dominar todos os setores da sociedade. Só assim, poderão ver que tu és o verdadeiro filho do deus altí$$imo. Todas as nações da terra se prostrarão diante do símbolo universal da igreja que entregarei ao teu comando.
Naquele instante um abutre de cabeça vermelha voou sobre o sacerdote, ao mesmo tempo em que ele ouvia uma voz estrondosa dizer: “Grava bem, esse será o símbolo que porás em todas as suntuosas catedrais que o povo irá construir com o suor de seu rosto”.
Já era noite quando o anjo desapareceu, deixando-o ajoelhado de mãos para o alto a sussurrar: “Meu deus! Sou apenas um grão de areia. Sou um grão de areia que fala respira e ama a riqueza. Eu te amo e te chamo de Pai. Não possuo outra arma que não seja o amor pelas almas sedentas de riquezas. Ajude-me Senhor!”
Dali em diante, ele ganhou coragem, astúcia e ousadia, e quase todas as noites via sua alma de pé com os anjos em volta de uma grande instituição financeira. Embalado na orgia da prosperidade, cheio de paz e sem medo, era assim que fechava os olhos e adormecia com a mente iluminada por cifrões em forma de estrelas, ao som de emocionantes hinos.
Por Levi B. Santos
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