2015/05/27

O profeta chora no funeral da nação


Esta é a terceira vez que Amós pede ao povo que dê ouvidos à Palavra de Deus (3.1; 4.1; 5.1). A terceira mensagem do profeta Amós é um lamento, um cântico fúnebre sobre a morte de Israel como nação.
Amós apresenta uma mensagem regada de lágrimas à nação de Israel. É uma espécie de cântico fúnebre. É uma lamentação. Amós está chorando por ver o povo de Deus caminhar insensivelmente para a ruína. Amós tem uma mensagem dura, mas um coração mole. Ele tem palavras que ferem, mas brotam de um coração quebrado. Ele ergue sua voz como um leão que ruge, mas seus olhos derramam lágrimas copiosas. Ele não é como um pregador insensível que brada seu sermão de uma cátedra, mas é como um homem sensível que chora num funeral.
Amós lamenta porque a abundante expressão religiosa da nação não passa de uma casca fina de verniz, como um pálido cosmético. Não havia sinais vitais de vida espiritual na nação. O culto deles não era para Deus, mas para eles mesmos. Era um culto humanista, onde jamais eram confrontados a mudar de vida. Suas apresentações musicais tornar-se-iam cânticos fúnebres (5.23; 8.3,10) e seus santuários estavam sendo destinados à ruína.
I. O PROFETA CHORA A QUEDA POLÍTICA DE ISRAEL (5.2,3)
Amós contempla a tempestade que se forma no horizonte e vê que ela vem como uma avalanche sobre Israel. Será como um terremoto avassalador. A nação ficará em ruínas. Amós descreve esse quadro como segue:
1. Será uma queda completa (5.2a)
Amós proclama: “Caiu a virgem de Israel”. A nação está prostrada, no pó, na cinza, fragorosamente derrotada. A palavra hebraica caiu indica uma morte violenta, especialmente a morte na batalha. Israel cairá por corrupção interna e por ataque externo. Amós proclama essa derrota completa nos dias áureos de Jeroboão II, no tempo em que o reino do norte gozava paz nas fronteiras e prosperidade dentro dos seus muros. Warren Wiersbe diz que Israel pensava que era uma virgem amada, mas não passava de um cadáver insepulto. O termo virgem de Israel é usado aqui pela primeira vez, e mais tarde em Jeremias 18.13; 31.4,21. Refere-se à castidade de Israel, no seu idealismo, como a nação escolhida, salva pela graça divina para servir como o povo messiânico do Senhor. A queda de uma virgem era uma grande tragédia em Israel. A tragédia de Israel, como nação, é muito mais lamentável. A verdade nua das fatos é que Israel se corrompeu com as prostituições da idolatria. Tornou-se uma adúltera notória ao abandonar seu marido, Iavé. Por muitas vezes, Israel foi chamado a voltar-se para o Senhor, mas se recusou. Estava ocupado demais para ouvir, porquanto se deitava com seus amantes, em leitos de concupiscência. Agora, porém, Israel eram como uma virgem caída. Um de seus amantes a matou. E seu marido, Iavé, abandonou a cena.
2. Será uma queda definitiva (5.2b)
Amós esclarece: “… nunca mais tornará a levantar-se”. A queda política de Israel não lhe trouxe apenas alguns arranhões e traumas leves, mas feridas incuráveis. A Assíria cercou Samaria durante três anos e finalmente dominou Israel em 722 a.C. Dizimou à espada a maioria do povo, deportou outros tantos e aos demais deixou na terra, com outros povos estrangeiros para que se misturarem. Assim, o povo remanescente perdeu sua soberania política, sua identidade religiosa e sua pureza racial; dando, assim, início a um povo mestiço, os samaritanos.
3. Será uma queda irreversível (5.2c)
Amós conclui dizendo: “… estendida está na sua terra, e não há quem a levante”. Israel foi enfraquecido pela corrupção moral, pelas lutas internas, pelo desprezo dos homens e o abandono de Deus. Icabode por ser escrito no frontispício do templo, quando Deus se aparta de um povo. Israel caiu pelos seus próprios pecados (Os 14.1). A Assíria foi apenas a vara da ira de Deus para disciplinar o seu povo (Is 10.5). Nenhuma força na terra pode levantar um povo a quem Deusa abate. O desamparo de Israel foi total e irremediável.
4. Será uma queda desastrosa (5.3)
O profeta Amós disse: “Porque assim diz o Senhor Deus: A cidade da qual saem mim conservará cem, e aquela da qual saem cem conservará dez à casa de Israel” (5.3). A “morte” de Israel será por meio de dizimação militar. As cidades foram dizimadas pela fúria do inimigo. A invasão dos assírios cobraria um alto custo em vidas humanas, tendo em vista que apenas um décimo seria poupado, diz Charles Feinberg. O que aconteceu a Israel foi o literal cumprimento do castigo da desobediência: “Ficareis poucos em número, vós que éreis como as estrelas dos céus em multidão, porque não destes ouvidos à voz do Senhor, vosso Deus” (Dt 28.62). Um exército que perde nove de cada dez soldados está aniquilado e, certamente, para o povo que ele devia defender, só restam lamentações, diz Bowden.
Os exércitos assírios eram expansionistas, sanguinários e truculentos. Eles não respeitavam velhos nem crianças. Eles faziam trepidar a terra com suas marchas assombrosas. Eles deixavam um rastro de destruição e horror por onde passavam. Eles derramavam rios de sangue e empilhavam as cabeças de suas vítimas em montões. O pecado tem um salário muito alto. Suas conseqüências são desastrosas. Aqueles que não ouvem o chamado da graça terão necessariamente que ouvir o estampido ensurdecedor do juízo.
J. A. Motyer diz corretamente que Amós pregou um sermão severo no funeral de Israel. Os últimos vinte anos do reino de Israel foram de ruína da política doméstica, um golpe político após o outro, até que, em 722 a.C., Sargão II da Assíria acabou com o reino de Israel para sempre, deportando o remanescente que sobreviveu ao cerco e à matança, e povoando a terra com uma população estrangeira.
Israel tinha um exército forte, mas ele seria derrotado, e a população seria dizimada, exatamente como o Senhor havia advertido em sua aliança (Lv 26.7,8; Dt 28.25; 32.28-30). Warren Wiersbe diz que não pode haver vitória quando o Senhor o abandonou à sua própria sorte. As nações de hoje dependem de suas riquezas, de seus exércitos e de sua sabedoria política, quando, na verdade, precisam depender do Senhor. “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (Sl 33.12).
II. O PROFETA CHORA A CEGUEIRA ESPIRITUAL DE ISRAEL (5.4-6)
Israel estava longe de Deus e perto da religião. Na mesma proporção que se afastava de Deus, multiplicava suas práticas religiosas. A religiosidade sem Deus, porém, cega os olhos da alma e entorpece a consciência. Eles faziam peregrinações a Betel, Berseba e Gilgal, mas voltavam mais afastados de Deus e mais determinados a conviver com seus pecados. Henrietta Mears diz que eles aumentavam os seus pecados, porque era uma forma exterior de devoção, misturada à idolatria (5.4-6). Deus requer uma conduta digna dele, e não meros sacrifícios vazios.1
Dionísio Pape, nessa mesma linha de pensamento, comenta que existia na nação um espírito profundamente religioso. Israel se gabava de sua cultura religiosa e de seu espírito moderno de ampla tolerância. Em matéria de fé, achava que toda religião era boa, e que não se devia condenar qualquer crença praticada com sinceridade. Para mostrar ao mundo que a religião nacional tinha raízes históricas profundas, o clero organizava uma romaria anual, visitando os lugares santos: Betel, Berseba e Gilgal.2
J. A. Motyer, oferece-nos uma grande contribuição, fazendo uma síntese do significado espiritual desses três santuários:
Examinando a mensagem dos santuários, podemos entender a mensagem do canto fúnebre. Ela fala de morte onde deveria haver vida: “estendida está na terra, não há quem a levante” (5.2a). Eis a deficiência de Betel: ser a casa de Deus, o local da promessa, “Deus está neste lugar” como o doador da esperança e da nova vida, aquele que pode tornar realidade o nome “Israel”. Segundo, o canto fúnebre fala de abandono onde deveria haver companheirismo: “Caiu a virgem de Israel, nunca mais tornará a levantar-se… não há quem a levante” (5.2b). Eis o fracasso da promessa de Berseba, “Deus está contigo”. Israel foi levada para a morte como uma virgem que nunca conheceu as alegrias do companheirismo conjugal e que, mesmo em seu estado de virgindade, não conseguia encontrar ninguém que se compadecesse dela na hora da necessidade. Terceiro, o canto fúnebre fala de expropriação onde deveria haver herança: “Caiu… estendida na sua terra, não há quem a levante”, o fracasso da promessa de Gilgal, o povo de Deus derrotado, morto, onde no auge de Gilgal de Josué eles gritaram em triunfo a derrota dos inimigos.3
1.Será que Deus ainda encontra com seu povo em Betel?
Amós ironizou com o povo, dizendo que quanto mais eles vinham a Betel, mais eles multiplicavam seus pecados (4.4). Agora, ele dá uma ordem contundente: “Não busqueis a Betel” (5.5). Por que? Porque nessa busca dos santuários, o Senhor, propriamente dito, acabou sendo deixado de fora, diz Motyer.4
Em primeiro lugar, não há encontro com Deus onde o culto é divorciado da ortodoxia. O culto é bíblico ou é anátema. Deus é espírito e os seus adoradores precisam adorá-lo em espírito e em verdade (Jo 4.24). Betel tornou-se um centro de idolatria. O culto foi paganizado. O sincretismo religioso foi instalado em Betel, que deixou de ser casa de Deus para ser o santuário do rei e o templo do reino. Pelo culto sincrético em Betel, Israel perdeu o verdadeiro Deus, a fonte da vida. Nessa religiosidade distorcida, os israelitas prostituíram o nobre nome de Betel. O profeta Oséias deu a Betel o nome que merecia, Bete-Aven, casa de vaidade, casa do nada, idolatria (Os 4.15; 10.5). Betel, casa de Deus, ficaria reduzida a nada.5
Em segundo lugar, não há encontro com Deus onde o culto é divorciado da vida. O culto agradável a Deus é um culto racional (Rm 12.2), ou seja, um culto lógico, onde há coerência entre a liturgia e a vida. Eles vinham a Betel, mas não encontravam a Deus. Eles faziam peregrinações a Betel, mas não eram transformados.
Em terceiro lugar, não há encontro com Deus onde o culto não é um elemento renovador da vida. Jacó chegou em Betel sendo um homem com um passado e saiu de Betel sendo um homem com um futuro (Gn 28.13-15). Ali ele teve uma visão gloriosa de Deus, ouviu as promessas de Deus e fez promessas a Deus. Betel foi um divisor de águas na vida do patriarca. Aquele lugar marcou um novo começo na vida dele. O povo de Israel, porém, ia a Betel, mas Deus não estava lá. A Palavra de Deus não estava lá.
Em quarto lugar, não há encontro com Deus onde o culto não é um elemento re-orientador da vida. Em Gênesis 28.10-22 Jacó teve uma visão de Deus em Betel, mas em Gênesis 35.1-15, Jacó ouviu a voz de Deus em Betel. Ele chegou lá como Jacó, e saiu como Israel (Gn 35.10). Betel significou para o patriarca a presença de Deus experimentada no poder renovador e re-orientador. Em Betel Jacó erigiu um altar e colocou-lhe o nome de El Betel. Ali ele conheceu não apenas a casa de Deus, mas o Deus da casa de Deus. Em Betel Deus o livrou de seus inimigos e deu-lhe a oportunidade de começar tudo de novo.
Ir ao templo jamais é uma atitude neutra. Encontramos a Deus ou o juízo (5.6). Arrepender e viver ou não arrepender e morrer são as únicas opções dos peregrinos. Se o povo não se voltar para Deus em Betel, o fogo consumirá a casa de José. A casa de José é um nome menos freqüente para as dez tribos, das quais a mais importante era a de Efraim, filho de José.6
2.Será que o povo ainda tem a promessa da companhia de Deus em Berseba?
Os três patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó estão ligados a Berseba, o oásis localizado no deserto do Neguev. Em circunstâncias diferentes, os três ouviram as mesmas promessas acerca da companhia divina em Berseba. A Abraão lhe é dito em Berseba que Deus era com ele em tudo o que fazia (Gn 21.22-33). Deus disse a Isaque em Berseba: “Não temas porque eu sou contigo” (Gn 26.23). De igual forma, Deus disse a Jacó em Berseba: “Não temas, eu descerei contigo” (Gn 46.1-4).
Agora, quando o povo de Israel fazia suas peregrinações a Berseba eles não tinham comunhão com Deus. Não era a Deus que eles buscavam. Não era a Deus que eles encontravam. Eles iam lá para buscar os seus próprios interesses. Eles faziam ofertas porque disto gostavam. O culto deles era centrado neles mesmos e não em Deus. Dionísio Pape diz que a religião divorciada da moral e da compaixão é anátema aos olhos do Senhor. Ele promete estar com o seu povo somente quando este busca o bem e aborrece o mal (5.15).7
3.Será que o povo receberá a herança de Deus em Gilgal?
Gilgal era um lugar muito especial na história de Israel. Foi ali que eles acamparam pela primeira vez depois que entraram na terra prometida (Js 4.19,20). Foi em Gilgal que eles se tornaram o povo da aliança através da circuncisão e da páscoa (Js 5.1-12). Foi ali que eles experimentaram as primícias de Canaã, a terra prometida (Js 5.12). De Gilgal partiram as campanhas vitoriosas da conquista da terra (Js 9.6; 10.6,7,9,15,43; 14.6). Foi em Gilgal que Saul, o primeiro rei, foi confirmado no reino (1Sm 11.14,15). Gilgal era o santuário que proclamava a herança e a posse da terra prometida de acordo com a vontade de Deus.8
Sem uma relação pessoal com o Senhor, sem buscá-lo, a religiosidade da romaria nada valeria em termos espirituais, e os lugares santos seriam destruídos, diz Dionísio Pape.9 O juízo de Deus sobre uma religião de fachada é que Gilgal será levada cativa (5.5) e enfrentará um desterro para além de Damasco (5.27). Gilgal fazia uma promessa que não podia cumprir. Em vez de tomar posse da herança em Gilgal, o exílio seria a amarga experiência do povo e pela mesma mão divina que lhes concedera a terra.10
III. O PROFETA CHORA A CORRUPÇÃO MORAL DE ISRAEL (5.7-12)
1.Eles tornavam a vida do próximo um inferno (5.7a)
Um dos pecados mais notórios de Israel foi a corrupção dos tribunais. Os ricos usavam os tribunais para conseguir decisões que lhes fossem favoráveis, ajudando-os em sua “política de enriquecimento rápido”. Eles oprimiam os pobres através dos tribunais, furtando-lhes bens e propriedades. Com a ajuda dos tribunais os ricos ficavam a salvo do merecido castigo, quando cometiam algum crime.11 Os poderosos em Israel tornavam o juízo em alosna, uma coisa amarga, insuportável. A palavra hebraica indica uma planta extremamente amarga ao paladar, e venenosa se fosse engolida.12 Eles estavam chafurdados em escabrosos esquemas de corrupção, mancomunados com juízes inescrupulosos para assaltar os pobres e necessitados. Eles tornavam a vida dos pobres um tormento, uma amargura. Eles tripudiavam e passavam por cima do direito dos necessitados.
2.Eles não aceitavam a correção (5.10a)
Eles queriam viver acomodados em seus pecados, sem nenhum confronto ou correção. Detestavam quando seus pecados eram denunciados. Amós diz: “Aborreceis na porta ao que vos repreende” (5.10). Charles Feinberg diz que a porta era o local público de assembléia onde se reuniam os tribunais. Ali os juízes odiavam àqueles que reprovavam seus caminhos ímpios.13 Ainda hoje, a mensagem que confronta o pecado é odiada. Muitos mensageiros à semelhança dos falsos profetas da antiguidade venderam sua consciência, perverteram seu ministério e por amor ao lucro, pregam o que o povo quer ouvir. São profetas da conveniência que buscam os aplausos dos homens, mais do que a aprovação de Deus.
3.Eles não suportavam a verdade (5.10b)
A luz incomoda aqueles que querem viver nas trevas. Eles se recusaram a serem governados pela verdade. A verdade é perturbadora para aqueles que desejam viver prazerosamente no pecado. Os peregrinos iam a Betel, mas não queriam ouvir a lei de Deus como o salmista (Sl 119.97). Os ímpios não gostam de ser confrontados com a verdade. Herodes mandou prender João Batista porque este denunciou o seu adultério. John Huss foi preso e queimado porque denunciou os desvios doutrinários e morais da igreja. Martin Luther King foi assassinado porque levantou sua voz contra a segregação racial nos Estados Unidos.
4.Eles eram cruéis com os pobres (5.11a,12)
Amós se volta do relacionamento com a verdade para relacionamento com outras pessoas, diz Motyer.14 Eles pisavam os pobres. Não havia no coração deles temor a Deus nem amor ao próximo. Eles viam o pobre como um terreno a ser explorado. Homens ímpios e poderosos viviam como parasitas dos pobres. Eles roubavam seus produtos agrícolas e propriedades, e com o dinheiro construíam para si mesmos belas casas com materiais importados, como marfim (3.15; 6.4).
A injustiça social é um grave pecado aos olhos de Deus. Aquele que oprime o pobre, insulta o seu criador. Tiago diz que o salário do trabalhador retido com fraude tem uma voz eloqüente aos ouvidos de Deus. O dinheiro que os poderosos acumulou tornar-se-á em combustível para sua própria destruição.
5.Eles eram exploradores (5.11b)
Sob a fachada da peregrinação, o que eles realmente buscavam era o lucro. Eles exigiam tributo do trigo dos pobres. A palavra tributo pode ter dois sentidos. Em 2 Crônicas 24.6,9 ela aparece como “imposto”. Mas aqui envolve extorsão.15 O princípio sobre o qual a vida era vivida era de que as outras pessoas estão para serem exploradas. Colocavam taxas e impostos pesados para oprimir os necessitados. Eles ditavam as regras para assaltar os pobres. Eles buscavam ocasiões especiais para vender o refugo do trigo, por um preço maior, com um peso menor. Eles urdiam planos para tirar cada vez mais proveito da miséria do pobre.
6.Eles eram amantes do dinheiro (5.12)
Amós denuncia: “… aceitais suborno”. Era uma sociedade dominada pela ganância insaciável. O lucro a qualquer custo era a mola mestra da cultura prevalecente. Eles queriam sempre levar vantagem. Os absolutos morais já não existiam mais. O dinheiro era o deus deles. Motyer diz que esses peregrinos que vão a Betel avaliam o suborno em sua mão, mas não avalia os valores morais em sua cabeça, em seu coração e na sua consciência. Eles estavam sempre prontos a abrir mãos dos intangíveis valores morais por causa dos tangíveis valores financeiros.16
7.Eles eram insensíveis (5.12)
Amós declara: “… e rejeitais os necessitados na porta”. Eles não apenas se coligavam com os juízes corruptos para assaltar o direito do pobre e tomar os seus bens, como não tinham nenhuma sensibilidade para ouvir os rogos daqueles que, famintos e necessitados jaziam à sua porta. Jesus falou de um homem que vivia de forma nababesca, em festas e banquetes, sem atender o pobre faminto e chagado à sua porta. Ele morreu, foi sepultado, mas foi parar no inferno (Lc 16.19-31). Muitos serão condenados ao fogo eterno porque terem fechado o coração e o bolso aos necessitados (Mt 25.41-46).
IV. O PROFETA ANUNCIA O JUÍZO DIVINO SOBRE O PECADO DE ISRAEL (5.8,9,11,13)
O âmago do oráculo de Amós sobre Betel recai no Hino ao Deus Transformador (5.8,9). Que lugar seria melhor do que Betel para cantar ao Deus que pode transformar a situação? Ele faz a mudança das estações, do dia e também da história. Porém, o povo vinha a Betel (5.7) e iam de Betel (5.10-12) totalmente inalterados.17
1.O juiz que julga o povo é onipotente (5.8)
Amós aponta algumas verdades solenes sobre Deus, o juiz diante de quem todos vão comparecer. Esse Deus, cujo domínio não pode ser desafiado no céu, também é irresistível na terra. Coisa alguma podia resistir à destruição divina, nem mesmo a mais poderosa das fortalezas ou a mais fortificada das cidades.18 Quem é esse Deus?
Em primeiro lugar, ele é o Deus criador (5.8a). Amós tem o cuidado de registrar que Deus não pode ser domesticado nem manipulado. Ele é o criador. Ele é o soberano absoluto da natureza: o Sete-estrelo e o Órion (conhecidas constelações que aparecem em Jó 9.9 e 38.31) são obras das suas mãos.
Em segundo lugar, ele é o Deus que intervém na criação (5.8b). Ele torna a densa treva em manhã, e muda o dia em noite. É com este Deus soberano que eles têm de haver-se.
Em terceiro lugar, ele é o Deus que intervém na história (5.8c). Ele chama as águas do mar e as derrama sobre a terra. Muitos fenômenos que os homens atribuem ao acaso ou às leis naturais são juízos de Deus, trombetas do céu chamando os homens ao arrependimento. Nada acontece sem que Deus saiba. Nada o apanha de surpresa. A doutrina do Open Teísmo, que prega que Deus não conhece o futuro e que vive como nós cada dia os dilemas da vida é uma falácia. O Tisunami não foi apenas um fenômeno natural. Foi Deus quem derramou aquelas ondas gigantes sobre a terra. O furacão Katrina não foi um acidente da natureza, mas uma ação do juízo divino. O livro de Apocalipse revela que as trombetas soam antes de Deus derramar o seu juízo final sobre os homens.
Em quarto lugar, ele é o Deus da aliança (5.8d). Amós destaca não apenas a soberania de Deus, mas também sua graça. O nome Iavé retrata o Deus da aliança. Mesmo quando Deus castiga o seu povo por seus pecados, não deixa de demonstrar a ele o seu amor.
2.Deus é o agente do juízo (5.9)
O povo de Israel estava iludido com uma falsa religião, pensando que enquanto fizessem suas peregrinações aos santuários jamais qualquer calamidade os alcançaria. Mas Deus revela a eles que o mal que sobreviria não seria um acidente, mas uma agenda ordenada no céu. Os ricos estavam muito confiantes na segurança que o dinheiro lhes proporcionava. Eles pensavam que jamais seriam incomodados ou desinstalados de suas fortalezas. Porém, Deus diz que tanto o forte quanto a fortaleza experimentariam a destruição.
3.Deus não premia o pecado (5.11)
Há aqui um movimento de causa e conseqüência. A lei moral não pode ser quebrada sem graves riscos. O que eles roubaram do pobre e acumularam em suas casas não poderá ser usufruído por longo tempo. Eles não desfrutarão permanentemente dos lucros mal adquiridos. Eles serão arrancados de suas casas e não beberão o vinho de suas vides. Amós anuncia uma vida sem estabilidade (casas construídas, mas não habitadas) e sem prazer (vinhas plantadas, mas não experimentadas). É a frustração, a limitação, a improdutividade de uma vida separada de Deus.19
4. A mudança de vida é absolutamente desencorajada (5.13)
J. A. Motyer diz que Amós nos dá a entender no versículo 13 que, se eles tivessem estado realmente na presença do Deus de Betel, teriam procurado alcançar uma ordem social favorável à justiça, mas o clima social da época ameaçava qualquer que enunciasse uma opinião contrária ao espírito de injustiça e egoísmo predominantes. Essa era a lei da violência (6.3), onde a pessoa temia abrir a boca para protestar: a prudência aconselhava o silêncio. A palavra traduzida por prudente poderia bem significar “uma pessoa que deseja progredir” ou “ter sucesso”.20
A prudência egoísta exige que se cale perante os males que se praticam. Isso levou Martin Luther King a afirmar que o que mais o afligia não era ação maligna dos perversos nem o palavrório imundo dos maus, mas a omissão e o silêncio dos bons.
V. O PROFETA ANUNCIA UMA SAÍDA PARA A TRAGÉDIA DE ISRAEL (5.4,6)
1.Uma ordem expressa: Buscai a Deus (5.4,6)
A religião havia substituído Deus em Israel. Eles abandonaram a Deus, mas continuaram religiosos. Eles iam aos templos, mas não adoravam o Deus vivo. Eles cantavam suas músicas sagradas, mas não tinham comunhão com Deus. Eles ouviam seus profetas, mas não escutavam a voz de Deus.
Charles Feinberg acertadamente diz que antes que venha o juízo ainda há oportunidade de arrependimento e restauração. Deus reluta em fechar a porta da graça e da misericórdia. Nos dias de Noé ele esperou cento e vinte anos para fechar a porta. Não nos impacientemos com a paciência de Deus se ele se demora por causa dos perdidos de Israel para que eles também possam ser salvos e venham a compor conosco o corpo de Cristo.21
Deus e não a religião deve ser o alvo da nossa busca. Devemos buscar a Deus não à procura de prosperidade, saúde e sucesso, mas buscar a Deus por causa dele mesmo. Ele é o sumo bem. O salmista pergunta: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra” (Sl 73.25). Essa busca deve ser com sinceridade e com senso de urgência. Deus mesmo diz: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13).22
Algumas perguntas precisam ser feitas acerca desse magno assunto:
Em primeiro lugar, o que é buscar ao Senhor? Buscar a Deus é voltar-se do pecado para ele não apenas para fugir das conseqüências do erro, mas para deleitar-se em Deus, aquele que é a fonte da vida.
Em segundo lugar, por que devemos buscar ao Senhor? Porque só nele há copiosa redenção. Só nele há esperança. Só ele pode dar vida. Nenhum outro pode nos socorrer. O caminho da desobediência é a estrada da morte, mas na rota da obediência desfrutaremos de vida abundante, superlativa, maiúscula e eterna. Os lugares sagrados podem ser destruídos quando torcem a verdade ou se tornam um fim em si mesmos, mas Deus continua sempre sendo a fonte da vida.
2.Uma promessa segura: E vivei (5.4)
O povo buscava Betel, Berseba e Gilgal e voltava pior. Eles iam ao templo, mas continuam cegos e prisioneiros de seus pecados. Eles tentavam encontrar sentido para a vida nos rituais, mas a vida só está em Deus. A vida eterna é conhecer a Deus (Jo 17.3). O culto é teocêntrico. Nem mesmo as bênçãos de Deus podem substituir Deus. Só há vida quando o homem se volta para Deus. Ele é o manancial de águas vivas. Ele é a fonte inesgotável de vida. A. W. Tozer diz que a igreja contemporânea precisa resgatar o sentido da grandeza de Deus em seus cultos. Precisamos voltar a ficar extasiados diante da majestade de Deus.
O profeta Amós emprega os dois imperativos Buscai e Vivei, unindo tanto o dever como a recompensa do homem. Não fala deles apenas como causa e efeito, mas como sendo um só. Onde há um há também o outro. Buscar a Deus é viver. Pois o buscar a Deus é achá-lo, e Deus é Vida, e fonte de vida. Perdão, graça e vida entram na alma de vez, diz Pusey.23
CONCLUSÃO
A verdadeira religião brota de uma união e comunhão com Deus e sela a sua veracidade ao revelar uma transformação que espelha amor à verdade, submissão nos relacionamentos, preocupação com a aprovação de Deus, integridade moral e ordem social. Em vez de o povo buscar a Betel, deveriam buscar a Deus. Eles deveriam fazer de Deus o seu lugar de peregrinações. Este é o caminho da vida (5.5,6). Caso contrário, eles iriam pelo caminho do fogo (5.6b) e da frustração (5.11b).24

Nenhum comentário:

Postar um comentário