2015/05/27

Esquerda direita, esquerda, direita.

Esquerda direita, esquerda, direita.

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A cantiga ia assim: “Marcha soldado, cabeça de papel...” Tem crente, agora, cantando assim: “Marcha cristão, cabeça de papel; quem não for à parada também não vai pro céu”. Parece coisa de criança – e é! Em um contexto que parece diferente, mas que de fato tem tudo a ver com a política dos homens e a política Deus, Paulo disse: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (1Co 13.11). Tem tudo a ver, digo, porque os crentes corintianos estavam travando disputas políticas segundo a visão dos homens. Os temas da correspondência de Paulo batem nos mais diversos pontos: sabedoria vs. poder, pecado e punição vs. disciplina bíblica (isto é, ensino, correção, repreensão e reeducação – ou corte), marido vs. esposa, sexo no casamento vs. satisfação carnal, cerimônia de comunhão com Cristo vs. sociabilidade degenerada, e princípios de fé, verdade e amor vs. jogos de palavras.

O evangelicalismo de agora (diferente da teologia reformada) confunde muito fé e obras, justificação e santificação com reivindicação de justiça humana por meio de virtudes e leis humanas, e missão de Deus com missão da igreja. Isso ocorre em quase todos os termos da experiência cristã, da esfera da política governamental à esfera da política eclesiástica. Só como exemplo, quando menino ouvi que eu não podia dançar porque era protestante. Depois, aprendi que os missionários vindos do leste norte-americano tinham a dança como pecado, ao passo que, os do oeste, não podendo ceder à menção bíblica à dança correta como expressão da alegria do Senhor, fizeram um conchavo político e “inventaram” as brincadeiras de mocidade. Para dentro e para fora, É ladrão, sim, é ladrão, e a portuguesa Comadre, ó minha comadre, aí eu gosto da sua pequena (os mais jovens que me perdoem o anacronismo), tudo isso era dança de quadrilha.



Primeiro a gente tem de entender a origem dos termos. Na Revolução Francesa, 1789, a Assembleia Nacional se dividiu entre apoiadores do rei à direita e os da revolução à esquerda. Hoje, popularizados, os termos pretendem descrever a esquerda como sendo formada de pessoas favoráveis ao “movimento” e, a direita, os defensores da “ordem”. Grosso modo, a direita seria composta de conservadores, meritocratas, capitalistas. A esquerda seria de progressistas, liberais, comunistas etc., e o centro, de moderados (sambando ora com a direita ora com a esquerda). É dislexia política mesmo! Sabe? É como o moço, no banco de trás do carro, dando direções ao motorista: “Vira pra lá”. “Pra lá onde?” “Direita” (ou esquerda); quando o carro ameaça a um dos lados, ele corrige: “A outra direita” (ou esquerda), e o motorista irritado, “Vê se fica centrado, meu!” Já viu isso? Esquerda ou direita de onde? Centro de quê?

É o seguinte: (1) o cristão crê que todas as coisas tem seu ponto de referência em Deus (teo-referência, segundo Davi Charles Gomes) de quem deriva toda autoridade; (2) em todas as coisas o cristão deve ser, pensar e agir de modo cristocêntrico, pois o Senhor está sempre presente em todos os afazeres dos homens; e (3) o cristão deve viver sob o controle do Espírito que aplica a Bíblia ao coração para testemunho da glória de Deus ao mundo. O princípio bíblico da oposição (luz é luz e treva é treva ou mal é mal e bem é bem) foi abandonado por nossos primeiros pais em função da síntese do pecado (mal com bem dá “bal” ou “mem”), e trouxe à baila o princípio da maldição, uma política de luta de poder: “o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). Nesse sentido, políticas de direita, esquerda e centro referem-se a posições opostas à referência em Deus, à centralidade de Cristo e à direção do Espírito na Palavra. Veja o texto bíblico:

Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro. Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam (Salmos 2.1-12).

Segundo, a gente tem de entender o nosso momento. O mundo que viu a guerra fria vê agora uma coisa que não é fria nem quente. Certo que tanto a “direita” quanto a “esquerda”, sendo políticas humanistas, sempre colocaram o capital e o social como porta-estandartes, mudando somente o samba enredo. O que deu foi um Samba do crioulo doido: “Foi em Diamantina, / Onde nasceu JK, / Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casá / Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes / E obrigou a princesa / A se casá com Tiradentes” – e termina: “O trem tá atrasado ou já passou”(Sergio Porto; Demônios da Garoa). Hoje, por força da incongruência do método dialético hegeliano – sempre há uma situação, a tese, que sofre a ação de forças opostas, a antítese, que gera uma condição melhor que a anterior, a síntese – imposta à quase totalidade do pensamento moderno, a direita capitalista incorporou doutrinas socialistas e o socialismo foi levado a se utilizar do capitalismo. Não tinha outro jeito. No entanto, não se engane, pois, como dizem patriotas ou companheiros, a luta continua, e o povo na estação nem se dá conta dos trens que prosseguem em trilhos e direções diferentes: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6) e “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo” (Ef 2.1-2).

Terceiro, a gente tem de entender que o sistema da fé cristã tem perspectivas claras de justiça, política, relações individuais e sociais, economia, transformação e daí em diante – e esse sistema, sendo uma cosmovisão após a visão de Deus, isto é, de uma consciência divinamente despertada e iluminada, jamais é de esquerda, direita ou centro, mas vem do alto. O conceito geral dessa política do alto, com certeza, continuará deixando o cristão em uma posição desconfortável. Ele é nascido de novo pela ação transformadora do Espírito e sua vida é uma de transformação. Na verdade, se ele se conformar com este mundo, não provará a boa, perfeita e agradável vontade de Deus nem verá a si mesmo e à sociedade tal como Deus quer que ele veja (ver Rm 12.1-4ss). Entretanto, essa inconformidade não poderá ser manifestada como revolução, “Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar” (1Sm 15.23). Em outras palavras, a revolução é uma tentativa “mágica” para mudar o mundo por meio de abandonar a confiança no controle, presença e autoridade de Deus, adorando e servindo a poderes humanos para obter transformação. Como, então, viver a justiça de Deus em um mundo decaído? Como viver em um mundo do qual fomos chamados e ao qual fomos enviados para proclamar a redenção por meio da proclamação verbal e do testemunho da vida? Como ser sal da terra e luz do mundo? O próprio Senhor instrui quanto à prioridade do caráter cristão como base para a ação política no mundo, em Mateus 5.1-18: “Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo”:













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