Justificação: O Coração do Evangelho
"Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou" - Rm 8:28-30.
"Contente-se por causa do sangue de Cristo por não imputar a nós, pobres pecadores, nossas transgressões, nem a depravação a qual está sempre cravada em nós"3.
"Ainda que a minha consciência me acuse de ter transgredido gravemente todos os mandamentos de Deus, e não ter guardado nenhum deles, e ainda ser inclinado a todo o mal, todavia, Deus me dá, sem nenhum mérito meu, mas apenas por pura graça, a perfeita satisfação, a justiça e a santidade de Cristo; como se eu nunca tivesse tido nem cometido pecado algum"4.
O segundo elemento da justificação é Deus declarando à consciência do pecador eleito que ele é justo. Simplificando, ser justo é estar certo aos olhos de Deus, porque a lei de Deus foi perfeitamente cumprida. Deus declara que em Cristo, o pecador temente a Deus tem cumprido a Sua lei (Cf. Rm 5:19). Não importa o que meus olhos veem ou o que os outros dizem que veem em mim. Justiça, significa que Deus declara que o que eu tenho feito é certo. Novamente, o Catecismo de Heidelberg coloca isto muito bem: "Como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim"5. Esta é a realidade desse segundo elemento da justificação que torna a simples definição de justificação (simplesmente como se eu nunca tivesse pecado) simplista, porque não fala de justiça. Justificação significa que Deus declara alguém justo. Esta é uma justiça real. Deus, o juiz perfeito declara o pecador eleito, regenerado e chamado, justo. O pecador justificado é ciente de que ele é digno de ser condenado à condenação eterna, mas Deus, por Sua própria boa vontade, por pura graça, por amor a Cristo, declara que este pecador é perfeitamente justo, e, portanto, digno da amizade íntima com Deus, tanto agora quanto na eternidade no céu. A presente relação com Deus é que o justificado é um filho de Deus, graciosamente adotado em Sua família. E ele é um herdeiro da vida eterna. Os filhos são herdeiros, coerdeiros com Cristo da vida eterna com Deus (Cf. Rm 8:17).
"Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem" - Rm 3:20-22.
A fé é o instrumento mais adequado para nos dar o conhecimento de nossa justificação. Isto é assim porque a fé é uma crença e não uma obra. Dizer "fé" é dizer "não obra". A fé é o oposto de obras. A fé é um dom de Deus, não de obras, para que ninguém se glorie (Ef 2:8-9). A fé é o vínculo que une uma pessoa a Cristo. Deus objetivamente une todos os eleitos a Cristo na eleição. No momento em que Deus regenera os eleitos, Ele objetivamente nos enxerta, por meio da fé, em Cristo. Este é o poder da fé. Este poder da fé se torna ativo, de modo que aqueles que estão objetivamente enxertados em Cristo, subjetivamente se mantêm n'Ele. Eles O abraçam, ou "permanecem n'Ele", assim como Jesus disse em João 15. A fé conhece e confia em Cristo, para a justiça. Ela abraça Jesus Cristo como Ele é proclamado no Evangelho. Nós confiamos n'Aquele em quem cremos. Eu sei em quem tenho crido e estou certo de que Ele é capaz de tirar o meu pecado, pagar por ele e adquirir a justiça a qual Ele credita em minha conta. A fé simplesmente crê - permanecendo na verdade que Deus revelou em Sua Palavra.
"Eu compareço perante Ele, não com base no que vejo, mas com base no que Deus tem me ensinado em Sua Palavra. A Bíblia me diz que, quando Jesus morreu, Ele morreu pelo pecado. E quando Ele viveu, realizando perfeitamente a vontade do Pai, Ele adquiriu para aqueles a quem Ele representava, uma justiça perfeita. Deus, por amor a Jesus, credita esta justiça em minha conta. Deus me permite comparecer diante d'Ele nesta justiça".
"Portanto, a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça". "Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei"; "pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus" "pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei" - Rm 4:16, 3:20, 23-24, 28.
"Sabemos que ninguém é justificado pela prática da lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será justificado".
"Por que você diz que é justo somente pela fé? Eu o digo não porque sou agradável a Deus graças ao valor da minha fé, mas porque somente a satisfação por Cristo e a justiça e santidade d'Ele me justificam perante Deus. Somente pela fé posso aceitar e possuir esta justificação"6.
"Mas por que as nossas boas obras não podem nos justificar perante Deus, pelo menos em parte? Porque a justiça que pode subsistir perante o juízo de Deus deve ser absolutamente perfeita e completamente conforme a lei de Deus. Entretanto, nesta vida, todas as nossas obras, até as melhores, são imperfeitas e manchadas por pecados"7.
"Nossas boas obras, então, não têm mérito? Deus não promete recompensá-las, nesta vida e na futura?" Sim, as nossas boas obras recebem uma recompensa, mas "essa recompensa não nos é dada por mérito, mas por graça"8.
"Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas? Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica" - Rm 8:31-33.
"Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós" - Rm 8:34.
"Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados! Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa".
"Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada [imputada ou contada]como justiça".
A única base deste ato de Deus, o juiz, em pronunciar o pecador ímpio - no entanto um pecador crente - justo, é a obediência de Jesus Cristo no lugar do pecador. A base é tanto a obediência de Cristo à lei de Deus, ao longo de Sua vida, quanto a morte de Cristo como sendo a satisfação plena e perfeita da justiça de Deus em relação à culpa do pecador eleito. Paulo escreve em Romanos 5:19 que é pela obediência de um só, isto é, Jesus Cristo, que muitos são "constituídos"10 justos, da mesma forma como todos nós fomos constituídos culpados pela "desobediência de um só homem". A única justiça que é válida no tribunal celestial de Deus, o juiz - o qual é temível em Sua santidade - é a justiça adquirida pelo próprio Deus por meio da obediente vida e morte de Seu próprio Filho encarnado, Jesus Cristo.
Esta justiça, que é a própria justiça de Deus e a única justiça que é válida perante Deus de modo a obter o veredicto "inocente" e a deixar as portas da vida eterna abertas para o pecador; esta justiça, eu digo, é concedida ao pecador por meio da fé, e por meio da fé somente. Este é o ensino do apóstolo em Romanos 3:28: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé somente sem as obras da lei"11. A fé em Jesus Cristo é o meio, o instrumento, pelo qual o pecador recebe a justiça por meio da imputação, de modo que sua posição perante Deus, o juiz, é como se ele nunca tivesse pecado, como se ele mesmo tivesse obedecido perfeitamente a lei de Deus e, como se ele mesmo tivesse pago plenamente por todos os seus pecados e merecido a vida eterna. A medida que Romanos 3:28 contrasta fé com "as obras da lei", o apóstolo de fato ensina que a justificação é pela fé somente.
Quando Martinho Lutero traduziu Romanos 3:28 pela palavra allein em alemão, que é a palavra "somente", tornando o texto, "o homem é justificado pela fé somente sem as obras da lei", ele capturou o significado do Espírito Santo e traduziu o texto corretamente. Esta compreensão de Romanos 3:28, Gálatas 2:16 e outros textos, ou seja, que esses textos ensinam que somos justificados pela fé somente, é confessional para todos os reformadas. O Catecismo de Heidelberg, por exemplo, responde à pergunta "Como é que você é justo diante de Deus?" Desta maneira: "Somente pela verdadeira fé em Jesus Cristo"12. Que grande verdade do Evangelho é esta. Lutero e toda a Reforma Protestante declararam que a justificação é o coração do Evangelho bíblico. Calvino concordou, chamando a justificação pela fé somente, em suas Institutas:
"A principal dobradiça sobre a qual a religião se dependura".
Como um puro ato da graça de Deus, a justificação pela fé somente dá paz ao crente. "Ainda que a minha consciência me acuse de ter transgredido grandemente todos os mandamentos de Deus, e não guardado nenhum deles, e ainda esteja inclinado a todo o mal", eu estou confiante de que eu sou justo diante de Deus, com base na obediência de Cristo. Este é o testemunho do Catecismo de Heidelberg13. Sem a justificação pela fé somente, se dependêssemos nem que fosse de uma boa obra nossa, "sempre duvidaríamos, sendo levados de um lado para o outro, sem certeza alguma, e nossa pobre consciência estaria sempre aflita"14.
Somado à urgência de uma correta compreensão da relação entre a justificação e as boas obras, está o ataque contra a justificação pela fé somente por determinados inimigos desta verdade. Este ataque contra a justificação pela fé somente é motivado, supostamente, em nome das boas obras. A urgência é agravada hoje dentro da comunidade de igrejas reformadas, por causa de um ataque à justificação pela fé somente, em nome de uma ênfase em boas obras vinda de dentro das próprias igrejas reformadas. Na verdade, este ataque à justificação pela fé somente está sendo provocado por proeminentes e influentes teólogos reformados, professores de seminários e ministros do Evangelho. Estes homens são porta-vozes de um movimento conhecido como "Visão Federal", que é, literalmente, "Visão Pactual", porque é o desenvolvimento de uma determinada doutrina do pacto. Intrínseco a esta doutrina do pacto está um ataque à justificação pela fé somente. Este ataque é defendido como uma promoção das boas obras na vida do cristão.
"Esse ensinamento [isto é, a doutrina da justificação pela fé somente] não torna as pessoas negligentes e ímpias?"19
O segundo notável ataque à justificação, o qual supostamente ocorre porque a doutrina é prejudicial à santidade de vida e boas obras, vem dos arminianos. Isso não é tão popular entre nós, porque nós nos concentramos na negação deles da eleição, expiação eficaz aos eleitos somente, graça soberana e a perseverança dos santos. Mas os arminianos negam a justificação pela fé somente também. E eles a negam, de acordo com eles, porque veem esta como prejudicial à responsabilidade humana e a vida de santidade. Os Cânones de Dort falam deste aspecto da heresia arminiana e condenam o erro que "considera a fé e a obediência da fé, ainda que imperfeitas, como a perfeita obediência à lei e que a considera digna da recompensa da vida eterna por meio da graça"20. John Wesley era um verdadeiro filho de Jacó Armínio e Simon Episcopius em sua negação da justificação pela fé somente, como sendo destrutiva à ideia de John Wesley de santidade.
O terceiro eminente ataque à justificação pela fé somente tem vindo, nos últimos trinta anos ou mais, de dentro das próprias igrejas reformadas, de fato, de dentro de igrejas reformadas e presbiterianas que são amplamente famosas por serem as igrejas presbiterianas e reformadas mais conservadoras. Refiro-me ao movimento que promove uma teologia conhecida como "Visão Federal", um movimento que é influenciado por um entendimento sobre Paulo, especialmente em Romanos e Gálatas, que difere do entendimento que Lutero tinha sobre Paulo, que Calvino tinha, que toda a tradição reformada tem tido, especialmente, que as confissões reformadas têm. Essa é chamada "A Nova Perspectiva Sobre Paulo". Pelo fato dessa negação da justificação pela fé somente ter surgido, e estar sendo nutrida no seio das igrejas reformadas supostamente conservadoras, e pelo fato dela se basear em uma popular, na verdade a predominante, doutrina do pacto, este ataque à justificação pela fé somente é o mais perigoso ataque aos cristãos reformados professos de hoje. Na verdade, eu considero esta heresia como a mais grave ameaça à fé reformada desde o Sínodo de Dort.
Em seguida há esse argumento. Quando a Bíblia ensina em 2 Coríntios 5:10, e em outras passagens, que o nosso julgamento final ocorrerá "de acordo com" as nossas obras, isso significa que o juízo final, que decide o nosso destino eterno, será baseado, em parte, nas obras que realizamos. E pelo fato do julgamento final ser apenas a versão pública da justificação que vivemos hoje, uma vez que o julgamento final será baseado em nossas obras, logo a nossa justificação hoje também é baseada em nossa própria experiência, a justificação é baseada em obras.
O ponto de vista sobre a justificação defendida por todos aqueles que atacam a justificação pela fé somente é este: a justificação não é um ato estritamente jurídico de Deus, mas também uma obra de renovação e santificação, na verdade, uma obra para fazer o pecador bom. A justificação, neste caso, não depende inteiramente da obediência de Cristo por nós e fora de nós, mas isso também depende, em parte, de nós mesmos, de nossa própria obediência e de nossas próprias boas obras. E, por esse ponto de vista, a justificação não consiste apenas da obediência e da justiça de Jesus Cristo, a perfeita justiça de Cristo estabelecida por meio de Sua vida de obediência e Sua morte expiatória em nosso lugar, mas sim, a justiça que é legalmente declarada por Deus na justificação é também, em parte, a nossa própria - a nossa própria justiça imperfeita, estabelecida por nossas próprias boas obras imperfeitas.
No que diz respeito aos argumentos específicos que são levantados contra a justificação pela fé somente, nós respondemos que, quando Paulo exclui as obras da lei, e a lei da justificação, ele está falando de todas as nossas obras. Gálatas 3:10-12 prova isso, pois nessas passagens da lei, sobre a qual ele diz no verso 11, que não tem lugar na justificação do pecador, obviamente, refere-se a toda a lei de Deus, incluindo os dez mandamentos. No versículo 10, Paulo cita Deuteronômio 27:26: "Maldito quem não puser em prática as palavras desta lei". "As palavras da lei" incluem todos os mandamentos, e não apenas os mandamentos cerimoniais. Portanto, quando o apóstolo nega, no verso 11,que ninguém é justificado "pela lei", ele esta falando de toda a lei.
Quanto à recompensa prometida, nós respondemos que a Bíblia realmente nos promete uma recompensa por nossas boas obras. Mas esta recompensa é uma recompensa da graça, não uma recompensa que adquirimos, nem uma recompensa que merecemos, e nem um salário que Deus nos dá pelo nosso trabalho. A recompensa é da graça, porque Deus, em Sua graça eternamente ordenou as boas obras para que as praticássemos (Cf.Ef 2:10). A recompensa é da graça, porque por meio de Sua morte, Jesus Cristo adquiriu para nós o direito de realizarmos boas obras (Cf. Tt 2:14). É um privilégio fazer boas obras a serviço de Deus. A recompensa é a recompensa da graça, porque o próprio Espírito de Cristo realiza essas obras em nós e através de nós (Cf. Fp 2:13). A recompensa é uma recompensa da graça, porque quando Deus aceita nossas obras, Ele primeiro justifica, ou absolve, todas as boas obras quanto à corrupção e pecado que mancha cada uma delas. E a recompensa é uma recompensa da graça, porque quando Deus nos dá a recompensa, que é a vida eterna e o lugar que temos em glória, Ele o faz, não porque Ele deva isso a nós, mas em livre favor24.
No que diz respeito ao argumento contra a justificação gratuita que apela para o julgamento final e para o fato de que seremos julgados segundo as nossas obras, é certamente verdade que o nosso julgamento no último dia do mundo, será a justificação daqueles que creem em Jesus Cristo. Esta será uma justificação pública. Hoje, quando eu creio em Jesus Cristo, eu sou justificado em particular. Eu e Deus sabemos que eu sou justificado pela fé em Cristo. Mas chegará um dia em que eu estarei diante de Deus, o juiz, na presença de todo o mundo, eleitos e réprobos, demônios e anjos, e então Deus tornará público a justificação que agora é privada. Esta justificação no juízo final será um ato estritamente legal de Deus. Isso não vai ocorrer, nem a Escritura nunca o disse, por causadas nossas obras, ou com base nas nossas obras. Mas isso acontecerá de acordo com nossas obras como uma espécie de critério. Nesse julgamento final, a base única para a nossa justificação será o que é hoje, ou seja, a obediência de Jesus Cristo em nosso lugar. Graças a Deus por isso! Se isso não fosse verdade, nós não teríamos nenhuma esperança. Mas, naquele dia, as boas obras que realizamos com a graça de Deus serão exibidas por Deus, absolvidas de toda a corrupção que as contaminaram, de modo que essas obras apresentarão e demonstrarão a realidade do gracioso julgamento e salvação de Deus a nós para o Seu louvor.
Ao ataque à justificação que surge da doutrina de um pacto condicional, nós replicamos, primeiro, que com base em um pacto condicional, a negação da justificação pela fé somente e de todas as doutrinas da graça, se seguem. Se o pacto é condicional, a justificação é pela fé e obras. E se o pacto é condicional, logo a eleição é condicional, a expiação condicional, a salvação do pecador condicional, e a vida eterna condicional.
Quarto, nossa resposta ao ataque à justificação pela fé somente é que de nossa parte acusamos aqueles que ensinam a justificação pela fé e obras de estarem destruindo a paz e a certeza da salvação dos filhos de Deus, de estarem roubando de Deus Sua glória, e serem, assim como Calvino acusa todos os que ensinam a justificação pela fé e obras, fariseus. Todo aquele que ensina e crê na justificação por obras, de qualquer forma, é um fariseu. De acordo com o nosso Senhor, em Lucas 18:14, os fariseus não são justificados. Como pode alguém ser justificado se ele depender de suas próprias obras contaminadas pelo pecado e ousar - como Robert Trail colocou - fazer a sua lamentável santidade sentar-se ao trono do juízo, juntamente com o precioso sangue do Cordeiro de Deus?
O apelo é que Tiago 2, ensina que tanto Abraão, ao oferecer Isaque por ordem de Deus, e Raabe, em receber e guardar os espiões israelitas, foram justificados por obras (v. 21, 25).Tiago 2 ensina que a partir desses eventos importantes na história do Antigo Testamento, esclarecidos como justificação por obras, vemos "que é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé" (v. 24). Aparentemente, Tiago 2 ensina que a justificação é pelas obras, e não somente pela fé. E, aparentemente, no capítulo 2, Tiagoensina uma doutrina que é claramente contrária ao ensino do apóstolo Paulo, que, emRomanos 3 e 4, em Gálatas 2 e em outras passagens, ensina que a justificação não é por obras, mas pela fé somente.
A explicação de Tiago 2 dada pelos inimigos da justificação pela fé somente é a seguinte: Tiago ensina a justificação, como sendo um ato de Deus pelo qual o pecador se torna justo, é de fato por meio das boas obras do pecador, de modo que a justiça do pecador é, em parte, sua própria obediência à lei de Deus. De acordo com os defensores da justificação pela fé e obras, Deus leva em conta as obras do pecador no ato da justificação. Tiago deve ser harmonizado com Paulo, desta forma, apesar dos dois estarem falando de justificação no mesmo sentido, eles têm diferentes obras em vista. As obras que Paulo exclui da justificação em Romanos 3:28 são apenas as obras cerimoniais e as obras que são feitas para merecer a salvação. Por outro lado, dizem eles, as obras queTiago tem em vista são as verdadeiras boas obras que procedem da fé.
Esta era a explicação de Tiago 2 que Roma sempre deu. Esta é a explicação de Tiago 2, que os defensores da "Visão Federal" agora estão dando. Nossa justiça perante Deus é, em parte, a obediência de Cristo e em parte a nossa. Nossa justificação, hoje e no dia do julgamento, depende em parte da obra de Cristo por nós e em parte das nossas próprias boas obras. No ato justificador de Deus, pelo qual nos tornamos justos, nossas próprias obras estão inseridas. Seus olhos santos as veem, não como pecados a serem perdoados, mas como atos que tem de ser aceitáveis a Deus, para fazer-nos dignos da vida eterna. E nós vamos ao julgamento, agora e no último dia do mundo, com as nossas boas obras em mãos, advogando essas obras como atos dos quais nosso destino eterno depende.
"Cumpriu-se assim a Escritura que diz: Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça."
As boas obras, de fato, uma vida toda consistente com boas obras - boas obras na vida pessoal, boas obras na escola, boas obras no namoro, boas obras no casamento, boas obras na casa e na família, boas obras no trabalho, boas obras na igreja, boas obras em meio e contra os ímpios, uma cultura depravada e uma sociedade em que temos o privilégio de brilhar como a luz na escuridão - ou seja, as boas obras são frutos da justificação pela fé somente. Elas são frutos e evidências de nossa justificação pela fé somente. Nossas boas obras não são a condição para a justificação, nem a base para justificação, nem o conteúdo da justificação, mas seus frutos.
Segundo, as boas obras são frutos da justificação desta forma: o pecador perdoado, livre da culpa e vergonha do pecado, e, portanto, livre da morte e do inferno, e para quem agora o céu está aberto, e sobre quem a alegre face de Deus agora brilha, adorará o seu gracioso Salvador. E este amor grato por Deus é o motivo de uma vida de boas obras. Oh, ele é um forte motivo para o zelo por boas obras. Este foi o ensinamento de Jesus sobre a relação entre a justificação e as boas obras na parábola dos dois devedores em Lucas 7:42: "Nenhum dos dois tinha com que lhe pagar, por isso perdoou a dívida a ambos. Qual deles o amará mais?". Se somos perdoados, amaremos. E se somos perdoados muito, amaremos muito. Sem o amor por Deus por uma justificação graciosa, nem sequer uma boa obra é possível. Devemos ouvi-Lo dizer à nossa alma: "Meu filho, minha filha, adotado na cruz, eu livremente perdoo todos os seus pecados. Eu concedo a ti a justiça de Meu Filho". Então seremos zelosos por boas obras - não podemos fazer nada mais, senão, ser zelosos por boas obras.
"Você faz uma confissão ortodoxa, enquanto vive perversamente? Satanás também o faz. Você não sabe, oh homem fútil, que a fé sem obras é morta?"
Ainda falta ser falado sobre um assunto nesta oportuna e enriquecedora conferência sobre o tema: "A Justificação pela Fé Somente". Os oradores que me antecederam explicaram cuidadosamente a verdade sobre o tema. E pelo fato de quase todos os ataques contra este terem, através dos tempos, tomado o mesmo formato, ou seja, introduzido as obras do pecador como base para a nossa justificação, estes oradores fizeram cuidadosamente a distinção entre justificação e santificação, mostrando a relação necessária entre elas, e demonstrando que a justificação ocorre tanto objetiva como subjetivamente, sem nenhuma conexão com as nossas obras, sejam elas boas ou más, em corpo ou alma, da carne ou do espírito regenerado. Foi demonstrado que, quando se trata de justificação, as nossas obras simplesmente não têm lugar algum. O que foi ensinado é a verdade da justificação como geralmente tem sido compreendida pela igreja por cerca de 2000 anos, mas especialmente desenvolvida, formulada e ensinada pela igreja da Reforma contra os erros perniciosos de Roma e dos arminianos. A única coisa que falta nesta conferência é explicar o significado dessa verdade para a vida cotidiana do cristão.
"O artigo sobre o qual a igreja permanece ou cai"
"A principal dobradiça sobre a qual religião se dependura".
Primeiro, para que os crentes sejam incentivados a batalhar com grande zelo e sacrifício pessoal por esta verdade e contra o erro. Mesmo agora, líderes reformados e presbiterianos supostamente conservadores audaciosamente afirmam que esta verdade desenvolvida, formulada e ensinada pela igreja da Reforma, é deformada, ilegítima e doentia. Na opinião deles, milhares de crentes ofereceram suas costas ao chicote, sua língua à faca, sua boca à mordaça e seu corpo ao fogo, não por causa da verdade da Palavra de Deus, mas por um colossal erro teológico cometido pelos nossos pais reformados. Este mais recente ataque, que tem por nome "Visão Federal", faz mais do que menosprezar o alto preço que cristãos reformados do passado pagaram para manter esta verdade, ela é desprezível por si só.
"[Toda a questão é apenas um dos] pedidos pela ajuda do grande Médico, que recebe seu pagamento e, em seguida, é despedido com poucos agradecimentos. A questão da justiça não entra no assunto de forma alguma; conquanto que o pecador seja santificado, está tudo bem."25
"O que Deus mais estritamente condena na Sua santa lei, é a justificação dos ímpios, o que, Ele disse sobre Si mesmo que jamais faria e o que, mesmo assim, Ele faz. Mas Ele o faz sem comprometer a Sua justiça. Esta é a maravilha do Evangelho"30 (Cf. Dt 25:1; Êx 23:07).
"O direito regula as relações. O direito é a base, especialmente das relações interpessoais. Tudo é primeiramente estabelecido e desenvolvido em uma base legal, aquela do direito."31
E portanto, a nossa justificação serve como base para a nossa relação com o mundo, a relação com o pecado, com a morte, com a lei, com a igreja, com cada membro da igreja, com todos os membros do mundo, mas especialmente para o nosso relacionamento com Deus. Não há nenhum relacionamento com Deus à parte da justificação, e não há nenhuma mudança subseqüente na nossa condição através de Deus a menos que haja primeiro uma mudança em nosso status, que é o nosso relacionamento legal com Deus, o direito legal de Deus sobre nós.
"É evidente que a regeneração, chamado e conversão, sim, até mesmo a completa reforma e santificação, não são suficientes. Pois, embora estes sejam muito gloriosos e livrem o homem do pecado, da mancha e poluição [...] ainda assim eles não tocam em sua relação jurídica com Deus. Todo membro da igreja deve[...] perceber a sua posição jurídica perante Deus, agora e para sempre, que ele não é apenas homem ou mulher, mas uma criatura que pertence a Deus, absolutamente controlada por Deus, culpada e punível quando não age de acordo com a vontade de Deus."32
"A justificação liberta a todos os crentes igualmente da ira vingadora de Deus, e isto perfeitamente nesta vida, de modo que eles nunca mais caem na condenação. A santificação não é igual em todos os crentes e nesta vida não é perfeita em crente algum."33
"[Cristo] levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça."
"Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? De maneira nenhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?"
"Sei que sou pecador desde que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe".
"Com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado" - Rm 7:25.
"Para obter a justiça de Cristo, devemos abandonar a nossa própria justiça [...]. O coração não pode estar aberto para receber a misericórdia de Deus a menos que esteja absolutamente vazio de toda a opinião de seu próprio valor."35
O texto acima, explica por que o Catecismo de Heidelberg inclui uma seção inteira sobre a nossa miséria antes da seção sobre a nossa libertação, onde a justificação é proclamada. Um pregador reformado não pula esta seção e simplesmente continua a pregar a nossa libertação, com a atitude: "Bem, essas coisas sobre o pecado, a nossa miséria e a depravação são coisas que costumávamos ser e que costumávamos precisar de libertação". Isto também está lá para o nosso conforto; está lá para avaliarmos corretamente como nós somos por natureza, pois isto é necessário para desfrutarmos a justificação. É necessário porque Jesus liberta e dá justiça aos pobres, necessitados, oprimidos, humildes, aos que choram, aos cansados e sobrecarregados, aos famintos e sedentos por justiça. Mesmo o justificado, regenerado e santificado apóstolo Paulo ainda poderia confessar:
"Jesus Cristo veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior" - 1 Tm 1:15.
"Mesmo que o crente compartilhe o perdão dos pecados[justificação], ele deve, conscientemente, de dia a dia, continuar se apropriando deste pela fé, a fim de desfrutar da segurança e conforto do mesmo. É verdade que há muitos que continuam vivendo em função de uma experiência passada e se contentam com isso, mas essa não é a vida cristã."36
"Com demasiada frequência deixamos de compreender a gravidade do nosso pecado contra Deus. Esta é a razão pela qual este grande artigo da justificação não é o que deveria ser, no mais profundo íntimo do nosso espírito. Esta é a razão pela qual o Evangelho da justificação é para tais, de certa forma, um som sem sentido no mundo e na igreja do século XX."37
"Se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas! Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação."
O que tudo isso significa? Em primeiro lugar, o cristão é feito morto para o mundo, assim como ele é feito morto para o pecado. Estamos mortos para os efeitos de todos os males. Eles simplesmente não podem mudar nossa relação com Deus. As más obras cooperam para o nosso benefício, avivando o novo homem e crucificando o velho. Satanás, mesmo quando nos tenta, está servindo o nosso Senhor. Era disto que Calvino estava falando, quando no contexto da justificação, ele observou que, embora nós sejamos redimidos de um mundo que, em outra circunstância nos confina e oprime, todas as coisas agora cooperam juntamente para o nosso bem38. Nosso conforto não está simplesmente na providência de Deus. O nosso conforto, assim como o Catecismo de Heidelberg ensina, é que o Deus da providência é o Pai que estabeleceu aquela nova relação de adoção quando fui justificado39. Bavinck novamente:
"A diferença dos justificados é que em meio a opressão e perseguição, as quais eles são expostos em toda a parte no mundo, eles colocam sua confiança no Senhor e buscam sua salvação e bem-aventurança n'Ele somente. Em nenhum lugar há qualquer libertação para eles, nem em si mesmos nem em qualquer criatura, mas no Senhor seu Deus somente."40
"Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?" - Rm 8:35.
"Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus." "Não amem o mundo nem o que nele há".
"Considero [desde que fui justificado] tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco."
"Na verdade, não há meio-termo entre estes dois. Ou o mundo se tornar inútil para nós, ou nos mantêm presos em um amor imoderado por ele."41
Com relação ao uso legal da presente criação pelos justificados, Calvino é muito útil quando nos dá dois princípios fundamentais para se viver. O primeiro é que nós usamos esta criação como se não a usássemos, ou desfrutamos das dádivas dela como se não as tivéssemos. A atitude prática para Calvino é a indiferença. Para ele, adiáforo eram verdadeiramente as coisas indiferentes, ou seja, só podem ser usados legalmente quando somos indiferentes a elas, ou, para usar a linguagem bíblica, estamos mortos para elas. Em segundo, Calvino ensina que, sendo justificados, nós devemos usar e desfrutar da criação, conscientes de que somos mordomos que prestarão contas ao nosso Pai no dia de Cristo.
"Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus" - Lc 16:15.
"Se comparecêssemos diante de Deus, confiando em nós mesmos, ou em qualquer outra criatura, embora apenas um pouquinho, deveríamos ser amaldiçoados! Ser consumidos."44
"Ali Paulo diz que nenhuma paz ou alegria tranquila são mantidas a menos que estejamos convencidos de que somos justificados pela fé. Aqueles que tagarelam sobre sermos justificados pela fé, porque ao nascermos de novo somos justificados por meio de um viver espiritual, nunca provaram a doçura da graça."45
"A menos que primeiro você entenda o que é a sua relação com Deus e a natureza do juízo d'Ele para com você, você não tem nem um fundamento sobre o qual estabelecer a sua salvação, nem um sobre o qual construir piedade para com Deus."46https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8015343286526493408#editor/target=post;postID=7613601769589098195
"Tentaremos, para nosso grande mal, roubar do Senhor as graças que devemos por Sua livre bondade."47
"Quem gloria a si mesmo, se gloria contra Deus. O homem não pode, sem sacrilégio, reivindicar para si mesmo nem mesmo uma migalha de justiça, pois esta mesma medida é arrancada e roubada da glória da justiça de Deus."48
Mas quando acreditamos que somos justificados pela fé somente, ali haverá verdadeira e aceitável ação de graças, louvor, honra e glória a Deus manifesto em nossas vidas e na adoração. Isso ocorre porque, como dissemos anteriormente, quando Deus nos justifica, Ele estabelece e nos faz sentir, de uma forma maravilhosa, a Sua justiça, que por sua vez, amplia e exalta Sua graça. É por isso que a Escritura chama o Evangelho da justiça de glorioso Evangelho. O propósito do Senhor ao imputar justiça a nós, de forma graciosa em Cristo, através da justificação pela fé somente, é de "demonstrar a Sua própria justiça" -Rm 3:26. Ele deseja que toda a boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo d'Ele (Rm 3:19-31), pois enquanto o homem tiver alguma coisa a dizer em sua defesa, este diminui a glória de Deus.
"Alguém pode facilmente e prontamente tagarelar sobre o valor das obras para justificar os homens. Mas quando chegamos diante da presença de Deus, somos obrigados a deixar tais coisas de lado. Como responderemos ao Juiz celestial quando Ele nos chamar para prestar contas? Nós mesmos vamos encarar esse Juiz. Não como nossas mentes naturalmente imaginam Ele, mas como Ele é descrito para nós na Escritura. Por cujo brilho as estrelas são escurecidas, por cuja força as montanhas são derretidas, por cuja ira a terra é abalada, cuja sabedoria apanha os sábios na sua própria astúcia, além de para cuja pureza todas as coisas estão contaminadas, cuja justiça nem os anjos podem suportar, Aquele que não faz do homem culpado inocente, cuja vingança, quando uma vez acendida, penetra as profundezas do inferno. Vamos contemplá-Lo, digo eu, sentado em julgamento para analisar os atos dos homens. Quem permanecerá confiante perante seu trono? A resposta é: o homem que é justificado pela fé somente e apenas este homem."49
"O resultado de sermos justificados gratuitamente pela Sua graça é que os crentes atribuem toda a glória a Deus, se humilham perante Deus e reconhecem a si mesmos como realmente são, confiam e se baseiam somente na obediência do Cristo crucificado. Isso nos dá confiança em nos achegarmos a Deus, libertando a consciência do terror, medo e pavor. Portanto, assim como Hebreus 4:16 diz, podemos ir corajosamente até o trono da graça, para alcançarmos misericórdia e acharmos graça para socorro no tempo oportuno."
"Quem sai do artigo da justificação não conhece a Deus e é um idólatra. Pois, quando este artigo é retirado, nada permanece, somente o erro, a hipocrisia, a impiedade e a idolatria, embora isso pareça ser compatível com a verdade, a adoração à Deus e santidade."
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