Por José Bernardo
Haveria obreiro com mais risco de ser atingido pela Síndrome do Esgotamento Ministerial do que Jesus, que se encarregou de levar sobre si os pecados de toda a humanidade? No ensaio ‘Horebe’ mostrei que o zelo (ciúme) é a causa do primeiro estágio do esgotamento, a euforia. Sobre isso, no episódio da purificação do Templo, os discípulos entenderam que o verso 9 do salmo 69 se referia a Jesus: "O zelo pela tua casa me consumirá" Jo 2:17. Também mostrei como a carência, isso é, não receber o resultado esperado provoca a aversão, e podemos ver como Jesus resumiu seu esforço e o resultado que obteve, no final do ministério:"Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram.” Mt 23:37. Marcos também nos relata como Jesus enfrentou o isolamento, “Disse-lhes Jesus: "Vocês todos me abandonarão. Pois está escrito: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas’.”” Mc 14:27, e a depressão, “...e começou a ficar aflito e angustiado.” Mc 14:33. Percebendo isso, torna-se mais claro e mais valioso o ensino sobre Jesus em Aos Hebreus: “...pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.” Hb 4:15. Depois de haver tomado Elias como exemplo nos ensaios anteriores, olho agora para quatro eventos na vida de Jesus em que ele lida com os riscos do Esgotamento e nos dá o exemplo que devemos seguir.
Jesus identificou sua missão. Marcos se propôs a apresentar a pessoa de Jesus como recurso definitivo para fortalecer a Igreja em Roma quando Paulo e Pedro foram assassinados. Um dos recursos que usou foi ilustrar um dia no início do ministério de Jesus (Mc 1:21-39). O relato começa no início de um sábado, com Jesus ensinando na sinagoga em Cafarnaum, expulsando um demônio e deixando todos admirados. Segue com a cura da sogra de Pedro e depois, com o fim das restrições do sábado, toda a cidade reunida na porta da casa e Jesus curando, expulsando demônios e se tornando muito popular. Foram todos dormir e Marcos leva os leitores ainda através da madrugada de domingo. Jesus se levantou sem acordar ninguém e foi a um lugar ermo para orar. Estimo que tenha orado por pelo menos quatro horas enquanto os discípulos despertavam, a multidão se reunia, e todos procuravam Jesus até encontra-lo. Identifico naquele momento em que os discípulos encontraram Jesus três componentes que poderiam pressioná-lo à euforia e colocá-lo na rota do Esgotamento: a insistência dos amigos, o sucesso obtido e a necessidade das pessoas. Quatro horas de oração, no entanto, buscando saber a vontade do Pai, permitiram a Jesus rejeitar às pressões e dizer: "Vamos para outro lugar, para os povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim" Mc 1:38. Desde o início Jesus recebeu do Pai os elementos de sua missão: onde ir, o que fazer e que resultado obter – coisa que Elias reaprendeu somente depois de dois meses de Esgotamento, sem ouvir a Palavra de Deus. “Foi para isso que eu vim” – Jesus venceu um extenuante ministério concentrando-se em fazer a Vontade do Pai, não o que os amigos queriam, o que o sucesso demandava ou o que as multidões necessitavam.
Jesus superou as pressões sociais. Esmerando-se em apresentar Jesus, Marcos relata as enormes pressões de seu ministério. No capítulo 3, ele apresenta em sequência três dessas pressões e depois mostra como Jesus lidou com cada uma: ““Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão, de modo que ele e os seus discípulos não conseguiam nem comer. Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para apoderar-se dele, pois diziam: "Ele está fora de si". E os mestres da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: "Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios".” Mc 3:20-22. A multidão achava que Jesus era sobre-humano, a família pensava que ele estava louco, os mestres da lei diziam que ele estava endemoninhado. Cada um desses grupos queria que Jesus se enquadrasse em seus critérios e atendesse às suas reivindicações: que ele fosse um herói, um bom filho e se encaixasse nos pré-requisitos de um mestre religioso. Todos sofremos, em alguma medida, as tensões dilacerantes dessas forças. Não vou detalhar aqui cada ação de Jesus nesses confrontos. Creio que a afirmação que fez sobre seus vínculos de relacionamento resumem sua postura. Quando Maria e seus irmãos chegaram para retirá-lo a força do ministério e colocá-lo sob tratamento, Jesus disse: “Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe." Mc 3:35. Concentrar-se em fazer a Vontade de Deus, apenas aquilo que o Pai houvesse mandado, poupou Jesus das pressões do ministério, das demandas familiares e das expectativas institucionais. Ao invés de se isolar, sentindo-se usado e exaurido por aqueles grupos, Jesus valorizou o relacionamento com outras pessoas também dispostas a fazer a Vontade de Deus.
Jesus superou as pressões emocionais. “Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Ao ver as multidões, teve compaixão delas, porque estavam aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor. Então disse aos seus discípulos: "A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Peçam, pois, ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua seara". Chamando seus doze discípulos, deu-lhes autoridade para expulsar espíritos imundos e curar todas as doenças e enfermidades.” Mateus 9:35 – 10:1. Jesus estava cumprindo a missão que identificou em oração no início de seu ministério, como vimos acima. Como muitos de nós, ele percebeu a necessidade das pessoas e teve compaixão delas, isto é, as entranhas de Jesus se comoveram, ele sentiu aquele frio na barriga, aquele nó no estômago, perdeu o fôlego, seu coração disparou. Mas Jesus não se comprometeu precipitadamente, não se dispôs a aumentar sua carga de trabalho, não esticou seu tempo, não reordenou suas prioridades iniciais, não negociou sua missão como muitos fazem. Ele convidou pessoas a orar ao Senhor da seara sobre o assunto, pedindo por obreiros, e delegou à equipe que estava treinando a responsabilidade de desdobrar seu próprio ministério. Novamente vemos Jesus submisso à Vontade do Pai, pois a seara é dele e é Ele quem decide o que fazer. Novamente vemos Jesus mantendo os vínculos, contando com as pessoas ligadas a si, pensando como Corpo para fazer mais, enquanto como membro ele mesmo se limitou ao que o Pai lhe mandou fazer. Dessa forma Jesus venceu às pressões emocionais a que muitos obreiros cristãos bem intencionados sucumbem. Sobre isso já nos advertiu o apóstolo Paulo: “ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter” Rm 12:3. Em outras palavras, ninguém deve querer fazer mais do que Deus lhe determinou para fazer.
Jesus foi além da depressão. É possível encontrar muitos outros bons exemplos na vida de Jesus para nos ajudar a enfrentar os riscos do Esgotamento, mas a noite no Jardim do Getsêmani é o mais ilustrativo de todos. Ali Jesus chegou ao limite, aquele foi o seu Horebe. O estado de Jesus diante do cálice que devia beber foi de grande depressão, ele estava muito aflito e angustiado, pelo que disse: "A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem aqui e vigiem" Mc 14:34. Então Jesus orou, repetindo, muito provavelmente, dezenas de vezes o clamor que bem conhecemos: "Aba, Pai, tudo te é possível. Afasta de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres" Mc 14:36. Identifico quatro elementos nessa oração. Primeiro, Jesus revisitou seu relacionamento com Deus, enfatizando a intimidade que mantinha ao chama-lo pelo vocativo doméstico usado pelos filhos em casa: Aba. Segundo, o Senhor glorificou ao Pai, exaltando seu ilimitado poder, o que é uma boa maneira de fortalecer a própria fé, aliás, um expediente que Davi sempre usou antes de apresentar um problema difícil em oração; Terceiro, apresentou livremente a sua própria vontade, seu desejo e sentimento, atendendo o que Paulo também ensinou: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus.” Fp 4:6. Quarto e finalmente, Jesus se submeteu completamente à Vontade de Deus, usando a mesma porta que Elias usou para sair do deserto: fazer a Vontade de Deus. Funcionou. Cerca de três horas depois de estar aflito, angustiado e triste até a morte, Jesus se levanta disposto a enfrentar uma multidão com espadas e paus e prosseguir nas horas seguintes até as profundezas do inferno, vencendo o pecado e a morte pela completa obediência ao Pai: “Levantem-se e vamos! Aí vem aquele que me trai!" Mc 14:42.
Alguém disse que o que Deus tem para realizar em nossa vida é maior do que o que ele vai fazer através de nós. Tenho que concordar. Embora nossa natureza humana esteja sempre nos puxando para fazer coisas que deem significado à nossa vida, não é o que nós mesmos fazemos, mas o que Deus faz em nós que nos torna valiosos. Para esclarecer ainda, permito-me aqui a imitar Jesus e apresentar uma parábola de atividade estranha ao tema. Uma das tarefas mais complexas no ballet clássico é o rodopiar rapidamente. A maioria de nós estaria tonta já no primeiro giro, afetando o labirinto pela falta de referência visual. As bailarinas, no entanto, recorrem a um recurso relativamente simples: 'marcar cabeça'. Elas escolhem um ponto fixo e olham somente para ele. Ignoram, por assim dizer, 359 graus de visão a cada volta, concentrando-se somente naquele ponto mínimo. Elas não olham para centenas de pontos interessantes no teatro, nem se deixam atrair por qualquer de tantos estímulos no cenário, assim podem girar perfeitamente, sem perder o equilíbrio. Infelizmente há muitos obreiros tontos de tanto olhar para cada necessidade, cada sofrimento, cada problema ao seu redor, cada sentimento ou desejo em seu próprio coração. Para manter a estabilidade no ministério, temos que ignorar todas as outras coisas e nos concentrar em um ponto fixo: a vontade de Deus. O que Deus quer? Eis a questão! Pensando assim, Maria de Betânia executou um ótimo ‘pas de deux’. Jesus elogiou sua escolha dizendo: "E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada." Lc 10:42.
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