2015/04/08

A Letra mata! A marginalização do estudo teológico.


Por que existo? Quem sou? Onde estou? Para onde vou?

Todos os cristãos que já se deteram na reflexão destas simples e inquietantes interrogações, experimentaram, ainda que inconscientemente, momentos de reflexões teológicas, pois a teologia é uma fatalidade inerente a todos os crentes que de forma inevitável contemplam os mistérios e revelações divinas.
Neste sentido estrito, a premissa que já reclamamos é de que todos os membros das nossas igrejas são teólogos, mesmo que ignorem ou até abdiquem desta categorização. Se mergulharmos ainda um pouco mais no assunto, extravasando o perímetro delineado pelo cristianismo, poderíamos dizer que toda pessoa reflexiva, que possua um pensamento formalizado acerca de Deus, independente de seu credo, é um teólogo.

Definindo o termo
Mas o que é teologia, afinal?

Antes de respondermos, tenhamos por base de nosso ensaio sobre o tema a teologia acadêmica cristã, isto é, o conhecimento teológico adquirido por meio da teologia formal. Sob esta perspectiva, uma resposta objetiva e clássica seria "fé em busca de entendimento". Se orientados por esta significação, perceberemos que o genuíno desígnio da teologia acadêmica não seria, portanto, examinar a Bíblia para racionalizá-la indiscriminadamente e como conseqüência disso empenhar artifícios na construção de uma crença, muito pelo contrário, o teólogo cristão estuda a teologia para compreender melhor aquilo que previamente acredita a despeito de seu estudo.

Os assassinos da letra
Não obstante todas estas ponderações, não é dificultoso encontrar os opositores do estudo teológico entre grupos religiosos heterodoxos. A bem da verdade, essa característica é peculiar em muitos deles. Entretanto, lastimavelmente, isso é constatado também no seio da igreja evangélica.

Geralmente, o texto áureo e justificativo desse posicionamento são as conhecidas palavras do apóstolo Paulo, as quais dizem: "O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica" (2Co 3.6). Eis aí a questão que lança os fundamentos para a hostilidade de alguns em relação ao estudo teológico.
Pois bem, se o apóstolo Paulo declara que a letra mata, então esse fato é conclusivo. O que alguns precisam descobrir é quem de fato é essa assassina.
O que nos move a ressaltar este ponto é o fato de que essa "tal letra", mencionada pelo apóstolo, tem sido alvo de distorções explicativas prejudiciais à igreja. É bem verdade que a ocorrência desse desvio é advogada por cristãos sinceros, mas que deliberaram marginalizar o estudo teológico acreditando ser esta uma atitude louvada pela Bíblia.
É curioso e paradoxo ao mesmo tempo, mas o fato é que essa tal "letra que mata" vem tendo seu verdadeiro sentido também assassinado por alguns que a tentam interpretar. São aqueles a quem podemos chamar de "os assassinos da letra". Se porventura, você se identifica como um dos tais, por favor não se ofenda! A grande e infeliz verdade é que essa repulsa não se fundamenta num vácuo argumentativo. Qual seria seu "fundamento"? Por que a teologia é marginalizada? Proponho refletir um pouco mais sobre esta questão e depois retornamos ao "homicídio espiritual causado pela letra", o qual supostamente Paulo teria apregoado.

A marginalização da teologia

Quais seriam os fatores que cultivam esta marginalização?

Antes de qualquer palavra, é fundamental esclarecer que não é nossa finalidade aqui censurar a devoção autentica de nossos irmãos. A sinceridade de sua fé não está em pauta. Aliás, um dos fatores que mais ajuda a alimentar a rejeição da teologia, encontra raízes nos próprios teólogos.
Conversando com uma missionária, algum tempo atrás, fui interpelado com uma questão que de certa forma reflete o julgamento de muitos de nossos membros em relação à teologia. A pergunta questionava o porquê de os teólogos serem apáticos em sua piedade e testemunho cristão. Não quero aqui entrar em méritos como a generalização aparentemente injusta deste juízo ou a relatividade interpretativa que pode estar escondida atrás do conceito de apatia, no entanto, inegavelmente, não se exige muitos esforços para identificar comportamentos teológicos que instigam a rejeição da teologia. É um estereótipo pejorativo que parece ser preservado por alguns poucos teólogos, mas que acabam por macular toda a classe. O orgulho intelectual, a racionalização vazia, as conjecturas e especulações são tidos como alguns dos frutos nocivos da teologia.
Contudo, em detrimento deste comportamento que, sabemos, não atinge os teólogos comprometidos com a Palavra de Deus, existem ainda outras objeções alicerçadas no desconhecimento bíblico.
Logicamente, é muito mais confortável escolher os mitos e as lendas do que cultivar uma fé racional, pois esta vai exigir uma atitude trabalhosa em busca do conhecimento, enquanto que aquelas conservam os fiéis na inércia, fazendo-os concordar sem qualquer exercício mental com tudo o que ouvem. Como disse o grande teólogo Agostinho, "Deus não espera que submetamos nossa fé sem o uso da razão, mas os próprios limites de nossa razão fazem da fé uma necessidade". Eis aqui o matrimônio entre a fé e a razão!
Não há duvidas de que enquanto o estudo teológico acadêmico continuar desiludindo os crentes de fantasias místicas que não coadunam com a Palavra de Deus, enquanto não abraçar cegamente o subjetivismo e o emocionalismo que fragilizam a verdade, enquanto não for simpático às inovações que trazem a brisa das heresias, ele continuará sendo marginalizado.
Há ainda casos em que o estudo teológico é marginalizado porque ele incomoda, é inconveniente. É como que uma pedra no sapato dos manipuladores da Bíblia. Quanto menos conhecimento as pessoas possuírem mais facilmente serão controladas. Um comportamento que é assumido pelas seitas onde o líder se encarrega de pensar pelos adeptos e implanta um método sutil de controle total.

A letra mata?

Retomando esta questão, respeitando seu contexto bíblico, alertamos que a letra a que Paulo se referiu não pode ser identificada com o estudo teológico. Até porque o apóstolo, que era um dos doutores da igreja (At 13.1), jamais poderia se encaixar neste perfil. Acreditamos que são dispensáveis aqui quaisquer comentários sobre a erudição e aplicação de Paulo aos estudos. Isso é uma prova cabal dos benefícios da teologia formal!
Acerca de 2 Coríntios 3.6 Paulo estava falando sobre a superioridade da nova aliança sobre a antiga. A morte causada pela letra realmente é espiritual, porém é bom salientar que se trata de uma alusão ao código escrito da lei mosaica. A lei mata porque demanda obediência irrestrita, mas não proporciona poder para isso. É representada pelas tábuas de pedra (3.3). Por outro lado, o espírito vivifica porque escreve a lei de Deus em nossos corações, trazendo-nos a vida em medida muito maior do que realizava sob a antiga aliança. É representado pelas tábuas da carne (3.3). Portanto, como vemos, o texto comentado não fundamenta em qualquer instância a rejeição aos estudos teológicos.Por que teologia?
Os teólogos leigos ainda que inconscientemente se beneficiam da teologia formal. Criticam o estudo teológico, mas lançam mão dele. Todo o legado doutrinário que usufruímos hoje foi preservado por causa do zelo impetrado pelos teólogos que formalizaram a fé por meio de credos, confissões e outras obras. As doutrinas cristãs sobreviveram ao tempo porque o Espírito Santo se encarregou de inspirar e levantar teólogos comprometidos com a fé! O estudo da teologia formal é um instrumento indispensável para o saudável desenvolvimento da igreja. Todos nós precisamos de teologia! Os teólogos leigos deveriam reconhecer o auxílio que recebem dos teólogos acadêmicos e as duas classes representadas, de mãos dadas, deveriam seguir o conselho de Pedro, um teólogo que não possuía a erudição de Paulo, mas que conseguiu equalizar a questão ordenando o crescimento na graça e no conhecimento concomitantemente (2Pe 3.18). Desta forma, o evangelho só ganhará, cada membro da igreja estará no seu posto, lapidando o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação do corpo de Cristo, segundo o ministério que lhe for confiado por Deus (Ef 4.11,12).
Sobretudo e finalmente, o nosso desejo e oração é para que consigamos aplicar a teologia à nossa vida. Se fracassarmos neste intento a teologia não será mais que mera futilidade. Que o Senhor nos guie ao genuíno conhecimento de suas revelações, pelo seu amor e para a sua glória.

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