2015/05/27

O profeta chora no funeral da nação


Esta é a terceira vez que Amós pede ao povo que dê ouvidos à Palavra de Deus (3.1; 4.1; 5.1). A terceira mensagem do profeta Amós é um lamento, um cântico fúnebre sobre a morte de Israel como nação.
Amós apresenta uma mensagem regada de lágrimas à nação de Israel. É uma espécie de cântico fúnebre. É uma lamentação. Amós está chorando por ver o povo de Deus caminhar insensivelmente para a ruína. Amós tem uma mensagem dura, mas um coração mole. Ele tem palavras que ferem, mas brotam de um coração quebrado. Ele ergue sua voz como um leão que ruge, mas seus olhos derramam lágrimas copiosas. Ele não é como um pregador insensível que brada seu sermão de uma cátedra, mas é como um homem sensível que chora num funeral.
Amós lamenta porque a abundante expressão religiosa da nação não passa de uma casca fina de verniz, como um pálido cosmético. Não havia sinais vitais de vida espiritual na nação. O culto deles não era para Deus, mas para eles mesmos. Era um culto humanista, onde jamais eram confrontados a mudar de vida. Suas apresentações musicais tornar-se-iam cânticos fúnebres (5.23; 8.3,10) e seus santuários estavam sendo destinados à ruína.
I. O PROFETA CHORA A QUEDA POLÍTICA DE ISRAEL (5.2,3)
Amós contempla a tempestade que se forma no horizonte e vê que ela vem como uma avalanche sobre Israel. Será como um terremoto avassalador. A nação ficará em ruínas. Amós descreve esse quadro como segue:
1. Será uma queda completa (5.2a)
Amós proclama: “Caiu a virgem de Israel”. A nação está prostrada, no pó, na cinza, fragorosamente derrotada. A palavra hebraica caiu indica uma morte violenta, especialmente a morte na batalha. Israel cairá por corrupção interna e por ataque externo. Amós proclama essa derrota completa nos dias áureos de Jeroboão II, no tempo em que o reino do norte gozava paz nas fronteiras e prosperidade dentro dos seus muros. Warren Wiersbe diz que Israel pensava que era uma virgem amada, mas não passava de um cadáver insepulto. O termo virgem de Israel é usado aqui pela primeira vez, e mais tarde em Jeremias 18.13; 31.4,21. Refere-se à castidade de Israel, no seu idealismo, como a nação escolhida, salva pela graça divina para servir como o povo messiânico do Senhor. A queda de uma virgem era uma grande tragédia em Israel. A tragédia de Israel, como nação, é muito mais lamentável. A verdade nua das fatos é que Israel se corrompeu com as prostituições da idolatria. Tornou-se uma adúltera notória ao abandonar seu marido, Iavé. Por muitas vezes, Israel foi chamado a voltar-se para o Senhor, mas se recusou. Estava ocupado demais para ouvir, porquanto se deitava com seus amantes, em leitos de concupiscência. Agora, porém, Israel eram como uma virgem caída. Um de seus amantes a matou. E seu marido, Iavé, abandonou a cena.
2. Será uma queda definitiva (5.2b)
Amós esclarece: “… nunca mais tornará a levantar-se”. A queda política de Israel não lhe trouxe apenas alguns arranhões e traumas leves, mas feridas incuráveis. A Assíria cercou Samaria durante três anos e finalmente dominou Israel em 722 a.C. Dizimou à espada a maioria do povo, deportou outros tantos e aos demais deixou na terra, com outros povos estrangeiros para que se misturarem. Assim, o povo remanescente perdeu sua soberania política, sua identidade religiosa e sua pureza racial; dando, assim, início a um povo mestiço, os samaritanos.
3. Será uma queda irreversível (5.2c)
Amós conclui dizendo: “… estendida está na sua terra, e não há quem a levante”. Israel foi enfraquecido pela corrupção moral, pelas lutas internas, pelo desprezo dos homens e o abandono de Deus. Icabode por ser escrito no frontispício do templo, quando Deus se aparta de um povo. Israel caiu pelos seus próprios pecados (Os 14.1). A Assíria foi apenas a vara da ira de Deus para disciplinar o seu povo (Is 10.5). Nenhuma força na terra pode levantar um povo a quem Deusa abate. O desamparo de Israel foi total e irremediável.
4. Será uma queda desastrosa (5.3)
O profeta Amós disse: “Porque assim diz o Senhor Deus: A cidade da qual saem mim conservará cem, e aquela da qual saem cem conservará dez à casa de Israel” (5.3). A “morte” de Israel será por meio de dizimação militar. As cidades foram dizimadas pela fúria do inimigo. A invasão dos assírios cobraria um alto custo em vidas humanas, tendo em vista que apenas um décimo seria poupado, diz Charles Feinberg. O que aconteceu a Israel foi o literal cumprimento do castigo da desobediência: “Ficareis poucos em número, vós que éreis como as estrelas dos céus em multidão, porque não destes ouvidos à voz do Senhor, vosso Deus” (Dt 28.62). Um exército que perde nove de cada dez soldados está aniquilado e, certamente, para o povo que ele devia defender, só restam lamentações, diz Bowden.
Os exércitos assírios eram expansionistas, sanguinários e truculentos. Eles não respeitavam velhos nem crianças. Eles faziam trepidar a terra com suas marchas assombrosas. Eles deixavam um rastro de destruição e horror por onde passavam. Eles derramavam rios de sangue e empilhavam as cabeças de suas vítimas em montões. O pecado tem um salário muito alto. Suas conseqüências são desastrosas. Aqueles que não ouvem o chamado da graça terão necessariamente que ouvir o estampido ensurdecedor do juízo.
J. A. Motyer diz corretamente que Amós pregou um sermão severo no funeral de Israel. Os últimos vinte anos do reino de Israel foram de ruína da política doméstica, um golpe político após o outro, até que, em 722 a.C., Sargão II da Assíria acabou com o reino de Israel para sempre, deportando o remanescente que sobreviveu ao cerco e à matança, e povoando a terra com uma população estrangeira.
Israel tinha um exército forte, mas ele seria derrotado, e a população seria dizimada, exatamente como o Senhor havia advertido em sua aliança (Lv 26.7,8; Dt 28.25; 32.28-30). Warren Wiersbe diz que não pode haver vitória quando o Senhor o abandonou à sua própria sorte. As nações de hoje dependem de suas riquezas, de seus exércitos e de sua sabedoria política, quando, na verdade, precisam depender do Senhor. “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (Sl 33.12).
II. O PROFETA CHORA A CEGUEIRA ESPIRITUAL DE ISRAEL (5.4-6)
Israel estava longe de Deus e perto da religião. Na mesma proporção que se afastava de Deus, multiplicava suas práticas religiosas. A religiosidade sem Deus, porém, cega os olhos da alma e entorpece a consciência. Eles faziam peregrinações a Betel, Berseba e Gilgal, mas voltavam mais afastados de Deus e mais determinados a conviver com seus pecados. Henrietta Mears diz que eles aumentavam os seus pecados, porque era uma forma exterior de devoção, misturada à idolatria (5.4-6). Deus requer uma conduta digna dele, e não meros sacrifícios vazios.1
Dionísio Pape, nessa mesma linha de pensamento, comenta que existia na nação um espírito profundamente religioso. Israel se gabava de sua cultura religiosa e de seu espírito moderno de ampla tolerância. Em matéria de fé, achava que toda religião era boa, e que não se devia condenar qualquer crença praticada com sinceridade. Para mostrar ao mundo que a religião nacional tinha raízes históricas profundas, o clero organizava uma romaria anual, visitando os lugares santos: Betel, Berseba e Gilgal.2
J. A. Motyer, oferece-nos uma grande contribuição, fazendo uma síntese do significado espiritual desses três santuários:
Examinando a mensagem dos santuários, podemos entender a mensagem do canto fúnebre. Ela fala de morte onde deveria haver vida: “estendida está na terra, não há quem a levante” (5.2a). Eis a deficiência de Betel: ser a casa de Deus, o local da promessa, “Deus está neste lugar” como o doador da esperança e da nova vida, aquele que pode tornar realidade o nome “Israel”. Segundo, o canto fúnebre fala de abandono onde deveria haver companheirismo: “Caiu a virgem de Israel, nunca mais tornará a levantar-se… não há quem a levante” (5.2b). Eis o fracasso da promessa de Berseba, “Deus está contigo”. Israel foi levada para a morte como uma virgem que nunca conheceu as alegrias do companheirismo conjugal e que, mesmo em seu estado de virgindade, não conseguia encontrar ninguém que se compadecesse dela na hora da necessidade. Terceiro, o canto fúnebre fala de expropriação onde deveria haver herança: “Caiu… estendida na sua terra, não há quem a levante”, o fracasso da promessa de Gilgal, o povo de Deus derrotado, morto, onde no auge de Gilgal de Josué eles gritaram em triunfo a derrota dos inimigos.3
1.Será que Deus ainda encontra com seu povo em Betel?
Amós ironizou com o povo, dizendo que quanto mais eles vinham a Betel, mais eles multiplicavam seus pecados (4.4). Agora, ele dá uma ordem contundente: “Não busqueis a Betel” (5.5). Por que? Porque nessa busca dos santuários, o Senhor, propriamente dito, acabou sendo deixado de fora, diz Motyer.4
Em primeiro lugar, não há encontro com Deus onde o culto é divorciado da ortodoxia. O culto é bíblico ou é anátema. Deus é espírito e os seus adoradores precisam adorá-lo em espírito e em verdade (Jo 4.24). Betel tornou-se um centro de idolatria. O culto foi paganizado. O sincretismo religioso foi instalado em Betel, que deixou de ser casa de Deus para ser o santuário do rei e o templo do reino. Pelo culto sincrético em Betel, Israel perdeu o verdadeiro Deus, a fonte da vida. Nessa religiosidade distorcida, os israelitas prostituíram o nobre nome de Betel. O profeta Oséias deu a Betel o nome que merecia, Bete-Aven, casa de vaidade, casa do nada, idolatria (Os 4.15; 10.5). Betel, casa de Deus, ficaria reduzida a nada.5
Em segundo lugar, não há encontro com Deus onde o culto é divorciado da vida. O culto agradável a Deus é um culto racional (Rm 12.2), ou seja, um culto lógico, onde há coerência entre a liturgia e a vida. Eles vinham a Betel, mas não encontravam a Deus. Eles faziam peregrinações a Betel, mas não eram transformados.
Em terceiro lugar, não há encontro com Deus onde o culto não é um elemento renovador da vida. Jacó chegou em Betel sendo um homem com um passado e saiu de Betel sendo um homem com um futuro (Gn 28.13-15). Ali ele teve uma visão gloriosa de Deus, ouviu as promessas de Deus e fez promessas a Deus. Betel foi um divisor de águas na vida do patriarca. Aquele lugar marcou um novo começo na vida dele. O povo de Israel, porém, ia a Betel, mas Deus não estava lá. A Palavra de Deus não estava lá.
Em quarto lugar, não há encontro com Deus onde o culto não é um elemento re-orientador da vida. Em Gênesis 28.10-22 Jacó teve uma visão de Deus em Betel, mas em Gênesis 35.1-15, Jacó ouviu a voz de Deus em Betel. Ele chegou lá como Jacó, e saiu como Israel (Gn 35.10). Betel significou para o patriarca a presença de Deus experimentada no poder renovador e re-orientador. Em Betel Jacó erigiu um altar e colocou-lhe o nome de El Betel. Ali ele conheceu não apenas a casa de Deus, mas o Deus da casa de Deus. Em Betel Deus o livrou de seus inimigos e deu-lhe a oportunidade de começar tudo de novo.
Ir ao templo jamais é uma atitude neutra. Encontramos a Deus ou o juízo (5.6). Arrepender e viver ou não arrepender e morrer são as únicas opções dos peregrinos. Se o povo não se voltar para Deus em Betel, o fogo consumirá a casa de José. A casa de José é um nome menos freqüente para as dez tribos, das quais a mais importante era a de Efraim, filho de José.6
2.Será que o povo ainda tem a promessa da companhia de Deus em Berseba?
Os três patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó estão ligados a Berseba, o oásis localizado no deserto do Neguev. Em circunstâncias diferentes, os três ouviram as mesmas promessas acerca da companhia divina em Berseba. A Abraão lhe é dito em Berseba que Deus era com ele em tudo o que fazia (Gn 21.22-33). Deus disse a Isaque em Berseba: “Não temas porque eu sou contigo” (Gn 26.23). De igual forma, Deus disse a Jacó em Berseba: “Não temas, eu descerei contigo” (Gn 46.1-4).
Agora, quando o povo de Israel fazia suas peregrinações a Berseba eles não tinham comunhão com Deus. Não era a Deus que eles buscavam. Não era a Deus que eles encontravam. Eles iam lá para buscar os seus próprios interesses. Eles faziam ofertas porque disto gostavam. O culto deles era centrado neles mesmos e não em Deus. Dionísio Pape diz que a religião divorciada da moral e da compaixão é anátema aos olhos do Senhor. Ele promete estar com o seu povo somente quando este busca o bem e aborrece o mal (5.15).7
3.Será que o povo receberá a herança de Deus em Gilgal?
Gilgal era um lugar muito especial na história de Israel. Foi ali que eles acamparam pela primeira vez depois que entraram na terra prometida (Js 4.19,20). Foi em Gilgal que eles se tornaram o povo da aliança através da circuncisão e da páscoa (Js 5.1-12). Foi ali que eles experimentaram as primícias de Canaã, a terra prometida (Js 5.12). De Gilgal partiram as campanhas vitoriosas da conquista da terra (Js 9.6; 10.6,7,9,15,43; 14.6). Foi em Gilgal que Saul, o primeiro rei, foi confirmado no reino (1Sm 11.14,15). Gilgal era o santuário que proclamava a herança e a posse da terra prometida de acordo com a vontade de Deus.8
Sem uma relação pessoal com o Senhor, sem buscá-lo, a religiosidade da romaria nada valeria em termos espirituais, e os lugares santos seriam destruídos, diz Dionísio Pape.9 O juízo de Deus sobre uma religião de fachada é que Gilgal será levada cativa (5.5) e enfrentará um desterro para além de Damasco (5.27). Gilgal fazia uma promessa que não podia cumprir. Em vez de tomar posse da herança em Gilgal, o exílio seria a amarga experiência do povo e pela mesma mão divina que lhes concedera a terra.10
III. O PROFETA CHORA A CORRUPÇÃO MORAL DE ISRAEL (5.7-12)
1.Eles tornavam a vida do próximo um inferno (5.7a)
Um dos pecados mais notórios de Israel foi a corrupção dos tribunais. Os ricos usavam os tribunais para conseguir decisões que lhes fossem favoráveis, ajudando-os em sua “política de enriquecimento rápido”. Eles oprimiam os pobres através dos tribunais, furtando-lhes bens e propriedades. Com a ajuda dos tribunais os ricos ficavam a salvo do merecido castigo, quando cometiam algum crime.11 Os poderosos em Israel tornavam o juízo em alosna, uma coisa amarga, insuportável. A palavra hebraica indica uma planta extremamente amarga ao paladar, e venenosa se fosse engolida.12 Eles estavam chafurdados em escabrosos esquemas de corrupção, mancomunados com juízes inescrupulosos para assaltar os pobres e necessitados. Eles tornavam a vida dos pobres um tormento, uma amargura. Eles tripudiavam e passavam por cima do direito dos necessitados.
2.Eles não aceitavam a correção (5.10a)
Eles queriam viver acomodados em seus pecados, sem nenhum confronto ou correção. Detestavam quando seus pecados eram denunciados. Amós diz: “Aborreceis na porta ao que vos repreende” (5.10). Charles Feinberg diz que a porta era o local público de assembléia onde se reuniam os tribunais. Ali os juízes odiavam àqueles que reprovavam seus caminhos ímpios.13 Ainda hoje, a mensagem que confronta o pecado é odiada. Muitos mensageiros à semelhança dos falsos profetas da antiguidade venderam sua consciência, perverteram seu ministério e por amor ao lucro, pregam o que o povo quer ouvir. São profetas da conveniência que buscam os aplausos dos homens, mais do que a aprovação de Deus.
3.Eles não suportavam a verdade (5.10b)
A luz incomoda aqueles que querem viver nas trevas. Eles se recusaram a serem governados pela verdade. A verdade é perturbadora para aqueles que desejam viver prazerosamente no pecado. Os peregrinos iam a Betel, mas não queriam ouvir a lei de Deus como o salmista (Sl 119.97). Os ímpios não gostam de ser confrontados com a verdade. Herodes mandou prender João Batista porque este denunciou o seu adultério. John Huss foi preso e queimado porque denunciou os desvios doutrinários e morais da igreja. Martin Luther King foi assassinado porque levantou sua voz contra a segregação racial nos Estados Unidos.
4.Eles eram cruéis com os pobres (5.11a,12)
Amós se volta do relacionamento com a verdade para relacionamento com outras pessoas, diz Motyer.14 Eles pisavam os pobres. Não havia no coração deles temor a Deus nem amor ao próximo. Eles viam o pobre como um terreno a ser explorado. Homens ímpios e poderosos viviam como parasitas dos pobres. Eles roubavam seus produtos agrícolas e propriedades, e com o dinheiro construíam para si mesmos belas casas com materiais importados, como marfim (3.15; 6.4).
A injustiça social é um grave pecado aos olhos de Deus. Aquele que oprime o pobre, insulta o seu criador. Tiago diz que o salário do trabalhador retido com fraude tem uma voz eloqüente aos ouvidos de Deus. O dinheiro que os poderosos acumulou tornar-se-á em combustível para sua própria destruição.
5.Eles eram exploradores (5.11b)
Sob a fachada da peregrinação, o que eles realmente buscavam era o lucro. Eles exigiam tributo do trigo dos pobres. A palavra tributo pode ter dois sentidos. Em 2 Crônicas 24.6,9 ela aparece como “imposto”. Mas aqui envolve extorsão.15 O princípio sobre o qual a vida era vivida era de que as outras pessoas estão para serem exploradas. Colocavam taxas e impostos pesados para oprimir os necessitados. Eles ditavam as regras para assaltar os pobres. Eles buscavam ocasiões especiais para vender o refugo do trigo, por um preço maior, com um peso menor. Eles urdiam planos para tirar cada vez mais proveito da miséria do pobre.
6.Eles eram amantes do dinheiro (5.12)
Amós denuncia: “… aceitais suborno”. Era uma sociedade dominada pela ganância insaciável. O lucro a qualquer custo era a mola mestra da cultura prevalecente. Eles queriam sempre levar vantagem. Os absolutos morais já não existiam mais. O dinheiro era o deus deles. Motyer diz que esses peregrinos que vão a Betel avaliam o suborno em sua mão, mas não avalia os valores morais em sua cabeça, em seu coração e na sua consciência. Eles estavam sempre prontos a abrir mãos dos intangíveis valores morais por causa dos tangíveis valores financeiros.16
7.Eles eram insensíveis (5.12)
Amós declara: “… e rejeitais os necessitados na porta”. Eles não apenas se coligavam com os juízes corruptos para assaltar o direito do pobre e tomar os seus bens, como não tinham nenhuma sensibilidade para ouvir os rogos daqueles que, famintos e necessitados jaziam à sua porta. Jesus falou de um homem que vivia de forma nababesca, em festas e banquetes, sem atender o pobre faminto e chagado à sua porta. Ele morreu, foi sepultado, mas foi parar no inferno (Lc 16.19-31). Muitos serão condenados ao fogo eterno porque terem fechado o coração e o bolso aos necessitados (Mt 25.41-46).
IV. O PROFETA ANUNCIA O JUÍZO DIVINO SOBRE O PECADO DE ISRAEL (5.8,9,11,13)
O âmago do oráculo de Amós sobre Betel recai no Hino ao Deus Transformador (5.8,9). Que lugar seria melhor do que Betel para cantar ao Deus que pode transformar a situação? Ele faz a mudança das estações, do dia e também da história. Porém, o povo vinha a Betel (5.7) e iam de Betel (5.10-12) totalmente inalterados.17
1.O juiz que julga o povo é onipotente (5.8)
Amós aponta algumas verdades solenes sobre Deus, o juiz diante de quem todos vão comparecer. Esse Deus, cujo domínio não pode ser desafiado no céu, também é irresistível na terra. Coisa alguma podia resistir à destruição divina, nem mesmo a mais poderosa das fortalezas ou a mais fortificada das cidades.18 Quem é esse Deus?
Em primeiro lugar, ele é o Deus criador (5.8a). Amós tem o cuidado de registrar que Deus não pode ser domesticado nem manipulado. Ele é o criador. Ele é o soberano absoluto da natureza: o Sete-estrelo e o Órion (conhecidas constelações que aparecem em Jó 9.9 e 38.31) são obras das suas mãos.
Em segundo lugar, ele é o Deus que intervém na criação (5.8b). Ele torna a densa treva em manhã, e muda o dia em noite. É com este Deus soberano que eles têm de haver-se.
Em terceiro lugar, ele é o Deus que intervém na história (5.8c). Ele chama as águas do mar e as derrama sobre a terra. Muitos fenômenos que os homens atribuem ao acaso ou às leis naturais são juízos de Deus, trombetas do céu chamando os homens ao arrependimento. Nada acontece sem que Deus saiba. Nada o apanha de surpresa. A doutrina do Open Teísmo, que prega que Deus não conhece o futuro e que vive como nós cada dia os dilemas da vida é uma falácia. O Tisunami não foi apenas um fenômeno natural. Foi Deus quem derramou aquelas ondas gigantes sobre a terra. O furacão Katrina não foi um acidente da natureza, mas uma ação do juízo divino. O livro de Apocalipse revela que as trombetas soam antes de Deus derramar o seu juízo final sobre os homens.
Em quarto lugar, ele é o Deus da aliança (5.8d). Amós destaca não apenas a soberania de Deus, mas também sua graça. O nome Iavé retrata o Deus da aliança. Mesmo quando Deus castiga o seu povo por seus pecados, não deixa de demonstrar a ele o seu amor.
2.Deus é o agente do juízo (5.9)
O povo de Israel estava iludido com uma falsa religião, pensando que enquanto fizessem suas peregrinações aos santuários jamais qualquer calamidade os alcançaria. Mas Deus revela a eles que o mal que sobreviria não seria um acidente, mas uma agenda ordenada no céu. Os ricos estavam muito confiantes na segurança que o dinheiro lhes proporcionava. Eles pensavam que jamais seriam incomodados ou desinstalados de suas fortalezas. Porém, Deus diz que tanto o forte quanto a fortaleza experimentariam a destruição.
3.Deus não premia o pecado (5.11)
Há aqui um movimento de causa e conseqüência. A lei moral não pode ser quebrada sem graves riscos. O que eles roubaram do pobre e acumularam em suas casas não poderá ser usufruído por longo tempo. Eles não desfrutarão permanentemente dos lucros mal adquiridos. Eles serão arrancados de suas casas e não beberão o vinho de suas vides. Amós anuncia uma vida sem estabilidade (casas construídas, mas não habitadas) e sem prazer (vinhas plantadas, mas não experimentadas). É a frustração, a limitação, a improdutividade de uma vida separada de Deus.19
4. A mudança de vida é absolutamente desencorajada (5.13)
J. A. Motyer diz que Amós nos dá a entender no versículo 13 que, se eles tivessem estado realmente na presença do Deus de Betel, teriam procurado alcançar uma ordem social favorável à justiça, mas o clima social da época ameaçava qualquer que enunciasse uma opinião contrária ao espírito de injustiça e egoísmo predominantes. Essa era a lei da violência (6.3), onde a pessoa temia abrir a boca para protestar: a prudência aconselhava o silêncio. A palavra traduzida por prudente poderia bem significar “uma pessoa que deseja progredir” ou “ter sucesso”.20
A prudência egoísta exige que se cale perante os males que se praticam. Isso levou Martin Luther King a afirmar que o que mais o afligia não era ação maligna dos perversos nem o palavrório imundo dos maus, mas a omissão e o silêncio dos bons.
V. O PROFETA ANUNCIA UMA SAÍDA PARA A TRAGÉDIA DE ISRAEL (5.4,6)
1.Uma ordem expressa: Buscai a Deus (5.4,6)
A religião havia substituído Deus em Israel. Eles abandonaram a Deus, mas continuaram religiosos. Eles iam aos templos, mas não adoravam o Deus vivo. Eles cantavam suas músicas sagradas, mas não tinham comunhão com Deus. Eles ouviam seus profetas, mas não escutavam a voz de Deus.
Charles Feinberg acertadamente diz que antes que venha o juízo ainda há oportunidade de arrependimento e restauração. Deus reluta em fechar a porta da graça e da misericórdia. Nos dias de Noé ele esperou cento e vinte anos para fechar a porta. Não nos impacientemos com a paciência de Deus se ele se demora por causa dos perdidos de Israel para que eles também possam ser salvos e venham a compor conosco o corpo de Cristo.21
Deus e não a religião deve ser o alvo da nossa busca. Devemos buscar a Deus não à procura de prosperidade, saúde e sucesso, mas buscar a Deus por causa dele mesmo. Ele é o sumo bem. O salmista pergunta: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra” (Sl 73.25). Essa busca deve ser com sinceridade e com senso de urgência. Deus mesmo diz: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr 29.13).22
Algumas perguntas precisam ser feitas acerca desse magno assunto:
Em primeiro lugar, o que é buscar ao Senhor? Buscar a Deus é voltar-se do pecado para ele não apenas para fugir das conseqüências do erro, mas para deleitar-se em Deus, aquele que é a fonte da vida.
Em segundo lugar, por que devemos buscar ao Senhor? Porque só nele há copiosa redenção. Só nele há esperança. Só ele pode dar vida. Nenhum outro pode nos socorrer. O caminho da desobediência é a estrada da morte, mas na rota da obediência desfrutaremos de vida abundante, superlativa, maiúscula e eterna. Os lugares sagrados podem ser destruídos quando torcem a verdade ou se tornam um fim em si mesmos, mas Deus continua sempre sendo a fonte da vida.
2.Uma promessa segura: E vivei (5.4)
O povo buscava Betel, Berseba e Gilgal e voltava pior. Eles iam ao templo, mas continuam cegos e prisioneiros de seus pecados. Eles tentavam encontrar sentido para a vida nos rituais, mas a vida só está em Deus. A vida eterna é conhecer a Deus (Jo 17.3). O culto é teocêntrico. Nem mesmo as bênçãos de Deus podem substituir Deus. Só há vida quando o homem se volta para Deus. Ele é o manancial de águas vivas. Ele é a fonte inesgotável de vida. A. W. Tozer diz que a igreja contemporânea precisa resgatar o sentido da grandeza de Deus em seus cultos. Precisamos voltar a ficar extasiados diante da majestade de Deus.
O profeta Amós emprega os dois imperativos Buscai e Vivei, unindo tanto o dever como a recompensa do homem. Não fala deles apenas como causa e efeito, mas como sendo um só. Onde há um há também o outro. Buscar a Deus é viver. Pois o buscar a Deus é achá-lo, e Deus é Vida, e fonte de vida. Perdão, graça e vida entram na alma de vez, diz Pusey.23
CONCLUSÃO
A verdadeira religião brota de uma união e comunhão com Deus e sela a sua veracidade ao revelar uma transformação que espelha amor à verdade, submissão nos relacionamentos, preocupação com a aprovação de Deus, integridade moral e ordem social. Em vez de o povo buscar a Betel, deveriam buscar a Deus. Eles deveriam fazer de Deus o seu lugar de peregrinações. Este é o caminho da vida (5.5,6). Caso contrário, eles iriam pelo caminho do fogo (5.6b) e da frustração (5.11b).24

O derramamento do espírito

O profeta Isaías trata desse solene assunto e oferece-nos algumas lições muito importantes que queremos destacar:
Em primeiro lugar, o derramamento do Espírito é uma promessa de Deus (Is 44.3). Deus prometeu derramar do seu Espírito. Quando Deus promete, ele cumpre, pois vela pela sua Palavra em a cumprir. Essa promessa tem dois aspectos: ela é segura e abundante. Segura, porque é impossível que Deus minta; é abundante, porque Deus não dá o seu Espírito por medida. O que ele promete é algo profuso, extraordinário, ou seja, um derramamento do Espírito. Essa promessa se cumpriu no Pentecoste e tem se repetido em vários lugares, ao longo da história da igreja. Somos alvos ainda hoje do cumprimento dessa gloriosa promessa.
Em segundo lugar, o derramamento do Espírito é uma necessidade da igreja (Is 44.3).
A Bíblia usa vários símbolos do Espírito Santo,como fogo, pomba e óleo. Mas, Isaías escolheu propositadamente a água. E por que? Primeiro, porque não há vida sem água. Podemos ter o melhor solo, a melhor semente, os melhores insumos e a melhor tecnologia que sem água a semente morre seca no ventre da terra. Assim como não tem vida sem água na terra, não tem vida espiritual sem a ação do Espírito Santo. Segundo, porque a água é necessária para limpar. Somente têm convicção de pecado aqueles que são convencidos pelo Espírito Santo. Só estes buscam a purificação no sangue de Jesus. Uma igreja pode ter templos suntuosos, obreiros cultos, membros influentes na sociedade, mas sem o poder do Espírito Santo ela não passa de uma máquina emperrada.
Em terceiro lugar, o derramamento do Espírito deve ser desejado ardentemente pela igreja (Is 44.3). 
A água vem sobre o sedento eas torrentes sobre a terra seca. Quando a igreja tiver sede de Deus como a terra seca anseia pela água, então, a igreja experimentará o derramamento do Espírito. Não há chuva abundante do céu sem oração da igreja. Antes de o Espírito Santo descer, a igreja precisa subir à presença de Deus em oração. Elias subiu ao cume do Monte Carmelo para orar antes da chuva torrencial cair sobre a terra. Enquanto Jesus orava no Jordão o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele. Os discípulos, em obediência à ordem de Jesus, permaneceram, unânimes, em oração, no cenáculo, antes do Espírito Santo ser derramado sobre eles. Se verdadeiramente desejamos um avivamento para a igreja, um derramamento do Espírito Santo, precisamos buscar mais a Deus do que as bênçãos de Deus. Precisamos ser uma terra sedenta, ávida pelas torrentes do céu.
Em quarto lugar, o derramamento do Espírito produz resultados extraordinários (Is 44.4,5). 
Dois resultados são destacados por Isaías. O primeiro é o crescimento numérico da igreja. Os salvos brotarão como salgueiros juntos às correntes das águas. Quando o Espírito Santo é derramado a igreja cresce extraordinariamente. A igreja realiza mais num dia pela ação do Espírito do que em vários anos de trabalho na força da carne. O segundo resultado é o testemunho dos salvos. Cada crente torna-se uma testemunha fiel, dizendo aos outros: “eu sou do Senhor”. Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja evangelizadora. Mas esse testemunho não é apenas verbal, mas também de vida. Os crentes escreverão na própria palma da mão: “Eu sou do Senhor”. Hoje, muitos daqueles que dizem ser do Senhor, negam esse testemunho pelas suas obras más. Há um abismo entre o que pessoas falam e o que elas fazem. Mas, um crente cheio do Espírito fala e vive; prega e demonstra.
É tempo de buscarmos o Senhor até que ele faça chover sobre nós as torrentes do seu Espírito. É tempo de sermos restaurados a fim de sermos poderosamente usados por Deus na sua obra!
Rev. Hernandes Dias Lopes

Velhice e juventude à luz da Bíblia


Malhar para se ter saude ou praticar esporte é muito bom.

O culto à estética, ao corpo escultural e, sobretudo, à eterna juventude, são alguns dos traços da pós-modernidade em que vivemos. Todo mundo quer ficar 'sarado', 'bombado', 'gostoso', 'marombado', quer exibir seus músculos e seu corpo para se tornar objeto de admiração por parte de amigos e até mesmo conseguir pretendentes.

A mídia, sobretudo por parte dos grandes editoriais de moda, impõe a magreza anoréxica como padrão de beleza a ser seguido por todas as meninas. Quanto mais magra e mais jovem a modelo for, melhor. Infelizmente, muitas delas se veem complicadas com histórico de doenças psicossomáticas e até fazem loucuras em nome da estética imposta pela mídia mundial. O culto à beleza exterior foi definitivamente inaugurado e glamourizado em todas as esferas da sociedade: da mocinha da favela até a garota que mora em condomínio de luxo, todos querem estar por dentro dos padrões exigidos pela mídia contemporânea, e claro, ganhar muito dinheiro estampando capas de revistas, fazendo comerciais e esfilando em Paris, Milão, Nova York e outros lugares. É bonito ser bonito (por fora) e está na moda. Se você é gordo, é feio, e de nada vale!

Mais forte do que o conceito de estética e beleza externa que temos é o da eterna juventude. Todo mundo quer ser jovem, mesmo que seja velho, e a vida adulta e velhice são negadas, sublimadas ou tratadas com o máximo de eufemismo. As pessoas são orientadas a negar a velhice e seus sinais. "Sou velha, mas com espírito jovem", "Não sou velho, sou apenas mais experiente" etc, etc. A velhice é sinônimo de feiura, desonra, desgosto e tudo de ruim. Para que os velhos sejam reinseridos na sociedade, é necessário que rejuvenesçam o máximo possível.

Mas, o que é velhice e o que é juventude?

A juventude é a fase compreendida entre os 15-25 anos da vida de uma pessoa, e a velhice é o período em que vive uma pessoa, sem dela jamais sair exceto com a morte, a partir dos 60 anos de idade. Uma pessoa pode ser jovem, e pensar como jovem, ou como 'velho', isto é, ter 20 anos e ter um entendimento de alguém com idade muito superior à sua. Uma pessoa pode ser velha, com seus 60, 80 anos, e ser lúcida, divertida, ter a mentalidade adequada à idade, ou então, ser um eterno garotão ou garotinha.

Por que esse conceito nos é transmitido? Por que a velhice, para ser aceita nos dias de hoje, não o pode mais ser aceita como ela é, tendo que, necessariamente, se rejuvenescer de alguma forma? Por que os cabelos brancos, as rugas, os sinais do tempo são vistos de forma tão negativas?

Eu não estou querendo dizer com isso que todos os idosos devam viver trancafiados em sua casa, reclamando da vida e tricotando em frente à TV. Mas que eles podem ser felizes aceitando a sua condição atual sem apelar para modismos que os forçam a negar ou sublimar os sinais do tempo, pois em minha opinião, a velhice é digna de ser reverenciada e apreciada como ela é. A Bíblia, que é a palavra de Deus, exalta a velhice como sendo período de experiências; os mais jovens na Bíblia reverenciavam os velhos:

"E respondeu Eliú, filho de Baraquel, o buzita, dizendo: Eu sou de menos idade, e vós sois idosos; receei-me e temi de vos declarar a minha opinião" (Jó 32:6).



A velhice não é o período em que a pessoa deixa de tornar-se útil para tornar-se inútil, mas sim o início de um novo ciclo na vida de uma pessoa, em que ela dispõe de mais experiência e longevidade para ensinar às gerações posteriores. Uma pessoa idosa tem muito mais a ensinar a um moço do que o contrário:

"Diante das cãs te levantarás, e honrarás a face do ancião; e temerás o teu Deus. Eu sou o SENHOR" (Levítico 19:32).

"A coroa dos velhos são os filhos dos filhos; e a glória dos filhos são seus pais" (Provérbios 17:6).

"A glória do jovem é a sua força; e a beleza dos velhos são as cãs" (Provérbios 20:29).

"As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias no seu viver, como convém a santas, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras no bem; para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos, a serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada" (Tito 2:2-4).

A velhice é/pode ser resultado da bênção de Deus sobre a vida de uma pessoa. O mandamento de honrar pai e mãe é o primeiro que contém promessas de longevidade e vida feliz para as pessoas:

"Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá" (Êxodo 20:12).

"Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa; para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra" (Efésios 6:2-3).

Note que Paulo pega o preceito do mandamento que Moisés recebeu de Deus, e o aplica ao povo de Deus em qualquer lugar e era.

A velhice só é vista como algo negativo, na Bíblia, quando a pessoa chega a essa idade sem ter aproveitado melhor a sua infância, juventude e idade adulta:

"Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento" (Eclesiastes 12:1).

E mesmo assim, o contexto do texto não se refere à velhice em si, mas a uma vida mal vivida, ou seja, sem temer a Deus. A Bíblia nos mostra que criança deve viver como criança, adolescente como adolescente, jovem como jovem, adulto como adulto e idoso como idoso:

"Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino" (1 Coríntios 13:11).

Apesar de a velhice ser transmitida, nos dias de hoje, como a ser negado e que deve ser rejuvenescido o máximo possível, ela é irreversível. A juventude é uma fase passageira da vida, e deve ser aproveitada como tal. Da mesma forma, a velhice, que merece os devidos cuidados e atenções. Nenhum idoso volta a ser jovem, mas todo jovem, a menos que morra antes, alcançará a velhice.

A Bíblia contém mais sentenças de cautela em relação à juventude do que em relação à velhice. Ela adverte para que ainda na infância, adolescência e juventude nos preparemos para a vida adulta. De que forma? Temendo a Deus e fazendo o que é justo, e se afastando de caminhos que podem levar à auto-destruição:

"Afasta, pois, a ira do teu coração, e remove da tua carne o mal, porque a adolescência e a juventude são vaidade" (Eclesiastes 11:10).

'Enganosa é a beleza e vã a formosura, mas a mulher que teme ao SENHOR, essa sim será louvada" (Provérbios 31:30).

A Bíblia reconhece o valor da juventude, e de todas as fases da vida, mas não a louva em detrimento de qualquer outra.

E por falar em morte, qual tipo de óbito causa mais dor e pesar ao coração: o de uma pessoa com 21 anos ou de outra com 86? Qual dessas pessoas teria vivido mais, e qual viveu menos? Quem, provavelmente, tinha mais sonhos, metas e objetivos a cumprir em vida, e quem já tinha cumprido todos ou boa parte deles?

Todas as pessoas, sem exceção, questionam e lamentam muito a perda abrupta de uma vida jovem. Apesar de que a perda de uma pessoa idosa é igualmente dolorosa, é difícil alguém dizer que uma pessoa ao falecer aos 100 anos de idade 'ainda tinha muito o que realizar', mas o mesmo não pode ser dito quando um homem ou mulher morre aos 30, por exemplo.

É por estas razões que o culto à juventude eterna,deve ser visto com reservas. Todo mundo gosta de ser saudável, de ser bonito, bem visto, agradável, querido por todos à sua volta, mas pra tudo há de se ter limites, mesmo que essa busca seja bem-intencionada e legítima.

A juventude é bonita e digna de ser apreciada como ela é, mas a velhice também o é. Todo jovem se tornará velho um dia, mas nenhum velho voltará a ser jovem. Por mais que seja dolorida, esta é a realidade.

Por Marcel Victor Sousa
Publicado com autorização do autor.

Esquerda direita, esquerda, direita.

Esquerda direita, esquerda, direita.

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A cantiga ia assim: “Marcha soldado, cabeça de papel...” Tem crente, agora, cantando assim: “Marcha cristão, cabeça de papel; quem não for à parada também não vai pro céu”. Parece coisa de criança – e é! Em um contexto que parece diferente, mas que de fato tem tudo a ver com a política dos homens e a política Deus, Paulo disse: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (1Co 13.11). Tem tudo a ver, digo, porque os crentes corintianos estavam travando disputas políticas segundo a visão dos homens. Os temas da correspondência de Paulo batem nos mais diversos pontos: sabedoria vs. poder, pecado e punição vs. disciplina bíblica (isto é, ensino, correção, repreensão e reeducação – ou corte), marido vs. esposa, sexo no casamento vs. satisfação carnal, cerimônia de comunhão com Cristo vs. sociabilidade degenerada, e princípios de fé, verdade e amor vs. jogos de palavras.

O evangelicalismo de agora (diferente da teologia reformada) confunde muito fé e obras, justificação e santificação com reivindicação de justiça humana por meio de virtudes e leis humanas, e missão de Deus com missão da igreja. Isso ocorre em quase todos os termos da experiência cristã, da esfera da política governamental à esfera da política eclesiástica. Só como exemplo, quando menino ouvi que eu não podia dançar porque era protestante. Depois, aprendi que os missionários vindos do leste norte-americano tinham a dança como pecado, ao passo que, os do oeste, não podendo ceder à menção bíblica à dança correta como expressão da alegria do Senhor, fizeram um conchavo político e “inventaram” as brincadeiras de mocidade. Para dentro e para fora, É ladrão, sim, é ladrão, e a portuguesa Comadre, ó minha comadre, aí eu gosto da sua pequena (os mais jovens que me perdoem o anacronismo), tudo isso era dança de quadrilha.



Primeiro a gente tem de entender a origem dos termos. Na Revolução Francesa, 1789, a Assembleia Nacional se dividiu entre apoiadores do rei à direita e os da revolução à esquerda. Hoje, popularizados, os termos pretendem descrever a esquerda como sendo formada de pessoas favoráveis ao “movimento” e, a direita, os defensores da “ordem”. Grosso modo, a direita seria composta de conservadores, meritocratas, capitalistas. A esquerda seria de progressistas, liberais, comunistas etc., e o centro, de moderados (sambando ora com a direita ora com a esquerda). É dislexia política mesmo! Sabe? É como o moço, no banco de trás do carro, dando direções ao motorista: “Vira pra lá”. “Pra lá onde?” “Direita” (ou esquerda); quando o carro ameaça a um dos lados, ele corrige: “A outra direita” (ou esquerda), e o motorista irritado, “Vê se fica centrado, meu!” Já viu isso? Esquerda ou direita de onde? Centro de quê?

É o seguinte: (1) o cristão crê que todas as coisas tem seu ponto de referência em Deus (teo-referência, segundo Davi Charles Gomes) de quem deriva toda autoridade; (2) em todas as coisas o cristão deve ser, pensar e agir de modo cristocêntrico, pois o Senhor está sempre presente em todos os afazeres dos homens; e (3) o cristão deve viver sob o controle do Espírito que aplica a Bíblia ao coração para testemunho da glória de Deus ao mundo. O princípio bíblico da oposição (luz é luz e treva é treva ou mal é mal e bem é bem) foi abandonado por nossos primeiros pais em função da síntese do pecado (mal com bem dá “bal” ou “mem”), e trouxe à baila o princípio da maldição, uma política de luta de poder: “o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). Nesse sentido, políticas de direita, esquerda e centro referem-se a posições opostas à referência em Deus, à centralidade de Cristo e à direção do Espírito na Palavra. Veja o texto bíblico:

Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro. Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam (Salmos 2.1-12).

Segundo, a gente tem de entender o nosso momento. O mundo que viu a guerra fria vê agora uma coisa que não é fria nem quente. Certo que tanto a “direita” quanto a “esquerda”, sendo políticas humanistas, sempre colocaram o capital e o social como porta-estandartes, mudando somente o samba enredo. O que deu foi um Samba do crioulo doido: “Foi em Diamantina, / Onde nasceu JK, / Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casá / Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes / E obrigou a princesa / A se casá com Tiradentes” – e termina: “O trem tá atrasado ou já passou”(Sergio Porto; Demônios da Garoa). Hoje, por força da incongruência do método dialético hegeliano – sempre há uma situação, a tese, que sofre a ação de forças opostas, a antítese, que gera uma condição melhor que a anterior, a síntese – imposta à quase totalidade do pensamento moderno, a direita capitalista incorporou doutrinas socialistas e o socialismo foi levado a se utilizar do capitalismo. Não tinha outro jeito. No entanto, não se engane, pois, como dizem patriotas ou companheiros, a luta continua, e o povo na estação nem se dá conta dos trens que prosseguem em trilhos e direções diferentes: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6) e “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo” (Ef 2.1-2).

Terceiro, a gente tem de entender que o sistema da fé cristã tem perspectivas claras de justiça, política, relações individuais e sociais, economia, transformação e daí em diante – e esse sistema, sendo uma cosmovisão após a visão de Deus, isto é, de uma consciência divinamente despertada e iluminada, jamais é de esquerda, direita ou centro, mas vem do alto. O conceito geral dessa política do alto, com certeza, continuará deixando o cristão em uma posição desconfortável. Ele é nascido de novo pela ação transformadora do Espírito e sua vida é uma de transformação. Na verdade, se ele se conformar com este mundo, não provará a boa, perfeita e agradável vontade de Deus nem verá a si mesmo e à sociedade tal como Deus quer que ele veja (ver Rm 12.1-4ss). Entretanto, essa inconformidade não poderá ser manifestada como revolução, “Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar” (1Sm 15.23). Em outras palavras, a revolução é uma tentativa “mágica” para mudar o mundo por meio de abandonar a confiança no controle, presença e autoridade de Deus, adorando e servindo a poderes humanos para obter transformação. Como, então, viver a justiça de Deus em um mundo decaído? Como viver em um mundo do qual fomos chamados e ao qual fomos enviados para proclamar a redenção por meio da proclamação verbal e do testemunho da vida? Como ser sal da terra e luz do mundo? O próprio Senhor instrui quanto à prioridade do caráter cristão como base para a ação política no mundo, em Mateus 5.1-18: “Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo”:













2015/05/24

A verdade separa


Qualquer pastor, no sentido literal da palavra, incumbido de alimentar e conduzir um rebanho de ovelhas, seria tido como louco se achasse que lobos poderiam ser animais de estimação domesticados e trazidos para o curral. Suponhamos que ele, efetivamente, procurasse e tentasse fazer amizade com filhotes de lobos, presumindo que conseguiria ensiná-los a se relacionar com seu rebanho — insistindo contra todos os conselhos sábios de que sua experiência poderia dar certo, e, se desse, os lobos teriam a mansidão das ovelhas e as ovelhas aprenderiam coisas com os lobos também. Esse pastor seria mais do que inútil; ele mesmo representaria um grande perigo para o rebanho.
Quase tão ruim seria um pastor com visão míope. Ele nunca viu claramente um lobo com seus próprios olhos. Assim, acredita que a ameaça dos lobos é um grande exagero. Mesmo com suas ovelhas desaparecendo ou sendo dilaceradas por alguma coisa, ele se recusa a acreditar que são os lobos que estão fazendo mal ao seu rebanho. Afirma estar cansado de ouvir os outros com suas advertências estridentes contra os lobos. Começa a contar a história de “O menino que gritava lobo” para todos que vão ouvir. Por fim, concluindo que a “negatividade” das outras pessoas em relação aos lobos representa um perigo maior para seu rebanho do que os próprios lobos, pega seu instrumento de sopro e toca uma música suave para fazer os cordeiros adormecerem.
Então, é claro, temos “o assalariado [que] não é o pastor a quem as ovelhas pertencem”. Ele “vê que o lobo vem, abandona as ovelhas e foge. Então o lobo ataca o rebanho e o dispersa. Ele foge porque é assalariado e não se importa com as ovelhas” (João 10:12,13).
Assalariados egoístas, pastores míopes e pessoas que agem como domadores de lobos predominam na igreja, hoje. O mesmo acontece com os lobos vestidos de ovelhas. Francamente, algumas roupas pós-modernas feitas de lã de ovelha não são nem um pouco convincentes. Mas parece que alguns pastores não ficam indecisos quando o assunto é soltar esses lobos sedentos entre seus rebanhos. Muitos são como o pastor míope de minha parábola — convencido de que as advertências sobre a ameaça de lobos pode ser mais perigosa do que os verdadeiros lobos.
Parece que o evangelicalismo contemporâneo, em geral, não aprecia em absoluto nenhum tipo de atrito doutrinário — muito menos o conflito manifesto com lobos espirituais. O Manifesto Evangélico que citei na introdução deste livro claramente reflete esse ponto de vista, expressando muito mais palavras de preocupação com as relações públicas evangélicas do que com a solidez das doutrinas. O documento confidencialmente afirma que “a mensagem evangélica, ‘as boas novas’ por definição, é impressionantemente positiva, e sempre positiva antes de ser negativa”. Isso é um grande exagero — especialmente quando consideramos o fato de que o esboço sistemático do evangelho feito por Paulo em Romanos começa com as palavras: “Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus” (Romanos 1:18), e depois continua por quase três capítulos inteiros explicando a profundidade e universalidade da “impiedade e injustiça” dos homens, que é o que provocou, em primeiro lugar, a ira de Deus. Só depois que deixa claro que não se pode escapar da má notícia é que Paulo apresenta as boas novas do evangelho. Ele segue o mesmo padrão na forma abreviada de Efésios 2:1-10.
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Trecho extraído de "A Outra Face", por John MacArthur

BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL (Alderi Souza de Matos)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL (Alderi Souza de Matos)



1. O contexto político-religioso (1500-1822)

Portugal surgiu como nação independente da Espanha durante a Reconquista (1139-1249), ou seja, a luta contra os muçulmanos que haviam conquistado boa parte da Península Ibérica vários séculos antes. Seu primeiro rei foi D. Afonso Henriques. O novo país tinha fortes ligações com a Inglaterra, com a qual iria firmar posteriormente o Tratado de Windsor, em 1386. O apogeu da história de Portugal foi o período das grandes navegações e dos grandes descobrimentos, com a conseqüente formação do império colonial português na África, Ásia e América Latina.



No final da Idade Média, a forte integração entre a igreja e o estado na Península Ibérica deu origem ao fenômeno conhecido como “padroado” ou patronato real. Pelo padroado, a Igreja de Roma concedia a um governante civil certo grau de controle sobre uma igreja nacional em apreciação por seu zelo cristão e como incentivo para futuras ações em favor da igreja. Entre 1455 e 1515, quatro papas concederam direitos de padroado aos reis portugueses, que assim foram recompensados por seus esforços no sentido de derrotar os mouros, descobrir novas terras e trazer outros povos para a cristandade.



Portanto, a descoberta e colonização do Brasil foi um empreendimento conjunto do Estado português e da Igreja Católica, no qual a coroa desempenhou o papel predominante. O estado forneceu os navios, custeou as despesas, construiu as igrejas e pagou o clero, mas também teve o direito de nomear os bispos, recolher os dízimos, aprovar documentos e interferir em quase todas as áreas da vida da igreja.



Um dos primeiros representantes oficiais do governo português a visitar o Brasil foi Martim Afonso de Souza, em 1530. Três anos depois, foi implantado o sistema de capitanias hereditárias, que, todavia, não foi bem-sucedido. Diante disso, Portugal começou a nomear governadores-gerais, o primeiro dos quais foi Tomé de Sousa, que chegou em 1549 e construiu Salvador, na Bahia, a primeira capital da colônia.



Com Tomé de Sousa vieram os primeiros membros de uma nova ordem religiosa católica que havia sido oficializada recentemente (1540) – a Sociedade de Jesus ou os jesuítas. Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e seus companheiros foram os primeiros missionários e educadores do Brasil colonial. Essa ordem iria atuar ininterruptamente no Brasil durante 210 anos (1549-1759), exercendo enorme influência sobre sua história religiosa e cultural. Muitos jesuítas foram defensores dos índios, como o afamado padre Antonio Vieira (1608-97). Ao mesmo tempo, eles se tornaram os maiores proprietários de terras e senhores de escravos do Brasil colonial.



Em 1759 a Sociedade de Jesus foi expulsa de todos os territórios portugueses pelo primeiro-ministro do rei D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1751-1777). Por causa de sua riqueza e influência, os jesuítas tinham muitos inimigos entre os líderes eclesiásticos, proprietários de terras e autoridades civis. Sua expulsão resultou tanto do anticlericalismo que se alastrava pela Europa quanto do “regalismo” de Pombal, isto é, a noção de que todas as instituições da sociedade, em especial a igreja, deviam ser inteiramente subservientes ao rei. Pombal também determinou a transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro.



Desde o início da colonização, a coroa portuguesa foi lenta em seu apoio à igreja: a primeira diocese foi fundada em 1551, a segunda somente em 1676 e em 1750 havia apenas oito dioceses no vasto território. Nenhum seminário para o clero secular foi criado até 1739. Todavia, a coroa nunca deixou de recolher os dízimos, que vieram a ser o principal tributo colonial. Com a expulsão dos jesuítas, que eram em grande parte independentes das autoridades civis, a igreja tornou-se ainda mais fraca.



Durante o período colonial, a atuação dos bandeirantes, aventureiros que se embrenhavam pelo interior em busca de pedras preciosas e escravos, foi decisiva para a expansão territorial do Brasil. Suas ações foram facilitadas e incentivadas pela União Ibérica, ou seja, o controle de Portugal pela Espanha durante sessenta anos (1580-1640). Os bandeirantes chegaram a atacar as missões jesuíticas da bacia do rio Paraná, conhecidas como “reduções”, levando centenas de indígenas para os mercados de escravos de São Paulo. A escravidão de índios e negros foi uma constante no período colonial. Outro fenômeno marcante foi a corrida do ouro nas Minas Gerais (1693-1760), que trouxe benefícios e problemas.



No período colonial houve dois tipos bastante distintos de catolicismo no Brasil. Em primeiro lugar, havia a religiosidade dos colonos, escravos e senhores de engenho, centralizada na “casa grande” e caracterizada pela informalidade, pequena ênfase em dogmas, devoção aos santos e Maria e permissividade moral. Ao mesmo tempo, nos centros urbanos havia o catolicismo das ordens religiosas, mais disciplinado e alinhado com Roma. Havia ainda as irmandades, que por vezes tinham bastante independência em relação à hierarquia.



Em conclusão, no período colonial o estado exerceu um rígido controle sobre a área eclesiástica. Com isso a igreja teve dificuldade em realizar adequadamente o seu trabalho evangelístico e pastoral. O catolicismo popular era culturalmente forte, mas débil nos planos espiritual e ético. Apesar das suas debilidades, a igreja foi um importante fator na construção da unidade e da identidade nacional.



2. Presença protestante no Brasil colonial



Nos séculos 16 e 17, duas regiões do Brasil foram invadidas por nações européias: a França e a Holanda. Muitos dos invasores eram protestantes, o que provocou forte reação dos portugueses numa época em que estava em pleno curso a Contra-Reforma, ou seja, o esforço da Europa católica no sentido de deter e mesmo suprimir o protestantismo. O esforço pela expulsão dos invasores fortaleceu a consciência nacional, mas ao mesmo tempo aumentou o isolamento do Brasil.



2.1 Os franceses na Guanabara (1555-1567)



Em dezembro de 1555 chegou à baía de Guanabara uma expedição comandada por Nicolas Durand de Villegaignon. O empreendimento contou com o apoio do almirante Gaspard de Coligny (1519-1572), um simpatizante e futuro correligionário dos protestantes franceses (huguenotes).



Inicialmente, Villegaignon se mostrou simpático à Reforma. Escreveu ao reformador João Calvino, em Genebra, na Suíça, pedindo pastores e colonos evangélicos para sua colônia. Uma segunda expedição chegou em 1557, trazendo um pequeno grupo de huguenotes liderados pelos pastores Pierre Richier e Guillaume Chartier. Um integrante da comitiva era Jean de Léry, que mais tarde se tornou pastor e escreveu o livro História de uma viagem à terra do Brasil, publicado em Paris, em 1578. No dia 10 de março de 1557 esse grupo realizou o primeiro culto protestante da história do Brasil e das Américas.



Rapidamente surgiram divergências entre Villegaignon e os calvinistas acerca dos sacramentos e de outras questões. O pastor Chartier foi enviado de volta para a França e os colonos protestantes foram expulsos. O navio em que vários deles voltaram para a França começou a apresentar problemas e cinco deles se ofereceram para retornar à terra: Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon,, André Lafon e Jacques le Balleur.



Em resposta a uma série de perguntas apresentadas pelo comandante, esses homens escreveram um belo documento, a Confissão de fé da Guanabara (1558). Três deles foram executados por causa de suas convicções. André Lafon, o único alfaiate da colônia, teve a vida poupada. Le Balleur fugiu para São Vicente, ficou encarcerado por vários anos em Salvador, e finalmente foi levado para o Rio de Janeiro em 1567, sendo enforcado quando os últimos franceses foram expulsos pelos portugueses.



Os calvinistas tiveram uma preocupação missionária em relação aos índios, mas pouco puderam fazer por eles. Léry expressou atitudes contraditórias que provavelmente eram típicas dos seus comanheiros: embora interessado na situação espiritual dos indígenas, a relutância dos mesmos em aceitar a fé cristã o levou a concluir que eles talvez estivessem entre os não-eleitos. A França Antártica entrou para a história como a primeira tentativa de se estabelecer uma igreja e um trabalho missionário protestante na América Latina.



2.2 Os holandeses no Nordeste (1630-1654)




Em 1568 as Províncias Unidas dos Países Baixos tornaram-se independentes da Espanha. A nova e próspera nação calvinista criou em 1621 a Companhia das Índias Ocidentais, na época em que Portugal estava sob o domínio da Espanha (1580-1640). Em 1624 os holandeses tomaram Salvador, a capital do Brasil, mas foram expulsos no ano seguinte.



Em 1630 a Companhia das Índias Ocidentais tomou Recife e Olinda e dentro de cinco anos apossou-se de grande parte do nordeste brasileiro. O maior líder do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen, que governou por apenas sete anos (1637-1644). Ele foi notável administrador e incentivador das ciências e das artes. Concedeu uma boa medida de liberdade religiosa aos habitantes católicos e judeus do Brasil holandês.



Os holandeses criaram sua própria igreja estatal nos moldes da Igreja Reformada da Holanda. Durante os 24 anos de dominação, foram organizadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios e um sínodo. As igrejas foram servidas por mais de 50 pastores (“predicantes”), além de pregadores auxiliares (“proponentes”) e outros oficiais. Havia também muitos “consoladores dos enfermos” e professores de escolas paroquiais.



As igrejas destacaram-se pela sua atuação beneficente e sua ação missionária junto aos índios. Havia planos de preparação de um catecismo, tradução da Bíblia e ordenação de pastores indígenas. Todavia, levados por considerações econômicas e agindo contra as suas convicções religiosas, os holandeses mantiveram intacto o sistema de escravidão negra, ainda que tenham concedido alguns direitos aos escravos.



Após alguns anos de divergências com os diretores da Companhia das Índias Ocidentais, Maurício de Nassau renunciou em 1644 e no ano seguinte começou a revolta dos portugueses e brasileiros contra os invasores, que finalmente foram expulsos em 1654. No restante do período colonial, o Brasil manteve-se isolado, sendo inteiramente vedada a entrada de protestantes. Porém, com a transferência da família real portuguesa, em 1808, abriram-se as portas do país para a entrada legal dos primeiros protestantes (anglicanos ingleses).



3. Igreja e Estado no Brasil Império (1822-1889)



Com a independência do Brasil, surgiu a necessidade de atrair imigrantes europeus, inclusive protestantes. A Constituição Imperial, promulgada em 1824, concedeu-lhes certa liberdade de culto, ao mesmo tempo em que confirmou o catolicismo como religião oficial. Até a Proclamação da República, os protestantes enfrentariam sérias restrições no que diz respeito ao casamento civil, uso de cemitérios e educação.



Desde o século 18, começaram a se tornar influentes no Brasil novos conceitos e movimentos surgidos na Europa, tais como o iluminismo, a maçonaria, o liberalismo político e os ideais democráticos americanos e franceses. Tais idéias tornaram-se especialmente influentes entre os intelectuais, políticos e sacerdotes, e tiveram dois efeitos importantes na área religiosa: o enfraquecimento da Igreja Católica e uma crescente abertura ao protestantismo.



O liberalismo de muitos religiosos brasileiros, inclusive bispos, é ilustrado pelo padre Diogo Antonio Feijó (regente do império de 1835 a 1837), que em diferentes ocasiões propôs a legalização do casamento clerical, sugeriu que os irmãos morávios fossem convidados para educar os índios brasileiros e defendeu um concílio nacional para separar a igreja brasileira de Roma.



O imperador D. Pedro II (1841-1889) utilizou plenamente seus direitos legais de padroado, bem como os poderes adicionais do recurso (em casos de disciplina eclesiástica) e do beneplácito (censura de todos os documentos eclesiásticos antes de sua publicação no Brasil), em virtude da sua preocupação com o ultramontanismo. Um autor comenta que, durante o longo reinado de Pedro II, a igreja não passou de um departamento do governo.



Todavia, no pontificado do papa Pio IX (1846-1878) Roma começou a exercer um maior controle sobre a igreja brasileira. As idéias da encíclica Quanta cura e seu Sílabode Erros tiveram rápida difusão, apesar de não terem recebido o beneplácito de Pedro II. O Sílabo atacou violentamente a maçonaria numa época em que os principais estadistas brasileiros e o próprio imperador estavam ligados às lojas. Isto acabou desencadeando a famosa “Questão Religiosa” (1872-75), um sério confronto entre o governo e dois bispos do norte do Brasil (D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D. Antônio de Macedo Costa) que enfraqueceu o Império e contribuiu para a Proclamação da República.



A Questão Religiosa marcou o início da renovação católica no Brasil, que se aprofundou no período republicano. À medida que afirmava sua autonomia diante do Estado, a Igreja tornou-se mais universalística e mais romana. O próprio sacerdócio tornou-se mais estrangeiro. Ao mesmo tempo, ela teve de enfrentar a concorrência de outros grupos religiosos e ideológicos além do protestantismo, tais como o positivismo e o espiritismo.



O século 19 testemunhou um longo esforço dos protestantes no sentido de obter completa legalidade e liberdade no Brasil, 80 anos de avanço lento, porém contínuo, em direção à plena tolerância (1810-1890). Um passo importante na conquista da liberdade de expressão e de propaganda ocorreu quando o missionário Robert Reid Kalley, pressionado pelas autoridades, consultou alguns juristas destacados e obteve opiniões favoráveis quanto às suas atividades religiosas. Finalmente, em 1890, um decreto do governo republicano consagrou a separação entre a Igreja e o Estado, assegurando aos protestantes pleno reconhecimento e proteção legal. A nova expressão religiosa se implantou no Brasil em duas fases: protestantismo de imigração e protestantismo missionário.



4. Protestantismo de imigração



O historiador Boanerges Ribeiro observa que “ao iniciar-se o século XIX, não havia no Brasil vestígio de protestantismo” (Protestantismo no Brasil monárquico, p. 15). Em janeiro de 1808, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, o príncipe-regente João decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. Em novembro, um novo decreto concedeu amplos privilégios a imigrantes de qualquer nacionalidade ou religião.



Em fevereiro de 1810, Portugal assinou com a Inglaterra tratados de Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação. Este último, em seu artigo 12, concedeu aos estrangeiros “perfeita liberdade de consciência” para praticarem sua fé. Tratava-se de uma tolerância limitada, porque vinha acompanhada da proibição de fazer prosélitos e de falar contra a religião oficial. Além disso, as capelas protestantes não teriam forma exterior de templo nem poderiam utilizar sinos.



O primeiro capelão anglicano, Robert C. Crane, chegou em 1816. A primeira capela anglicana foi inaugurada no Rio de Janeiro em 26 de maio de 1822; seguiram-se outras nas principais cidades litorâneas. Outros estrangeiros protestantes que chegaram nos primeiros tempos foram americanos, suecos, dinamarqueses, escoceses, franceses e especialmente alemães e suíços, de tradição luterana e reformada.



Boanerges Ribeiro continua: “Quando se proclamou a Independência, contudo, ainda não havia igreja protestante no país. Não havia culto protestante em língua portuguesa. E não há notícia de existir, então, sequer um brasileiro protestante” (Ibid., p. 18). Com a independência, houve grande interesse na vida de imigrantes, inclusive protestantes. Isso exigiu que se garantissem os direitos religiosos desses imigrantes. A Constituição Imperial de 1824 afirmou no artigo 5º: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.



Em 1820, um contingente de suíços católicos iniciou a colônia de Nova Friburgo. Logo a área foi abandonada e oferecida a alemães luteranos que chegaram em maio de 1824. Eram 324 imigrantes acompanhados do seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn (1784-1864). A maior parte dos imigrantes alemães foi para o sul, cerca de 4.800 entre 1824 e 1830, 60% dos quais eram protestantes. Seus primeiros pastores foram Johann Georg Ehlers, Karl Leopold Voges e Friedrich Christian Klingelhöffer.



Em junho de 1827, por iniciativa do cônsul da Prússia, Wilhelm von Theremin, foi criada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, congregando luteranos e calvinistas, cujo primeiro pastor foi Ludwig Neumann. Em 1837, o primeiro santuário passou a funcionar em um edifício alugado, sendo o edifício próprio inaugurado em 1845.



Por falta de ministros ordenados, os primeiros luteranos organizaram sua própria vida religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores, os “pregadores-colonos”. Todavia, na década de 1850, a Prússia e a Suíça “descobriram” os alemães do sul do Brasil e começaram a enviar-lhes missionários e ministros. Isso criou uma igreja mais institucional e européia.



Em 1868, o Rev. Hermann Borchard, que havia chegado em 1864, e outros colegas fundaram o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul, que foi extinto em 1875. Em 1886, o Rev. Wilhelm Rotermund (chegado em 1874), organizou o Sínodo Rio-Grandense, que se tornou modelo para outras organizações similares. Até o final da II Guerra Mundial as igrejas luteranas permaneceram culturalmente isoladas da sociedade brasileira.



Uma conseqüência importante da imigração protestante é o fato de que ela ajudou a criar as condições que facilitaram a introdução do protestantismo missionário no Brasil. O autor Erasmo Braga observou que, à medida que os imigrantes alemães exigiam garantias legais de liberdade religiosa, estadistas liberais criaram “a legislação avançada que, durante o longo reinado de D. Pedro II, protegeu as missões evangélicas da perseguição aberta e até mesmo colocou as comunidades não-católicas sob a proteção das autoridades imperiais” (The Republic of Brazil, p. 49). Em 1930, de uma comunidade protestante de 700 mil pessoas no país, as igrejas imigrantes tinham aproximadamente 300 mil filiados. A maior parte estava ligada à Igreja Evangélica Alemã do Brasil (215 mil) e vivia no Rio Grande do Sul.



5. Protestantismo missionário (1835-1889)



As primeiras organizações protestantes que atuaram junto aos brasileiros foram as sociedades bíblicas: Britânica e Estrangeira (1804) e Americana (1816). Havia duas traduções da Bíblia em português, uma protestante, feita pelo Rev. João Ferreira de Almeida (1628-1691), e outra católica, do padre Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797). Os primeiros agentes oficiais das sociedades bíblicas foram: da SBA, James C. Fletcher (1855); da SBBE, Richard Corfield (1856). Nesse período pioneiro, foi muito importante o trabalho dos colportores, isto é, vendedores de Bíblias e literatura religiosa.



A Igreja Metodista Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades missionárias junto aos brasileiros (1835-1841). Seus obreiros iniciais foram Fountain E. Pitts, Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder. Eles fundaram no Rio de Janeiro a primeira escola dominical do Brasil. Também atuaram como capelães da Sociedade Americana dos Amigos dos Marinheiros, fundada em 1828.



Daniel P. Kidder foi uma figura importante dos primórdios do protestantismo brasileiro. Ele viajou por todo o país, vendeu Bíblias e manteve contactos com intelectuais e políticos destacados, como o padre Diogo Antônio Feijó, regente do império (1835-1837). Kidder escreveu o livro Reminiscências de viagens e permanência no Brasil, publicado em 1845, um clássico que despertou grande interesse pelo Brasil.



James Cooley Fletcher (1823-1901) era pastor presbiteriano. Estudou no Seminário de Princeton e na Europa, e se casou com uma filha de César Malan, teólogo calvinista de Genebra. Chegou ao Brasil em 1851 como o novo capelão da Sociedade dos Amigos dos Marinheiros e como missionário da União Cristã Americana e Estrangeira. Atuou como secretário interino da legação americana no Rio de Janeiro e foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana. Foi um promotor entusiasta do protestantismo e do “progresso”. Escreveu O Brasil e os brasileiros, publicado em 1857, uma versão atualizada da obra de Kidder.



Robert Reid Kalley (1809-1888) era natural da Escócia. Estudou medicina e foi trabalhar como missionário na Ilha da Madeira (1838). Oito anos depois, escapou de uma violenta perseguição e foi com seus paroquianos para os Estados Unidos. Fletcher sugeriu que ele fosse para o Brasil, onde Kalley e sua esposa Sarah Poulton Kalley (1825-1907) chegaram em maio de 1855. No mesmo ano, fundaram em Petrópolis a primeira escola dominical permanente do país (19 de agosto). Em 11 de julho de 1858, Kalley fundou a Igreja Evangélica, depois Igreja Evangélica Fluminense (1863), cujo primeiro membro brasileiro foi Pedro Nolasco de Andrade. Kalley teve importante atuação na defesa da liberdade religiosa (1859). Sua esposa foi autora do famoso hinário Salmos e hinos (1861). A Igreja Fluminense aprovou sua base doutrinária, elaborada por Kalley, em 2 de julho de 1876. No mesmo ano, o missionário voltou em definitivo para a Escócia. Os estatutos da igreja foram aprovados pelo governo imperial em 22 de novembro de 1880.



Os missionários pioneiros da Igreja Presbiteriana foram Ashbel Green Simonton (1859), Alexander Latimer Blackford (1860) e Francis Joseph Christopher Schneider (1861). As primeiras igrejas organizadas foram as do Rio de Janeiro (1862), São Paulo (1865) e Brotas (1865). Duas importantes realizações iniciais foram o jornalImprensa Evangélica (1864-1892) e o Seminário do Rio de Janeiro (1867-1870). O primeiro pastor evangélico brasileiro foi o ex-sacerdote José Manoel da Conceição, ordenado em 17 de dezembro de 1865. Em 1870, os presbiterianos fundaram em São Paulo a Escola Americana (atual Universidade Mackenzie). Em 1888, foi organizado o Sínodo do Brasil, que marcou a autonomia eclesiástica da Igreja Presbiteriana do Brasil.



Após a Guerra Civil americana (1861-1865), muitos imigrantes norte-americanos se estabeleceram no interior da Província de São Paulo. Eles foram seguidos por missionários presbiterianos, metodistas e batistas. Os pioneiros enviados pela Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (PCUS) foram George Nash Morton e Edward Lane (1869). Eles fundaram o Colégio Internacional, instalado oficialmente em 1873.



A Igreja Metodista Episcopal (do sul dos Estados Unidos) enviou Junius E. Newman para trabalhar junto aos imigrantes (1876). O primeiro missionário aos brasileiros foi John James Ransom, que chegou em 1876 e dois anos depois organizou a primeira igreja no Rio de Janeiro. A professora Martha Hite Watts iniciou uma escola para moças em Piracicaba (1881). A partir de 1880, a I.M.E. do norte dos EUA enviou obreiros ao norte do Brasil (William Taylor, Justus H. Nelson) e ao Rio Grande do Sul. A Conferência Anual Metodista foi organizada em 1886 pelo bispo John C. Granbery, com a presença de apenas três missionários.



Os primeiros missionários da Igreja Batista, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa (1859-1861), não foram bem sucedidos. Em 1871, os imigrantes batistas de Santa Bárbara organizaram duas igrejas. Os primeiros missionários junto aos brasileiros foram William Buck Bagby, Zachary Clay Taylor e suas esposas (chegados em 1881-1882). O primeiro membro e pastor batista brasileiro foi o ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, que já estivera ligado aos metodistas. Em 1882 o grupo fundou a primeira igreja brasileira em Salvador, na Bahia. A Convenção Batista Brasileira foi criada em 1907.



A Igreja Protestante Episcopal foi a última das denominações históricas a iniciar trabalho missionário no Brasil. Um importante e controvertido precursor havia sido Richard Holden (1828-1886), que durante três anos atuou com poucos resultados no Pará e na Bahia (1861-1864). O trabalho permanente teve início em 1890 com James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving. Inspirados pela obra de Simonton e por um folheto sobre o Brasil, eles se estabeleceram em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, um estado até então pouco ocupado por outras missões. Em 1899, Kinsolving tornou-se o primeiro bispo residente da Igreja Episcopal do Brasil.



6. Igreja e estado: período republicano



A separação entre a igreja e o estado foi efetivada pelo Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, que consagrou a plena liberdade de culto. Em fevereiro de 1891, a primeira Constituição republicana confirmou a separação entre a igreja e o estado, bem como proclamou outras medidas liberais como a plena liberdade de culto, o casamento civil obrigatório e a secularização dos cemitérios. Sob influências liberais e positivistas, a Constituição omitiu o nome de Deus, afirmando assim a caráter não religioso do novo regime, e a Igreja Católica foi colocada em pé de igualdade com todos os outros grupos religiosos; a educação foi secularizada, sendo a religião omitida do novo currículo. Em uma carta pastoral de março de 1890, os bispos deram as boas-vindas à República, mas também repudiaram a separação entre a igreja e o estado.



A partir de então, a Igreja teve duas grandes preocupações: obter o apoio do Estado e aumentar a sua influência na sociedade. Um dos primeiros passos foi fortalecer a estrutura interna da igreja: criaram-se novas estruturas eclesiásticas (dioceses, arquidioceses, etc.) e fundaram-se novos seminários. Foi incentivada a vinda de muitos religiosos estrangeiros para o Brasil (capuchinhos, beneditinos, carmelitas, franciscanos). A igreja também manteve sua firme oposição contra a modernidade, o protestantismo, a maçonaria e outros movimentos.



Dois grandes líderes foram especialmente influentes nesse esforço renovador: primeiro, o padre Júlio Maria, que desde 1890 até sua morte em 1916 foi muito ativo como pregador e escritor, visando mobilizar a igreja e tornar o Brasil verdadeiramente católico. Ainda mais notável foi D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942), o líder responsável pela orientação e mobilização da Igreja Católica brasileira na primeira metade do século 20, como arcebispo de Olinda e Recife (1916-21), coadjutor no Rio de Janeiro (1921-30) e cardeal arcebispo do Rio até a sua morte.



Em 1925, D. Leme propôs emendas à constituição que dariam reconhecimento oficial à Igreja Católica como a religião dos brasileiros e permitiriam a educação religiosa nas escolas públicas. As chamadas “emendas Plínio Marques” enfrentaram a vigorosa oposição dos protestantes, maçons, espíritas e da imprensa, sendo eventualmente rejeitadas. Todavia, mediante um decreto de abril de 1930, Getúlio Vargas permitiu o ensino religioso nas escolas. Por fim, a Constituição de 1934 incluiu todas as exigências católicas, sem oficializar o catolicismo. O Centro Dom Vital, cujos líderes iniciais foram Jackson de Figueiredo e Alceu de Amoroso Lima, deu continuidade à luta pela ascendência católica. A agenda da Liga Eleitoral Católica incluía tópicos como a oficialização do catolicismo, o casamento religioso, o ensino religioso nas escolas públicas, capelanias católicas nas forças armadas e sindicatos católicos. Também foram realizadas campanhas contra as missões estrangeiras protestantes.



7. Católicos e protestantes




Nas primeiras décadas do período republicano, os protestantes tiveram diferentes atitudes diante da reação católica. Uma delas foi a criação de uma frente unida contra o catolicismo. A entidade conhecida como Aliança Evangélica havia sido criada inicialmente na Inglaterra (1846) e nos Estados Unidos (1867). A congênere brasileira surgiu em São Paulo, em julho de 1903, tendo como presidente Hugh C. Tucker (metodista) e como secretário F. P. Soren (batista). Todavia, o Congresso do Panamá e a subsequente Conferência do Rio de Janeiro, em 1916, revelaram atitudes divergentes em relação ao catolicismo, sendo alguns elementos, principalmente norte-americanos, favoráveis a uma aproximação e mesmo colaboração com a igreja católica. Uma das questões discutidas foi o rebatismo ou não de católicos convertidos à fé evangélica. Esse período também viu o recrudescimento de perseguições contra os protestantes em muitos lugares do Brasil.



Na década de 1920, a Comissão Brasileira de Cooperação, liderada pelo Rev. Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932) procurou unir as igrejas evangélicas na luta pela preservação dos seus direitos e no exercício de um testemunho profético junto à sociedade brasileira. Esse esforço teve prosseguimento até os anos 60 na Confederação Evangélica do Brasil. Após 1964, as relações das igrejas evangélicas e da Igreja Católica com o estado brasileiro tomaram rumos por vezes diametralmente opostos, cujas conseqüências se fazem sentir até os dias de hoje.



8. Progressistas x conservadores



Nas primeiras décadas do século 20, o protestantismo brasileiro sofreu a influência de algumas correntes teológicas norte-americanas, como o evangelho social, o movimento ecumênico e o fundamentalismo. Inspirado em parte pelos dois primeiros, surgiu um notável esforço cooperativo entre as igrejas históricas, sob a liderança do Rev. Erasmo Braga, secretário da Comissão Brasileira de Cooperação (1917). Essa entidade se uniu em 1934 à Federação das Igrejas Evangélicas do Brasil e ao Conselho Nacional de Educação Religiosa para formar a Confederação Evangélica do Brasil (CEB). Nos anos 50 e início da década de 60, a CEB criou a Comissão de Igreja e Sociedade (1955), depois Setor de Responsabilidade Social da Igreja. Sua quarta reunião, conhecida como Conferência do Nordeste, realizada em Recife em 1962, teve como tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Seus líderes foram Carlos Cunha, Almir dos Santos e Waldo César, sendo preletores Sebastião G. Moreira, Joaquim Beato, João Dias de Araújo e o bispo Edmundo K. Sherill.



O movimento ecumênico havia surgido com a Conferência Missionária Mundial (1910), em Edimburgo, na Escócia, que deu origem ao Concílio Missionário Internacional (1921). Outros dois movimentos, “Vida e Trabalho” e “Fé e Ordem” se uniram para formar o Conselho Mundial de Igrejas (Utrecht, 1938; Amsterdã, 1948). Algumas das primeiras igrejas brasileiras a se filiarem a essa organização foram a metodista (1942), a luterana (1950), a episcopal (1965) e a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo (1968).



Por fim, o espírito denominacional suplantou o ecumenismo. Duncan Reily observa: “O ecumenismo no Brasil foi muito mais um projeto dos missionários e das sociedades missionárias do que dos brasileiros” (História Documental, 233). Além de algumas igrejas históricas, também se opuseram ao ecumenismo os grupos pentecostais, as “missões de fé” e “missões indenominacionais”, e o movimento fundamentalista de Carl McIntire.



9. Denominações históricas (1889-1964)




9.1 Igreja Congregacional



Essa foi a primeira denominação brasileira inteiramente nacional (não sujeita a nenhuma junta missionária). Até 1913, foram organizadas somente treze igrejas congregacionais no Brasil, todas autônomas. Oito eram filhas da Igreja Fluminense: Pernambucana (1873), Passa Três (1897), Niterói (1899), Encantado (1903), Paranaguá, Paracambi e Santista (1912), Paulistana (1913), e três da Igreja Pernambucana: Vitória (1905), Jaboatão (1905) e Monte Alegre (1912). Em julho de 1913, essas igrejas se reuniram em 1ª Convenção Geral, no Rio de Janeiro. Daí até 1942, a denominação mudou de nome dez vezes.



Os ingleses fundaram missões para atuar na América do Sul: Help for Brazil (criada em 1892 por iniciativa de Sarah Kalley e outros), South American Evangelical Mission(Argentina) e Regions Beyond Missionary Union (Peru). Após a Conferência de Edimburgo (1910), essas missões vieram a constituir a União Evangélica Sul-Americana – UESA (1911). Dos seus esforços, surgiu no Brasil a Igreja Cristã Evangélica.



Os congregacionais uniram-se à Igreja Cristã Evangélica em 1942, formando a União das Igrejas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Separaram-se em 1969, tomando o nome de União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil. A outra ala dividiu-se em duas: Igreja Cristã Evangélica no Brasil (Anápolis) e Igreja Cristã Evangélica do Brasil (São Paulo).



9.2 Igreja Presbiteriana



A Igreja Presbiteriana do Brasil alcançou sua autonomia formal em 1888, com a criação do Sínodo Presbiteriano. Surgiu então uma crise no período 1892-1903 em torno das questões missionária, educativa e maçônica que resultou em divisão, surgindo a Igreja Presbiteriana Independente. Dois eventos significativos no início do século 20 foram a criação da Assembléia Geral (1910) e o estabelecimento de um plano de cooperação entre a igreja e as missões americanas, conhecido como Modus Operandi ou “Brazil Plan” (1917). Com a Constituição de 1937, a Assembléia Geral foi transformada em Supremo Concílio. Em 1955 surgiu o Conselho Interpresbiteriano, criado para gerir as relações da igreja com as missões americanas e com as juntas missionárias nos Estados Unidos.



Em 1948, Samuel Rizzo representou a IPB na Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas em Amsterdã. No ano seguinte, a igreja optou pela “eqüidistância” entre o CMI e o CIIC de Carl McIntire. Em 1962, o Supremo Concílio aprovou o “Pronunciamento Social da IPB”.



Entre a juventude surgiu um crescente questionamento da posição conservadora da igreja. Um importante canal de expressão foi o controvertido Jornal Mocidade (1944). Billy Gammon, filha do Rev. Samuel Gammon, foi nomeada secretária da mocidade a partir de 1946. Até 1958 o número de sociedades locais cresceu de 150 para 600, com 17 mil membros. O Rev. M. Richard Shaull veio ao Brasil para trabalhar entre universitários. Em 1953 tornou-se professor do Seminário Presbiteriano de Campinas e começou a cooperar com o Departamento de Mocidade e a União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB). Tornou-se uma voz influente na mocidade evangélica em geral. Em 1962, o Supremo Concílio reestruturou o Departamento de Mocidade, tirando sua autonomia.



Igreja Presbiteriana Fundamentalista: Israel Gueiros, pastor da 1ª Igreja Presbiteriana de Recife e ligado ao Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (Carl McIntire) liderou uma campanha contra o Seminário do Norte sob a acusação de modernismo. Fundou outro seminário e foi deposto pelo Presbitério de Pernambuco em julho de 1956. Em 21 de setembro do mesmo ano foi organizada a IPFB com quatro igrejas locais (inclusive elementos batistas e congregacionais), que formaram um presbitério com 1800 membros.



9.3 Igreja Presbiteriana Independente



Essa igreja surgiu em 1903 como uma denominação totalmente nacional, sem qualquer vinculação com igrejas estrangeiras. Resultou do projeto nacionalista de Eduardo Carlos Pereira (1856-1923). Em 1907 tinha 56 igrejas e 4.200 membros comungantes. Fundou um seminário em São Paulo. Em 1908 foi instalado o Sínodo, inicialmente com três presbitérios. Mais tarde, em 1957, foi criado o Supremo Concílio, com três sínodos, dez presbitérios, 189 igrejas locais e 105 pastores. Seu jornal oficial era O Estandarte, fundado em 1893. Após o Congresso do Panamá (1916), a IPI aproximou-se da IPB e das outras igrejas evangélicas. A partir de 1930, surgiu um movimento de intelectuais (entre eles o Rev. Eduardo Pereira de Magalhães, neto de Eduardo Carlos Pereira) que pretendia reformar a liturgia, certos costumes eclesiásticos e até mesmo a Confissão de Fé. A questão eclodiu no Sínodo de 1938. Um grupo organizou a Liga Conservadora, liderada pelo Rev. Bento Ferraz. A elite liberal retirou-se da IPI em 1942 e formou a Igreja Cristã de São Paulo.



A Igreja Presbiteriana Conservadora foi fundada pelos membros da Liga Conservadora em 1940. Em 1957, contava com mais de vinte igrejas, em quatro estados, e tinha um seminário. Seu órgão oficial é O Presbiteriano Conservador. Filiou-se à Aliança Latino-Americana de Igrejas Cristãs e à Confederação de Igreja Evangélicas Fundamentalistas do Brasil.



9.4 Igreja Metodista



A Conferência Anual Metodista foi organizada no Rio de Janeiro em 15 de setembro de 1886 pelo bispo John C. Granbery, enviado ao Brasil pela Igreja Metodista Episcopal do Sul. Tinha apenas três missionários, James L. Kennedy, John W. Tarboux e Hugh C. Tucker, sendo a menor conferência anual já criada na história do metodismo. Em 1899, a IME do Norte transferiu seu trabalho no Rio Grande do Sul para a Conferência Anual. Em 1910 e 1919 surgiram outras duas conferências (norte, sul e centro).



A Junta de Nashville continuou a interferir na vida da igreja de modo indevido, culminando com a insistência em nomear o presidente do Colégio Granbery (1917). Cresceu o movimento pelo sustento próprio, liderado por Guaracy Silveira. Em 1930 a IMES cedeu a autonomia desejada. No dia 2 de setembro de 1930, na Igreja Metodista Central de São Paulo, foi organizada a Igreja Metodista do Brasil. O primeiro bispo eleito foi o velho missionário John William Tarboux. O primeiro bispo brasileiro foi César Dacorso Filho (1891-1966), eleito em 1934, que por doze anos (1936-1948) foi o único bispo da igreja. A Igreja Metodista foi a primeira denominação brasileira a filiar-se ao Concílio Mundial de Igrejas (1942).



9.5 Igreja Batista



A Convenção Batista Brasileira foi organizada no dia 24 de junho de 1907 na Primeira Igreja Batista da Bahia (Salvador), quando 43 delegados, representando 39 igrejas, aprovaram a “Constituição Provisória das Igrejas Batistas do Brasil”.



Na chamada “questão radical”, líderes batistas do nordeste apresentaram um memorial aos missionários em 1922 e um manifesto à Convenção em 1925 reivindicando maior participação nas decisões, principalmente na área financeira. Não atendidos, mais tarde organizaram-se como um facção separada da Convenção e da Junta. As bases de cooperação entre a igreja brasileira e a Junta de Richmond voltaram a ser discutidas em 1936 e 1957.



9.6 Igreja Luterana




O Sínodo Rio-Grandense surgiu em 1886. Posteriormente, surgiram outros sínodos autônomos: Sínodo da Caixa de Deus ou “Igreja Luterana” (1905), com forte ênfase confessional; Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná (1911) e Sínodo Brasil Central (1912). O Sínodo Rio-Grandense, ligado à Igreja Territorial da Prússia, filiou-se à Federação Alemã das Igrejas Evangélicas em 1929. Em 1932, o Sínodo Luterano também se filiou à federação e começou a se aproximar dos outros sínodos. Em 1939 o Estado Novo exigiu que toda a pregação pública fosse feita em português.



Em 1949 os quatro sínodos se organizaram em Federação Sinodal, a Igreja Luterana propriamente dita. No ano seguinte a igreja solicitou admissão ao Conselho Mundial de Igrejas e em 1954 adotou o nome de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A Igreja Luterana filiou-se à Confederação Evangélica do Brasil em 1959.



9.7 Igreja Episcopal



Uma Convocação especial reunida em Porto Alegre em 30 de maio de 1898 definiu a relação formal entre a missão e a Igreja Episcopal dos Estados Unidos e elegeu Lucien Lee Kinsolving como o primeiro bispo residente da igreja brasileira. Ele foi sagrado bispo em Nova York em 6 de janeiro de 1899) e foi o único bispo episcopal no Brasil até 1925. O primeiro bispo brasileiro foi Athalício Theodoro Pithan, sagrado em 21 de abril de 1940.



Em abril de 1952, foi instalado o Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira, contando com três bispos: Athalício T. Pithan, Luís Chester Melcher e Egmont Machado Krischke. Em 25 de abril de 1965 a Igreja Episcopal do Brasil obteve da igreja-mãe sua plena emancipação administrativa e passou a ser uma província autônoma da Comunhão Anglicana. Logo em seguida, filiou-se ao CMI.



10. Denominações Históricas (após 1964)



Dois eventos cruciais na década de 60 foram: (a) o Concílio Vaticano II (1962-65), que marcou a abertura aos protestantes (“irmãos separados”) e revelou novas concepções sobre o culto, a missão da igreja e a relação com a sociedade; (b) o Golpe de 1964 e o regime militar no Brasil.



10.1 Igreja Presbiteriana



Esse período marcou o fim do antigo relacionamento da IPB com as missões norte-americanas. Em 1954 havia sido criado o Conselho Interpresbiteriano. Em 1962, a Missão Brasil Central propôs-se a entregar à igreja brasileira toda a sua obra evangelística, educativa e médica. Em 1972 a igreja rompeu com a Missão Brasil Central, sendo uma das possíveis causas a adoção da Confissão de 1967 pela Igreja Presbiteriana Unida dos EUA. Em 1973 a IPB rompeu relações com a Igreja Unida (criada em 1958) e firmou novo convênio com a missão da Igreja do Sul.



Duas questões candentes da época foram o ecumenismo e a postura social. A igreja enviou representantes à assembléia do Conselho Mundial de Igreja em Amsterdã (1948) e observadores a outras assembléias. Missionários como Richard Shaull deram ênfase a questões sociais, influenciando os seminários e a mocidade da igreja. O Supremo Concílio de 1962 realizou um importante pronunciamento social.



Houve uma forte reação conservadora no Supremo Concílio de 1966, em Fortaleza, com a eleição de Boanerges Ribeiro, reeleito em 1970 e 1974. As principais preocupações do período foram a ortodoxia, a evangelização e a rejeição do ecumenismo. Multiplicaram-se os processos contra pastores, igrejas locais e concílios.



Nessa época surgiram alguns grupos dissidentes, como o Presbitério de São Paulo e a Aliança de Igrejas Reformadas (1974), que defendiam maior flexibilidade doutrinária. Em setembro de 1978, na cidade de Atibaia, foi criada a Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP).



10.2 Igreja Presbiteriana Independente



A IPI inicialmente teve uma postura menos rígida que a IPB, mas a partir de 1972 tornou-se mais inflexível quanto ao ecumenismo e à renovação carismática. Em 1978 admitiu aos seus presbitérios os três primeiros missionários da sua história, Richard Irwin, Albert James Reasoner e Gordon S. Trew, que antes colaboravam com a IPB. Em 1973, um segmento separou-se para formar a Igreja Presbiteriana Independente Renovada, que depois se uniu a um grupo semelhante egresso da IPB, formando a Igreja Presbiteriana Renovada.



10.3 Igreja Batista



No período em questão, os batistas foram caracterizados por forte ênfase evangelística, tendo realizado grandes campanhas. Billy Graham pregou no Maracanã durante o X Congresso da Aliança Batista Mundial (julho de 1960). O pastor João Filson Soren, da 1ª Igreja Batista do Rio, foi eleito presidente da Aliança Mundial. Em 1965 foi realizada a Campanha Nacional de Evangelização como uma resposta ao golpe de 1964. Seu lema foi “Cristo, a Única Esperança”, indicado que soluções meramente políticas eram insuficientes. Seu coordenador foi o pastor Rubens Lopes, da Igreja Batista de Vila Mariana, em São Paulo. Houve ainda a Campanha das Américas (1967-1970) e a Cruzada Billy Graham, no Rio de Janeiro, em 1974, tendo como presidente o pastor Nilson do Amaral Fanini. Houve também uma Campanha Nacional de Evangelização em 1978-1980.



10.4 Igreja Metodista



No início dos anos 60, Nathanael Inocêncio do Nascimento, reitor da Faculdade de Teologia, liderou o “esquema” nacionalista que visava substituir os líderes missionários do Gabinete Geral por brasileiros (saíram Robert Davis e Duncan A. Reily e entraram Almir dos Santos e Omar Daibert, futuros bispos).



Os universitários e estudantes de teologia pleiteavam uma igreja mais voltada para a ação social e a política. A ênfase na justiça social dominou a Junta Geral de Ação Social (Robert Davis, Almir dos Santos) e a Faculdade de Teologia. Dom Helder Câmara paraninfou a turma de 1967. No ano seguinte, uma greve levou ao fechamento da Faculdade e à sua reestruturação.



De 1968 em diante a igreja voltou-se para problemas internos como o regionalismo. Em 1971 cada um dos seis concílios regionais elegeu, pela primeira vez, o seu próprio bispo (os bispos sempre tinham sido eleitos no Concílio Geral, como superintendentes gerais da igreja) e surgiram vários seminários regionais. Essa tendência perdurou até 1978.



Nos anos 70 a IMB investiu na educação superior. No campus da antiga Faculdade de Teologia surgiu o Instituto Metodista de Ensino Superior e em 1975 o Instituto Piracicabano (fundado em 1881) foi transformado em Universidade Metodista de Piracicaba. Em 1982 foi elaborado o Plano Nacional de Educação Metodista, cuja fundamentação deu ênfase ao conceito do Reino de Deus e à teologia da libertação.



10.5 Igreja Luterana


Em 1968, os quatro sínodos, originalmente independentes um do outro, integraram-se em definitivo na IECLB, aceitando uma nova constituição. No VII Concílio Geral (outubro de 1970) foi aprovado unanimemente o “Manifesto de Curitiba,” contendo o posicionamento político-social da igreja. Esse manifesto foi entregue ao presidente Emílio Médici por três pastores. Em 1975 entrou em vigor a reforma do currículo da faculdade de teologia de São Leopoldo, refletindo as prioridades da igreja.



11. Igrejas pentecostais e neopentecostais



As três ondas ou fases do pentecostalismo brasileiro foram as seguintes: (a) décadas de 1910-1940: chegada simultânea da Congregação Cristã no Brasil e da Assembléia de Deus, que dominaram o campo pentecostal por 40 anos; (b) décadas de 1950-1960: fragmentação do pentecostalismo com o surgimento de novos grupos – Evangelho Quadrangular, Brasil Para Cristo, Deus é Amor e muitos outros (contexto paulista); (c) anos 70 e 80: advento do neopentecostalismo – Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e outras (contexto carioca).



(a) Congregação Cristã no Brasil: fundada pelo italiano Luigi Francescon (1866-1964). Radicado em Chicago, foi membro da Igreja Presbiteriana Italiana e aderiu ao pentecostalismo em 1907. Em 1910 (março-setembro) visitou o Brasil e iniciou as primeiras igrejas em Santo Antonio da Platina (PR) e São Paulo, entre imigrantes italianos. Veio 11 vezes ao Brasil até 1948. Em 1940, o movimento tinha 305 “casas de oração” e dez anos mais tarde 815.



(b) Assembléia de Deus: teve como fundadores os suecos Daniel Berg (1885-1963) e Gunnar Vingren (1879-1933). Batistas de origem, eles abraçaram o pentecostalismo em 1909. Conheceram-se numa conferência pentecostal em Chicago. Assim como Luigi Francescon, Berg foi influenciado pelo pastor batista William H. Durham, que participou do avivamento de Los Angeles (1906). Sentindo-se chamados para trabalhar no Brasil, chegaram a Belém em novembro de 1910. Seus primeiros adeptos foram membros de uma igreja batista com a qual colaboraram.



(b) Igreja do Evangelho Quadrangular: fundada nos Estados Unidos pela evangelista Aimee Semple McPherson (1890-1944). O missionário Harold Williams fundou a primeira IEQ do Brasil em novembro de 1951, em São João da Boa Vista. Em 1953 teve início a Cruzada Nacional de Evangelização, sendo Raymond Boatright o principal evangelista. A igreja enfatiza quatro aspectos do ministério de Cristo: aquele que salva, batiza com o Espírito Santo, cura e virá outra vez. As mulheres podem exercer o ministério pastoral.



(c) Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo: fundada por Manoel de Mello, um evangelista da Assembléia de Deus que depois tornou-se pastor da IEQ. Separou-se da Cruzada Nacional de Evangelização em 1956, organizando a campanha “O Brasil para Cristo”, da qual surgiu a igreja. Filiou-se ao CMI em 1969 (desligou-se em 1986). Em 1979 inaugurou seu grande templo em São Paulo, sendo orador oficial Philip Potter, secretário-geral do CMI. Esteve presente o cardeal arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns. Manoel de Mello morreu em 1990.



(d) Igreja Deus é Amor: fundada por David Miranda (nascido em 1936), filho de um agricultor do Paraná. Vindo para São Paulo, converteu-se numa pequena igreja pentecostal e em 1962 fundou sua igreja em Vila Maria. Logo transferiu-se para o centro da cidade (Praça João Mendes). Em 1979, foi adquirida a “sede mundial” na Baixada do Glicério, o maior templo evangélico do Brasil, com capacidade para dez mil pessoas. Em 1991 a igreja afirmava ter 5.458 templos, 15.755 obreiros e 581 horas diárias em rádios, bem como estar presente em 17 países (principalmente Paraguai, Uruguai e Argentina).



(e) Igreja Universal do Reino de Deus: fundada por Edir Macedo (nascido em 1944), filho de um comerciante fluminense. Trabalhou por 16 anos na Loteria do Estado, período no qual subiu de contínuo para um posto administrativo. De origem católica, ingressou na Igreja de Nova Vida na adolescência. Deixou essa igreja para fundar a sua própria, inicialmente denominada Igreja da Bênção. Em 1977 deixou o emprego público para dedicar-se ao trabalho religioso. Nesse mesmo ano surgiu o nome IURD e o primeiro programa de rádio. Macedo viveu nos Estados Unidos de 1986 a 1989. Quando voltou ao Brasil, transferiu a sede da igreja para São Paulo e adquiriu a Rede Record de Televisão. Em 1990 a IURD elegeu três deputados federais. Macedo esteve preso por doze dias em 1992, sob a acusação de estelionato, charlatanismo e curandeirismo.

Alderi de Souza Lima