2015/04/08

Justificação: O Coração do Evangelho

Prefácio



A Justificação Pela Fé Somente


Introdução



A importância dessa verdade também pode ser vista no tipo de atenção que Satanás dá a ela. Ao longo da história da igreja, Satanás tem atacado a verdade da justificação pela fé somente. Alguns de seus ataques mais enganosos têm sido e são feitos quando ele distorce a linguagem, usando as palavras "justificação pela fé", mas fazendo elas significarem algo diferente. Na maioria das vezes, Satanás ataca o uso da palavra "somente". Aqueles que identificam sua posição como "Visão Federal" estão atacando esta verdade fundamental e preciosa, o fazendo da maneira mais enganosa possível. Eles falam sobre o fato de que a justificação é pela fé e pela graça, mas eles acrescentam que a justificação não é apenas pela fé, mas também pelas obras que fluem da fé. O resultado é que a justificação não é pela fé somente!

E a importância da verdade da justificação pela fé somente é experimentada. Foi assim na vida de Martinho Lutero. E todo crente tem momentos em que ele se pergunta como pode comparecer diante do Deus santo, cujos olhos não contemplarão a iniquidade. Todo crente tem consciência de seus pecados e da presença da grande maldade dentro de si. Nós nos perguntamos: quando o grande dia do julgamento vier, como saberei que eu poderei comparecer àquele tribunal sem terror? Ali, tudo que eu fiz, disse e pensei, será exposto. Como posso ansiar por esse dia com um confortável senso do favor de Deus? Como posso ter essa certeza quando a minha consciência me acusa que eu terrivelmente tenho transgredido todos os mandamentos de Deus? Como posso ter essa certeza quando outros apontam os meus erros? Como posso comparecer diante de Deus? Por que Ele me recebe? A resposta a estas profundas perguntas é encontrada apenas na verdade da justificação pela fé somente. No que diz respeito a experiência de cada filho de Deus, esta verdade é o coração do Evangelho.

O Que é a Justificação?

"Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou" - Rm 8:28-30.



"Contente-se por causa do sangue de Cristo por não imputar a nós, pobres pecadores, nossas transgressões, nem a depravação a qual está sempre cravada em nós"3.
"Ainda que a minha consciência me acuse de ter transgredido gravemente todos os mandamentos de Deus, e não ter guardado nenhum deles, e ainda ser inclinado a todo o mal, todavia, Deus me dá, sem nenhum mérito meu, mas apenas por pura graça, a perfeita satisfação, a justiça e a santidade de Cristo; como se eu nunca tivesse tido nem cometido pecado algum"4.

O segundo elemento da justificação é Deus declarando à consciência do pecador eleito que ele é justo. Simplificando, ser justo é estar certo aos olhos de Deus, porque a lei de Deus foi perfeitamente cumprida. Deus declara que em Cristo, o pecador temente a Deus tem cumprido a Sua lei (Cf. Rm 5:19). Não importa o que meus olhos veem ou o que os outros dizem que veem em mim. Justiça, significa que Deus declara que o que eu tenho feito é certo. Novamente, o Catecismo de Heidelberg coloca isto muito bem: "Como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim"5. Esta é a realidade desse segundo elemento da justificação que torna a simples definição de justificação (simplesmente como se eu nunca tivesse pecado) simplista, porque não fala de justiça. Justificação significa que Deus declara alguém justo. Esta é uma justiça real. Deus, o juiz perfeito declara o pecador eleito, regenerado e chamado, justo. O pecador justificado é ciente de que ele é digno de ser condenado à condenação eterna, mas Deus, por Sua própria boa vontade, por pura graça, por amor a Cristo, declara que este pecador é perfeitamente justo, e, portanto, digno da amizade íntima com Deus, tanto agora quanto na eternidade no céu. A presente relação com Deus é que o justificado é um filho de Deus, graciosamente adotado em Sua família. E ele é um herdeiro da vida eterna. Os filhos são herdeiros, coerdeiros com Cristo da vida eterna com Deus (Cf. Rm 8:17).

"Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem" - Rm 3:20-22.
Jesus obteve esta justiça absolutamente perfeita. Ele fez isso por meio de Sua perfeita obediência à lei de Deus e o Seu sofrimento de toda a pena por nossos pecados. Em Sua vida e sofrimento, Jesus foi feito pecado por nós. Ele foi contado entre os pecadores. Nossos pecados foram imputados a Ele, portanto Ele carregou todos os nossos pecados e toda a nossa maldade. Ele veio à semelhança da nossa carne pecaminosa, a fim de suportar a ira de Deus por todos os nossos pecados. Romanos 4:25 declara que Ele foi entregue à morte por causa de, por conta de, nossas ofensas. Sua obra de suportar a ira de Deus foi uma obra perfeita, realizada por causa de uma terna obediência a Deus. Esta obra mereceu o perdão e a justiça. Ele pagou integralmente a nossa dívida e adquiriu para nós uma justiça tão perfeita que Deus teve que ressuscitá-Lo dos mortos. Jesus já não estava mais sob o poder da morte e da sepultura. Toda a nossa maldade e todos os nossos pecados foram perdoados (Cf. 2 Co 5:21Is 53:1-11)


Como a Justificação é Nossa?



A fé é o instrumento mais adequado para nos dar o conhecimento de nossa justificação. Isto é assim porque a fé é uma crença e não uma obra. Dizer "" é dizer "não obra". A fé é o oposto de obras. A fé é um dom de Deus, não de obras, para que ninguém se glorie (Ef 2:8-9). A fé é o vínculo que une uma pessoa a Cristo. Deus objetivamente une todos os eleitos a Cristo na eleição. No momento em que Deus regenera os eleitos, Ele objetivamente nos enxerta, por meio da fé, em Cristo. Este é o poder da fé. Este poder da fé se torna ativo, de modo que aqueles que estão objetivamente enxertados em Cristo, subjetivamente se mantêm n'Ele. Eles O abraçam, ou "permanecem n'Ele", assim como Jesus disse em João 15. A fé conhece e confia em Cristo, para a justiça. Ela abraça Jesus Cristo como Ele é proclamado no Evangelho. Nós confiamos n'Aquele em quem cremos. Eu sei em quem tenho crido e estou certo de que Ele é capaz de tirar o meu pecado, pagar por ele e adquirir a justiça a qual Ele credita em minha conta. A fé simplesmente crê - permanecendo na verdade que Deus revelou em Sua Palavra.

"Eu compareço perante Ele, não com base no que vejo, mas com base no que Deus tem me ensinado em Sua Palavra. A Bíblia me diz que, quando Jesus morreu, Ele morreu pelo pecado. E quando Ele viveu, realizando perfeitamente a vontade do Pai, Ele adquiriu para aqueles a quem Ele representava, uma justiça perfeita. Deus, por amor a Jesus, credita esta justiça em minha conta. Deus me permite comparecer diante d'Ele nesta justiça".
"Portanto, a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça". "Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei"; "pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus" "pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei" - Rm 4:16, 3:20, 23-24, 28.
"Sabemos que ninguém é justificado pela prática da lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será justificado".
"Por que você diz que é justo somente pela fé? Eu o digo não porque sou agradável a Deus graças ao valor da minha fé, mas porque somente a satisfação por Cristo e a justiça e santidade d'Ele me justificam perante Deus. Somente pela fé posso aceitar e possuir esta justificação"6.
"Mas por que as nossas boas obras não podem nos justificar perante Deus, pelo menos em parte? Porque a justiça que pode subsistir perante o juízo de Deus deve ser absolutamente perfeita e completamente conforme a lei de Deus. Entretanto, nesta vida, todas as nossas obras, até as melhores, são imperfeitas e manchadas por pecados"7.

"Nossas boas obras, então, não têm mérito? Deus não promete recompensá-las, nesta vida e na futura?" Sim, as nossas boas obras recebem uma recompensa, mas "essa recompensa não nos é dada por mérito, mas por graça"8.

Paz com Deus


"Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas? Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica" - Rm 8:31-33.
"Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós" - Rm 8:34.




A Justificação e as Boas Obras


Introdução

"Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados! Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa".
"Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada [imputada ou contada]como justiça".
A única base deste ato de Deus, o juiz, em pronunciar o pecador ímpio - no entanto um pecador crente - justo, é a obediência de Jesus Cristo no lugar do pecador. A base é tanto a obediência de Cristo à lei de Deus, ao longo de Sua vida, quanto a morte de Cristo como sendo a satisfação plena e perfeita da justiça de Deus em relação à culpa do pecador eleito. Paulo escreve em Romanos 5:19 que é pela obediência de um só, isto é, Jesus Cristo, que muitos são "constituídos"10 justos, da mesma forma como todos nós fomos constituídos culpados pela "desobediência de um só homem". A única justiça que é válida no tribunal celestial de Deus, o juiz - o qual é temível em Sua santidade - é a justiça adquirida pelo próprio Deus por meio da obediente vida e morte de Seu próprio Filho encarnado, Jesus Cristo.


Esta justiça, que é a própria justiça de Deus e a única justiça que é válida perante Deus de modo a obter o veredicto "inocente" e a deixar as portas da vida eterna abertas para o pecador; esta justiça, eu digo, é concedida ao pecador por meio da fé, e por meio da fé somente. Este é o ensino do apóstolo em Romanos 3:28: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé somente sem as obras da lei"11. A fé em Jesus Cristo é o meio, o instrumento, pelo qual o pecador recebe a justiça por meio da imputação, de modo que sua posição perante Deus, o juiz, é como se ele nunca tivesse pecado, como se ele mesmo tivesse obedecido perfeitamente a lei de Deus e, como se ele mesmo tivesse pago plenamente por todos os seus pecados e merecido a vida eterna. A medida que Romanos 3:28 contrasta fé com "as obras da lei", o apóstolo de fato ensina que a justificação é pela fé somente.

Quando Martinho Lutero traduziu Romanos 3:28 pela palavra allein em alemão, que é a palavra "somente", tornando o texto, "o homem é justificado pela fé somente sem as obras da lei", ele capturou o significado do Espírito Santo e traduziu o texto corretamente. Esta compreensão de Romanos 3:28Gálatas 2:16 e outros textos, ou seja, que esses textos ensinam que somos justificados pela fé somente, é confessional para todos os reformadas. O Catecismo de Heidelberg, por exemplo, responde à pergunta "Como é que você é justo diante de Deus?" Desta maneira: "Somente pela verdadeira fé em Jesus Cristo"12. Que grande verdade do Evangelho é esta. Lutero e toda a Reforma Protestante declararam que a justificação é o coração do Evangelho bíblico. Calvino concordou, chamando a justificação pela fé somente, em suas Institutas:
"A principal dobradiça sobre a qual a religião se dependura".


Somado à urgência de uma correta compreensão da relação entre a justificação e as boas obras, está o ataque contra a justificação pela fé somente por determinados inimigos desta verdade. Este ataque contra a justificação pela fé somente é motivado, supostamente, em nome das boas obras. A urgência é agravada hoje dentro da comunidade de igrejas reformadas, por causa de um ataque à justificação pela fé somente, em nome de uma ênfase em boas obras vinda de dentro das próprias igrejas reformadas. Na verdade, este ataque à justificação pela fé somente está sendo provocado por proeminentes e influentes teólogos reformados, professores de seminários e ministros do Evangelho. Estes homens são porta-vozes de um movimento conhecido como "Visão Federal", que é, literalmente, "Visão Pactual", porque é o desenvolvimento de uma determinada doutrina do pacto. Intrínseco a esta doutrina do pacto está um ataque à justificação pela fé somente. Este ataque é defendido como uma promoção das boas obras na vida do cristão.


O Ataque à Justificação em Nome das Boas Obras


"Esse ensinamento [isto é, a doutrina da justificação pela fé somente] não torna as pessoas negligentes e ímpias?"19
Eu não levo a sério a preocupação fingida de Roma por uma vida de santidade e por boas obras. Nem ninguém deveria levar a sério a preocupação fingida de Roma por boas obras. Quando Roma coloca a máscara de piedade e mostra preocupação de que os reformados protestantes têm falta de santidade, eu dou gargalhadas. É uma piada que tal igreja sórdida no tempo da Reforma, tenha criticado o protestantismo por impiedade. É ridículo que tal igreja com sodomia e homossexualidade generalizada, a qual encobria a iniquidade dos níveis mais altos, até que a imprensa secular denunciou suas perversões, tenha censurado os cristãos reformados por negligência. É pura hipocrisia que tal igreja que aceita Ted Kennedy e a maior parte da máfia como membros de boa reputação, e que dará a esses homens refinadas missas de funeral quando morrerem e perecerem eternamente, tenha sequer dado um pio sobre a justificação e as boas obras. No entanto, nós estamos interessados ​​nas acusações de Roma, porque elas são as mesmas acusações que também têm sido levantadas por outros inimigos da justificação pela fé somente.

O segundo notável ataque à justificação, o qual supostamente ocorre porque a doutrina é prejudicial à santidade de vida e boas obras, vem dos arminianos. Isso não é tão popular entre nós, porque nós nos concentramos na negação deles da eleição, expiação eficaz aos eleitos somente, graça soberana e a perseverança dos santos. Mas os arminianos negam a justificação pela fé somente também. E eles a negam, de acordo com eles, porque veem esta como prejudicial à responsabilidade humana e a vida de santidade. Os Cânones de Dort falam deste aspecto da heresia arminiana e condenam o erro que "considera a fé e a obediência da fé, ainda que imperfeitas, como a perfeita obediência à lei e que a considera digna da recompensa da vida eterna por meio da graça"20. John Wesley era um verdadeiro filho de Jacó Armínio e Simon Episcopius em sua negação da justificação pela fé somente, como sendo destrutiva à ideia de John Wesley de santidade.

O terceiro eminente ataque à justificação pela fé somente tem vindo, nos últimos trinta anos ou mais, de dentro das próprias igrejas reformadas, de fato, de dentro de igrejas reformadas e presbiterianas que são amplamente famosas por serem as igrejas presbiterianas e reformadas mais conservadoras. Refiro-me ao movimento que promove uma teologia conhecida como "Visão Federal", um movimento que é influenciado por um entendimento sobre Paulo, especialmente em Romanos e Gálatas, que difere do entendimento que Lutero tinha sobre Paulo, que Calvino tinha, que toda a tradição reformada tem tido, especialmente, que as confissões reformadas têm. Essa é chamada "A Nova Perspectiva Sobre Paulo". Pelo fato dessa negação da justificação pela fé somente ter surgido, e estar sendo nutrida no seio das igrejas reformadas supostamente conservadoras, e pelo fato dela se basear em uma popular, na verdade a predominante, doutrina do pacto, este ataque à justificação pela fé somente é o mais perigoso ataque aos cristãos reformados professos de hoje. Na verdade, eu considero esta heresia como a mais grave ameaça à fé reformada desde o Sínodo de Dort.


O argumento fundamental contra a justificação pela fé somente é este: o crente somente será motivado a ser zeloso pelas boas obras se ele supor que a sua justificação depende dessas boas obras, ou é obtida por meio dessas boas obras, ou se ele for impulsionado pela terrível condenação que suas boas obras o tornarão digno de ser justificado por Deus. Este é o argumento fundamental. A única motivação para o zelo em fazer boas obras é a suposição de que as boas obras são a base ou o fundamento da justiça, que essas boas obras são a condição para a salvação, que essas boas obras fazem de alguém digno da vida eterna. Se este argumento é errado - e o Evangelho da Escritura diz que ele é absolutamente errado -, todo o argumento contra a justificação pela fé somente entra em colapso.





O ponto de vista sobre a justificação defendida por todos aqueles que atacam a justificação pela fé somente é este: a justificação não é um ato estritamente jurídico de Deus, mas também uma obra de renovação e santificação, na verdade, uma obra para fazer o pecador bom. A justificação, neste caso, não depende inteiramente da obediência de Cristo por nós e fora de nós, mas isso também depende, em parte, de nós mesmos, de nossa própria obediência e de nossas próprias boas obras. E, por esse ponto de vista, a justificação não consiste apenas da obediência e da justiça de Jesus Cristo, a perfeita justiça de Cristo estabelecida por meio de Sua vida de obediência e Sua morte expiatória em nosso lugar, mas sim, a justiça que é legalmente declarada por Deus na justificação é também, em parte, a nossa própria - a nossa própria justiça imperfeita, estabelecida por nossas próprias boas obras imperfeitas.





Quanto à recompensa prometida, nós respondemos que a Bíblia realmente nos promete uma recompensa por nossas boas obras. Mas esta recompensa é uma recompensa da graça, não uma recompensa que adquirimos, nem uma recompensa que merecemos, e nem um salário que Deus nos dá pelo nosso trabalho. A recompensa é da graça, porque Deus, em Sua graça eternamente ordenou as boas obras para que as praticássemos (Cf.Ef 2:10). A recompensa é da graça, porque por meio de Sua morte, Jesus Cristo adquiriu para nós o direito de realizarmos boas obras (Cf. Tt 2:14). É um privilégio fazer boas obras a serviço de Deus. A recompensa é a recompensa da graça, porque o próprio Espírito de Cristo realiza essas obras em nós e através de nós (Cf. Fp 2:13). A recompensa é uma recompensa da graça, porque quando Deus aceita nossas obras, Ele primeiro justifica, ou absolve, todas as boas obras quanto à corrupção e pecado que mancha cada uma delas. E a recompensa é uma recompensa da graça, porque quando Deus nos dá a recompensa, que é a vida eterna e o lugar que temos em glória, Ele o faz, não porque Ele deva isso a nós, mas em livre favor24.

No que diz respeito ao argumento contra a justificação gratuita que apela para o julgamento final e para o fato de que seremos julgados segundo as nossas obras, é certamente verdade que o nosso julgamento no último dia do mundo, será a justificação daqueles que creem em Jesus Cristo. Esta será uma justificação pública. Hoje, quando eu creio em Jesus Cristo, eu sou justificado em particular. Eu e Deus sabemos que eu sou justificado pela fé em Cristo. Mas chegará um dia em que eu estarei diante de Deus, o juiz, na presença de todo o mundo, eleitos e réprobos, demônios e anjos, e então Deus tornará público a justificação que agora é privada. Esta justificação no juízo final será um ato estritamente legal de Deus. Isso não vai ocorrer, nem a Escritura nunca o disse, por causadas nossas obras, ou com base nas nossas obras. Mas isso acontecerá de acordo com nossas obras como uma espécie de critério. Nesse julgamento final, a base única para a nossa justificação será o que é hoje, ou seja, a obediência de Jesus Cristo em nosso lugar. Graças a Deus por isso! Se isso não fosse verdade, nós não teríamos nenhuma esperança. Mas, naquele dia, as boas obras que realizamos com a graça de Deus serão exibidas por Deus, absolvidas de toda a corrupção que as contaminaram, de modo que essas obras apresentarão e demonstrarão a realidade do gracioso julgamento e salvação de Deus a nós para o Seu louvor.


Terceiro, a nossa resposta é que o pacto é incondicional. Deus promete e cumpre o pacto para com Jesus Cristo e todos os eleitos em Cristo por mera graça, assim como Gálatas 3:16 e Gálatas 3:29 ensinam. Gálatas 3:16 ensina que a promessa do pacto à semente de Abraão era uma promessa a Cristo, que é a semente de Abraão. A promessa do pacto nunca foi direcionada a toda a descendência física de Abraão. De acordo com Gálatas 3:29, aqueles, e somente aqueles, que pertencem a Cristo por divina eleição são incluídos na semente de Abraão e são objetos da promessa. Hoje toda a igreja reformada e presbiteriana conservadora mundial é advertida por Deus, através da teologia da "Visão Federal", que a doutrina de um pacto condicional é a rejeição do Evangelho da salvação pela graça. E toda a igreja reformada mundial está sendo testada com relação à confissão fundamental das igrejas reformadas ao longo das eras, que a salvação é pela graça somente.


A Verdade de Tiago 2



A explicação de Tiago 2 dada pelos inimigos da justificação pela fé somente é a seguinte: Tiago ensina a justificação, como sendo um ato de Deus pelo qual o pecador se torna justo, é de fato por meio das boas obras do pecador, de modo que a justiça do pecador é, em parte, sua própria obediência à lei de Deus. De acordo com os defensores da justificação pela fé e obras, Deus leva em conta as obras do pecador no ato da justificação. Tiago deve ser harmonizado com Paulo, desta forma, apesar dos dois estarem falando de justificação no mesmo sentido, eles têm diferentes obras em vista. As obras que Paulo exclui da justificação em Romanos 3:28 são apenas as obras cerimoniais e as obras que são feitas para merecer a salvação. Por outro lado, dizem eles, as obras queTiago tem em vista são as verdadeiras boas obras que procedem da fé.




"Cumpriu-se assim a Escritura que diz: Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça."



A Relação entre Justificação e Obras



Segundo, as boas obras são frutos da justificação desta forma: o pecador perdoado, livre da culpa e vergonha do pecado, e, portanto, livre da morte e do inferno, e para quem agora o céu está aberto, e sobre quem a alegre face de Deus agora brilha, adorará o seu gracioso Salvador. E este amor grato por Deus é o motivo de uma vida de boas obras. Oh, ele é um forte motivo para o zelo por boas obras. Este foi o ensinamento de Jesus sobre a relação entre a justificação e as boas obras na parábola dos dois devedores em Lucas 7:42: "Nenhum dos dois tinha com que lhe pagar, por isso perdoou a dívida a ambos. Qual deles o amará mais?". Se somos perdoados, amaremos. E se somos perdoados muito, amaremos muito. Sem o amor por Deus por uma justificação graciosa, nem sequer uma boa obra é possível. Devemos ouvi-Lo dizer à nossa alma: "Meu filho, minha filha, adotado na cruz, eu livremente perdoo todos os seus pecados. Eu concedo a ti a justiça de Meu Filho". Então seremos zelosos por boas obras - não podemos fazer nada mais, senão, ser zelosos por boas obras.


"Você faz uma confissão ortodoxa, enquanto vive perversamente? Satanás também o faz. Você não sabe, oh homem fútil, que a fé sem obras é morta?"


A Justificação e o Cristão


Introdução

Ainda falta ser falado sobre um assunto nesta oportuna e enriquecedora conferência sobre o tema: "A Justificação pela Fé Somente". Os oradores que me antecederam explicaram cuidadosamente a verdade sobre o tema. E pelo fato de quase todos os ataques contra este terem, através dos tempos, tomado o mesmo formato, ou seja, introduzido as obras do pecador como base para a nossa justificação, estes oradores fizeram cuidadosamente a distinção entre justificação e santificação, mostrando a relação necessária entre elas, e demonstrando que a justificação ocorre tanto objetiva como subjetivamente, sem nenhuma conexão com as nossas obras, sejam elas boas ou más, em corpo ou alma, da carne ou do espírito regenerado. Foi demonstrado que, quando se trata de justificação, as nossas obras simplesmente não têm lugar algum. O que foi ensinado é a verdade da justificação como geralmente tem sido compreendida pela igreja por cerca de 2000 anos, mas especialmente desenvolvida, formulada e ensinada pela igreja da Reforma contra os erros perniciosos de Roma e dos arminianos. A única coisa que falta nesta conferência é explicar o significado dessa verdade para a vida cotidiana do cristão.

"O artigo sobre o qual a igreja permanece ou cai"
"A principal dobradiça sobre a qual religião se dependura".


Primeiro, para que os crentes sejam incentivados a batalhar com grande zelo e sacrifício pessoal por esta verdade e contra o erro. Mesmo agora, líderes reformados e presbiterianos supostamente conservadores audaciosamente afirmam que esta verdade desenvolvida, formulada e ensinada pela igreja da Reforma, é deformada, ilegítima e doentia. Na opinião deles, milhares de crentes ofereceram suas costas ao chicote, sua língua à faca, sua boca à mordaça e seu corpo ao fogo, não por causa da verdade da Palavra de Deus, mas por um colossal erro teológico cometido pelos nossos pais reformados. Este mais recente ataque, que tem por nome "Visão Federal", faz mais do que menosprezar o alto preço que cristãos reformados do passado pagaram para manter esta verdade, ela é desprezível por si só.


A Justificação Estabelece a Justiça de Deus e
Nossa Relação Legal com Todas as Coisas


"[Toda a questão é apenas um dos] pedidos pela ajuda do grande Médico, que recebe seu pagamento e, em seguida, é despedido com poucos agradecimentos. A questão da justiça não entra no assunto de forma alguma; conquanto que o pecador seja santificado, está tudo bem."25

"O que Deus mais estritamente condena na Sua santa lei, é a justificação dos ímpios, o que, Ele disse sobre Si mesmo que jamais faria e o que, mesmo assim, Ele faz. Mas Ele o faz sem comprometer a Sua justiça. Esta é a maravilha do Evangelho"30 (Cf. Dt 25:1; Êx 23:07).
"O direito regula as relações. O direito é a base, especialmente das relações interpessoais. Tudo é primeiramente estabelecido e desenvolvido em uma base legal, aquela do direito."31
"É evidente que a regeneração, chamado e conversão, sim, até mesmo a completa reforma e santificação, não são suficientes. Pois, embora estes sejam muito gloriosos e livrem o homem do pecado, da mancha e poluição [...] ainda assim eles não tocam em sua relação jurídica com Deus. Todo membro da igreja deve[...] perceber a sua posição jurídica perante Deus, agora e para sempre, que ele não é apenas homem ou mulher, mas uma criatura que pertence a Deus, absolutamente controlada por Deus, culpada e punível quando não age de acordo com a vontade de Deus."32

A Justificação e Nossa Relação com a Igreja

A justificação é fundamental para a nossa relação com a igreja de Jesus Cristo. Primeiramente, ela implica que a correta membresia da igreja é essencial. Para usufruir dos benefícios da justificação pela fé somente, a pessoa deve ser um membro de uma igreja onde a justificação seja ensinada e crida. A razão é que a justificação é recebida por meio da adoração pública. Por suas palavras de adoração, o publicano foi justificado, e por suas palavras de adoração o fariseu foi condenado (Mt 12:37). A declaração de Cristo que alguém é justificado, é ouvida apenas através da pregação pública e adequada do Evangelho por ministros chamados e enviados. Cristo tem de falar, pois só Deus pode perdoar os pecados. Só Deus pode justificar. E Ele escolhe fazê-lo através da pregação. Além disso, a pregação - a qual tem em seu âmago a proclamação de que os pecadores que creem em Cristo são justificados - é a marca principal da verdadeira igreja.



No que diz respeito a nossa relação com a igreja, a justificação também serve como base para a nossa essencial unidade como membros da igreja e o justo julgamento uns dos outros. É neste contexto que Calvino falou do julgamento de amor ou de caridade. Ele observou que devido a impiedade e hipocrisia sempre ter existido na igreja e em todo membro, a santificação por si só não pode ser usada como uma marca da verdadeira igreja, ou de qualquer membro, a favor do assunto. O julgamento deve ser de acordo com o amor, isto é, de acordo com a forma como nós mesmos seríamos julgados por outros crentes à luz da graciosa justificação de Deus sobre nós. Era disto que Jesus estava falando quando disse: "Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos" - Jo 7:24 - e "da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados" - Mt 7:2. Devemos ter isso em mente na nossa relação com o próximo. Nós somos até mesmo obrigados a orar: "Perdoa os nossos pecados, assim como nós perdoamos os pecados dos outros".

"A justificação liberta a todos os crentes igualmente da ira vingadora de Deus, e isto perfeitamente nesta vida, de modo que eles nunca mais caem na condenação. A santificação não é igual em todos os crentes e nesta vida não é perfeita em crente algum."33

A Justificação e Nossa Relação com o Mundo: Nossa Carne e Pecado


"[Cristo] levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça."
"Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? De maneira nenhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?"

"Sei que sou pecador desde que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe".
"Com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado" - Rm 7:25.
O crente deve também reconhecer a presença do pecado dentro de si, porque a fé é contada como justiça ao homem que "confia em Deus que justifica o ímpio" - Rm 4:5. Eu acredito que isso seja verdade, mesmo quando se fala da justificação subjetiva. Os benefícios da justificação são experimentados continuamente em nossas vidas, não somente quando humildemente confessamos a nossa depravação e pecados passados, mas especialmente quando confessamos que, embora sendo santos justificados e santificados, continuamos pecadores em nossa carne. Temos de aceitar a responsabilidade pessoal pela nossa depravação e pelo pecado que provêm desta, como no dilúvio. Caso contrário, nós nos tornamos "o todo" que não precisa do médico e "o justo" que não precisa de arrependimento (Mc 2:17-18). Nas palavras de Calvino:
"Para obter a justiça de Cristo, devemos abandonar a nossa própria justiça [...]. O coração não pode estar aberto para receber a misericórdia de Deus a menos que esteja absolutamente vazio de toda a opinião de seu próprio valor."35
O texto acima, explica por que o Catecismo de Heidelberg inclui uma seção inteira sobre a nossa miséria antes da seção sobre a nossa libertação, onde a justificação é proclamada. Um pregador reformado não pula esta seção e simplesmente continua a pregar a nossa libertação, com a atitude: "Bem, essas coisas sobre o pecado, a nossa miséria e a depravação são coisas que costumávamos ser e que costumávamos precisar de libertação". Isto também está lá para o nosso conforto; está lá para avaliarmos corretamente como nós somos por natureza, pois isto é necessário para desfrutarmos a justificação. É necessário porque Jesus liberta e dá justiça aos pobres, necessitados, oprimidos, humildes, aos que choram, aos cansados ​​e sobrecarregados, aos famintos e sedentos por justiça. Mesmo o justificado, regenerado e santificado apóstolo Paulo ainda poderia confessar:
"Jesus Cristo veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior" - 1 Tm 1:15.
"Mesmo que o crente compartilhe o perdão dos pecados[justificação], ele deve, conscientemente, de dia a dia, continuar se apropriando deste pela fé, a fim de desfrutar da segurança e conforto do mesmo. É verdade que há muitos que continuam vivendo em função de uma experiência passada e se contentam com isso, mas essa não é a vida cristã."36
Entender a mudança da justificação em nossa relação com o pecado - que estamos mortos para o pecado, mas o pecado não está morto em nós - também é importante para que não minimizemos o pecado ou a lei de Deus. Os oradores anteriores já apontaram o notável fato de que aqueles que atacam a verdade da justificação com base de que esta dificulta a realização de boas obras, em geral, não defendem o critério da lei de Deus, ou a mantêm em alta estima. Isto era verdade sobre os auto-justificados fariseus que eram hipócritas quanto a lei nos dias de Jesus. Isto era verdade sobre os arminianos e seguidores de John Wesley. Há uma razão para isso. Se alguém é justificado, em parte, por suas obras de acordo com o critério da lei de Deus, logo esse critério deve ser atingível. Caso contrário, nenhum pecador pode ser justificado.

"Com demasiada frequência deixamos de compreender a gravidade do nosso pecado contra Deus. Esta é a razão pela qual este grande artigo da justificação não é o que deveria ser, no mais profundo íntimo do nosso espírito. Esta é a razão pela qual o Evangelho da justificação é para tais, de certa forma, um som sem sentido no mundo e na igreja do século XX."37

A Justificação e Nossa Relação com o Mundo: A Criação Natural

"Se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas! Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação."
O que tudo isso significa? Em primeiro lugar, o cristão é feito morto para o mundo, assim como ele é feito morto para o pecado. Estamos mortos para os efeitos de todos os males. Eles simplesmente não podem mudar nossa relação com Deus. As más obras cooperam para o nosso benefício, avivando o novo homem e crucificando o velho. Satanás, mesmo quando nos tenta, está servindo o nosso Senhor. Era disto que Calvino estava falando, quando no contexto da justificação, ele observou que, embora nós sejamos redimidos de um mundo que, em outra circunstância nos confina e oprime, todas as coisas agora cooperam juntamente para o nosso bem38. Nosso conforto não está simplesmente na providência de Deus. O nosso conforto, assim como o Catecismo de Heidelberg ensina, é que o Deus da providência é o Pai que estabeleceu aquela nova relação de adoção quando fui justificado39. Bavinck novamente:
"A diferença dos justificados é que em meio a opressão e perseguição, as quais eles são expostos em toda a parte no mundo, eles colocam sua confiança no Senhor e buscam sua salvação e bem-aventurança n'Ele somente. Em nenhum lugar há qualquer libertação para eles, nem em si mesmos nem em qualquer criatura, mas no Senhor seu Deus somente."40
"Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?" - Rm 8:35.
"Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus." "Não amem o mundo nem o que nele há".
"Considero [desde que fui justificado] tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco."
"Na verdade, não há meio-termo entre estes dois. Ou o mundo se tornar inútil para nós, ou nos mantêm presos em um amor imoderado por ele."41



A Justificação e Nossa Relação com Deus: Paz


"Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus" - Lc 16:15.
"Se comparecêssemos diante de Deus, confiando em nós mesmos, ou em qualquer outra criatura, embora apenas um pouquinho, deveríamos ser amaldiçoados! Ser consumidos."44
"Ali Paulo diz que nenhuma paz ou alegria tranquila são mantidas a menos que estejamos convencidos de que somos justificados pela fé. Aqueles que tagarelam sobre sermos justificados pela fé, porque ao nascermos de novo somos justificados por meio de um viver espiritual, nunca provaram a doçura da graça."45


A Justificação e Nossa Relação com Deus:
Adoração que Glorifica a Deus e uma Vida Santa e Grata

"A menos que primeiro você entenda o que é a sua relação com Deus e a natureza do juízo d'Ele para com você, você não tem nem um fundamento sobre o qual estabelecer a sua salvação, nem um sobre o qual construir piedade para com Deus."46https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8015343286526493408#editor/target=post;postID=7613601769589098195
"Tentaremos, para nosso grande mal, roubar do Senhor as graças que devemos por Sua livre bondade."47
"Quem gloria a si mesmo, se gloria contra Deus. O homem não pode, sem sacrilégio, reivindicar para si mesmo nem mesmo uma migalha de justiça, pois esta mesma medida é arrancada e roubada da glória da justiça de Deus."48
Mas quando acreditamos que somos justificados pela fé somente, ali haverá verdadeira e aceitável ação de graças, louvor, honra e glória a Deus manifesto em nossas vidas e na adoração. Isso ocorre porque, como dissemos anteriormente, quando Deus nos justifica, Ele estabelece e nos faz sentir, de uma forma maravilhosa, a Sua justiça, que por sua vez, amplia e exalta Sua graça. É por isso que a Escritura chama o Evangelho da justiça de glorioso Evangelho. O propósito do Senhor ao imputar justiça a nós, de forma graciosa em Cristo, através da justificação pela fé somente, é de "demonstrar a Sua própria justiça" -Rm 3:26. Ele deseja que toda a boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo d'Ele (Rm 3:19-31), pois enquanto o homem tiver alguma coisa a dizer em sua defesa, este diminui a glória de Deus.
"Alguém pode facilmente e prontamente tagarelar sobre o valor das obras para justificar os homens. Mas quando chegamos diante da presença de Deus, somos obrigados a deixar tais coisas de lado. Como responderemos ao Juiz celestial quando Ele nos chamar para prestar contas? Nós mesmos vamos encarar esse Juiz. Não como nossas mentes naturalmente imaginam Ele, mas como Ele é descrito para nós na Escritura. Por cujo brilho as estrelas são escurecidas, por cuja força as montanhas são derretidas, por cuja ira a terra é abalada, cuja sabedoria apanha os sábios na sua própria astúcia, além de para cuja pureza todas as coisas estão contaminadas, cuja justiça nem os anjos podem suportar, Aquele que não faz do homem culpado inocente, cuja vingança, quando uma vez acendida, penetra as profundezas do inferno. Vamos contemplá-Lo, digo eu, sentado em julgamento para analisar os atos dos homens. Quem permanecerá confiante perante seu trono? A resposta é: o homem que é justificado pela fé somente e apenas este homem."49
"O resultado de sermos justificados gratuitamente pela Sua graça é que os crentes atribuem toda a glória a Deus, se humilham perante Deus e reconhecem a si mesmos como realmente são, confiam e se baseiam somente na obediência do Cristo crucificado. Isso nos dá confiança em nos achegarmos a Deus, libertando a consciência do terror, medo e pavor. Portanto, assim como Hebreus 4:16 diz, podemos ir corajosamente até o trono da graça, para alcançarmos misericórdia e acharmos graça para socorro no tempo oportuno."

"Quem sai do artigo da justificação não conhece a Deus e é um idólatra. Pois, quando este artigo é retirado, nada permanece, somente o erro, a hipocrisia, a impiedade e a idolatria, embora isso pareça ser compatível com a verdade, a adoração à Deus e santidade."

Evangelismo e a Fé Reformada


Então, em primeiro lugar, estejamos certos que a fé Reformada não fica constrangida com o evangelismo.

 Os dois não são incompatíveis. Na verdade, a fé Reformada e as igrejas Reformadas possuem o único fundamento real para o evangelismo. São as doutrinas Reformadas da eleição incondicional soberana, da expiação limitada e da graça irresistível que dão uma razão para fazer evangelismo e para esperar frutos nessa grande obra.

Pense nisso dessa forma: como pode haver alguma esperança de pecadores perdidos serem salvos por meio do evangelismo, se a salvação depende do livre-arbítrio deles? Homens e mulheres pecaminosos têm dificuldade de escolher que sapatos calçarão quando se arrumando pela manhã. Como então eles escolheriam ser salvos, especialmente se estão verdadeiramente perdidos? Como pecadores cujas mentes estão obscurecidas pelo pecado (II Co. 4:4), e em inimizade contra Deus (Rm. 8:7), chegam ao conhecimento da verdade, senão pela graça soberana e eficaz, iluminando suas mentes e concedendo-lhes gratuitamente tudo da sua salvação?

É aqui em primeiro lugar, portanto, que o evangelismo Reformado é único. Ele fornece a verdadeira base bíblica para o evangelismo. Ele não crê que Deus ama e deseja a salvação de todos, que Ele enviou Cristo para morrer por todos sem exceção, e que agora depende da livre escolha do homem se ele será salvo ou não.

Antes, a fé Reformada ensina que Deus escolhe quem será salvo (Jo. 1:12-13; 15:16; Rm. 9:16; Fp. 2:13; Tg. 1:18) de acordo com Seu eterno amor por eles em Cristo; que Ele providenciou salvação para eles na morte de Cristo sobre a cruz (Gl. 6:14; Cl. 1:21-22) e que Ele poderosa e infalivelmente dá-lhes essa salvação pela obra e graça irresistível do Espírito Santo (Jo. 6:37, 44; Ef. 2:8-10). Assim, no evangelismo Reformado há a esperança segura que esses serão salvos. Não existe tal esperança no ensino que a salvação depende do querer ou correr do homem.

Mas como a pregação do evangelho se encaixa nisso? Isso não torna a pregação do evangelho desnecessária, conforme a acusação de alguns? Afinal, evangelismo tem a ver com a pregação do evangelho. Isso é o que a palavra "evangelismo" significa.

Ao responder essas questões, a fé Reformada ensina duas coisas sobre a pregação do evangelho. Primeiro, ela insiste, como a Escritura também, que o evangelho é o meio que Deus usa para encontrar os Seus eleitos (Atos 14:47-48) e trazê-los à fé salvadora em Cristo e assim à salvação. Em segundo lugar, a fé Reformada ensina que o evangelho como meio époderoso. Esse poder pelo qual os homens se arrependem e crêem não reside no pecador ou em sua vontade, mas no evangelho. Por ele os pecadores são poderosamente chamados (Rm. 10:17), recebem arrependimento e fé (Atos 11:18), têm sua mente e vontade mudada, e são assim soberana, irresistível e docemente atraídos a Cristo (Rm. 1:16; I Co. 1:18, 24).

É a doutrina do livre-arbítrio, portanto, que destrói o evangelismo. O ensino que Deus ama todos os homens simplesmente reassegura aos pecadores que tudo está bem com eles. A idéia que Cristo morreu por eles somente confirma-os na noção equivocada que sua situação não é de desespero. Dizer que eles têm a escolha crítica em sua própria salvação—que Deus depende e espera por eles—apenas os estabelece em sua rebelião contra Deus e ensina-os que eles são como deuses! Isso não faz nada pela salvação de pecadores perdidos!

Parte II

Nessa edição continuaremos a dar uma perspectiva Reformada sobre o evangelismo. Enfatizamos dessa vez a importante verdade que o evangelismo é nada mais ou menos que a pregação do evangelho! Se estivermos pregando o evangelho, estaremos fazendo evangelismo fielmente.

Embora seja algo óbvio, muitos têm esquecido isso. Assim, eles falam sem fim sobre métodos evangelísticos e gastam grande tempo traçando esquemas complicados e caros de evangelismo para as suas igrejas. Nunca parece entrar na mente deles que evangelismo significa pregação.

Crendo que evangelismo é a pregação do evangelho, rejeitamos a prática terrível, embora velha, de separar a noite de todo Dia do Senhor para uma mensagem evangelística—ensino na manhã, evangelismo à noite. Não há nada bíblico nessa prática.
À parte do fato que tais cultos evangelísticos tendem a degenerar-se em cultos onde a mesma mensagem é ouvida semana após semana, mas toda vez "agarrada" a um texto diferente, para o extremo aborrecimento e frustração daqueles que desejam aprender a verdade, essa prática tem esquecido a simples verdade que toda pregação do evangelho é evangelismo. Não importa sobre qual passagem da Escritura uma pessoa esteja pregando, se ele está pregando apropriadamente, tal pessoa está pregando o evangelho. Não existe tal coisa como uma mensagem "evangelística" especial.

Contudo, talvez cristãos e ministros cristãos tenham esquecido ou não entendem que toda a Escritura revela Cristo e, portanto, é o evangelho no sentido mais pleno da palavra (Jo. 5:38-39). Se a Escritura é propriamente pregada, Cristo é pregado. Se Cristo está sendo pregado, o evangelho está sendo pregado. E se o evangelho está sendo pregado, então pecadores serão salvos por ele. Esse é o meio apontado por Deus para a salvação deles.
Tememos que a prática de ter cultos "evangelísticos" denuncia uma falta de confiança no evangelho como o meio que Deus escolheu usar para a salvação dos Seus. Assim, tais cultos tendem a se tornarem tentativas de despertar emoções, amedontrar as pessoas, ou produzir algum tipo de "decisão." Certamente há pouco da Palavra de Deus exposta em tais cultos e ainda menos dependência do Espírito Santo para produzir fruto.

Mas há outras razões pelas quais é errado devotar um culto de todo Domingo para pregar aos incrédulos. Isso denuncia uma visão errônea da igreja, como se a igreja fosse ordinariamente um lugar para incrédulos, e ignora o ensino de I Coríntios 14:23. Ali a Palavra sugere que não é uma coisa normal, mas sim excepcional um incrédulo comparecer aos cultos de adoração. A igreja é para os crentes e os seus filhos.

Existe outro problema aqui também. É a idéia que a obra de evangelismo cessa tão logo alguém "seja salvo." Se evangelismo é pregar o evangelho, e se pregar o evangelho é pregar e ensinar "todo o conselho de Deus," então a obra de evangelismo terá apenas começado quando uma pessoa se arrepende e crê. Nesse ponto ele ainda precisará pela pregação do evangelho—evangelismo—ter o caminho de Deus exposto mais perfeitamente (Atos 18:26) e ser arraigado e edificado na verdade (Cl. 2:6-7). Esse aspecto do evangelismo é quase inteiramente negligenciado hoje.

Isso não significa, contudo, que não existe diferença entre pregar o evangelho na igreja e àqueles que estão fora da igreja, ou que o povo Reformado crê somente na pregação do evangelho dentro da igreja. O evangelho deve ser pregado em todo lugar que Deus em Seu beneplácito o envia!

Parte III

Temos estabelecido o fato que evangelismo é nada mais nem menos que a pregação do evangelho. Que isso é o que a palavra "evangelismo" significa. Disso segue-se que toda pregação do evangelho é evangelismo, incluindo a pregação àqueles que já foram salvos, os membros da igreja. Esse aspecto do evangelismo é quase inteiramente negligenciado hoje, de forma que o povo de Deus é destruído por falta de conhecimento (Oséias 4:6).
Temos estabelecido também o fato que a pregação do evangelho é pregação de "todo o conselho de Deus," isto é, toda a Escritura. Não há, portanto, tal coisa como, nem qualquer necessidade de uma mensagem "evangélica" especial ou culto "evangelístico," especialmente quando isso é nada mais que discursar para pecadores ou pressioná-los a alguma decisão.

Adicionaríamos que o chamado ao arrependimento e fé não é apenas para os incrédulos. Aqueles que já foram salvos precisam ouvir esse chamado para que eles também se voltem dos seus pecados (e eles cometem pecado enquanto estiverem nesse corpo de carne) e para que sua fé seja estimulada e fortalecida. Isso também é parte do verdadeiro evangelismo.

Com isso em mente não há nenhuma necessidade para o pregador dividir a congregação em grupos em sua mente ou em sua pregação, dirigindo parte de sua pregação a um grupo e parte a outro. TODOS os ouvintes precisam ouvir o que Deus o Senhor diz numa passagem particular de Sua Palavra. Não existe nenhuma mensagem para a igreja e outra para o mundo, uma para o "não convertido" e outra para aqueles que estão "salvos e seguros" (como certo pregador certa vez colocou).

Mesmo as promessas do evangelho, embora digam respeito e sejam somente para aqueles que se arrependem e crêem, devem ser ouvidas por todos, se por nenhuma outra razão, para que a condenação deles possa ser maior quando não crêem. A verdadeira pregação do evangelho é a exposição da Palavra de Deus, incluindo seu solene chamado ao arrependimento e fé, a TODOS os que ouvem.
Nessa conexão desejamos enfatizar aqui que a fé Reformada crê na pregação do evangelho àqueles que estão fora da igreja, bem como àqueles que já foram salvos e são membros da igreja, aos pagãos bem como aos cristãos. Aqui também a fé Reformada não é inimiga do evangelismo.

Mesmo aqui, contudo, o evangelismo não pode ser limitado àqueles que nunca ouviram o evangelho. Aqueles que têm ouvido e se apartado, aqueles que fazem uma profissão do Cristianismo mas não conhecem a Palavra de Deus e aqueles que são membros de igrejas onde o evangelho não é pregado ou não é pregado puramente, são também os objetos do evangelismo. Quando Jesus falou dos campos estarem brancos para a colheita, Ele estava pensando especialmente nas multidões que estavam espalhadas e desfalecendo, como ovelhas que não têm pastor (Mt. 9:36-38).

Aquilo ao que a fé Reformada se opõe é a pregação de mentiras—que Deus ama todo o mundo e deseja salvar todos, deixando a impressão que tudo está bem com os incrédulos. Ela é inimiga da idéia que as promessas do evangelho são para todos (observe: elas devem ser pregadas a todos, mas não são PARA todos). As coisas prometidas são apenas para aqueles que se arrependem e crêem sob a pregação do evangelho, não para todos incondicionalmente. Pregar outra coisa é dar falsa esperança àqueles que não crêem e sugerir que Deus é incapaz diante da incredulidade contínua. Isso o evangelismo Reformado não pode e não fará!

Parte IV

Temos estado enfatizando a verdade que o evangelismo é nada mais nem menos que a pregação do evangelho. Se isso é verdade, então TODA pregação do evangelho é, estritamente falando, evangelismo, quer seja aos pagãos, às ovelhas dispersas de igrejas apóstatas, ou à congregação do povo de Deus.

Evangelismo pode ser descrito, contudo, como pregar o evangelho àqueles que estão fora da igreja verdadeira, visando à salvação deles. Existe uma diferença entre pregar o evangelho na igreja e àqueles fora dela, a cristãos e pagãos, quer aos pagãos vivendo em países estrangeiros que nunca ouviram o evangelho, ou a pagãos que são tão numerosos em nossos países ocidentais onde o evangelho tem sido pregado por muitos anos. Essas diferenças, embora importantes, não são essenciais.
As diferenças, cremos, são três.

Primeiro, na pregação àqueles que nunca ouviram o evangelho antes, a mensagem deve ser simplificada e pregada de tal forma que aqueles que ouvem entendam claramente o que o evangelista está dizendo. Isso é especialmente difícil quando pregando a pagãos que nunca ouviram sobre pecado, graça, redenção e tantas outras verdades do evangelho.
Lembremos aqui que Jesus, quando Ele pregou ao povo, o fez em parábolas, de forma que mesmo aqueles que continuassem descrendo ouvissem e vissem o que Jesus estava dizendo. Assim, em Suas parábolas Ele usou ilustrações tomadas da vida diária para tornar as verdades do evangelho tão claras quanto possível a eles.

Segundo, esse tipo de pregação do evangelho abordará a audiência como pessoas não-salvas, mostrando-lhes a necessidade de arrependimento e fé em Jesus Cristo como o único caminho de salvação. O pregador rogará e persuadirá aqueles que ouvem, pressionando sobre eles as demandas do evangelho e a urgência de sua própria necessidade (II Co. 5:18-21; cf. também Mt. 3:7-12).

Contudo, não existe nenhuma diferença essencial na mensagem que é pregada a incrédulos professos e à igreja. A diferença está na audiência e na necessidade dela, e no objetivo da pregação (salvar os perdidos). Isso afetará em certa extensão a apresentação e ênfase da mensagem, mas é o evangelho que deve ser pregado.

De fato, devemos ver que mesmo na pregação aos pagãos e incrédulos, todo o conselho de Deus deve ser pregado, incluindo a predestinação, expiação limitada, a Trindade, criação, providência e todas as outras verdades da Escritura. Jesus e os apóstolos pregaram essas verdades mesmo àqueles que não eram salvos (Jo. 10:11; Atos 2:23; 13:17; 14:15-17). Devemos continuar a pregá-las hoje.

Essas verdades são freqüentemente bem negligenciadas na pregação missionária e mesmo rejeitadas como inapropriadas para serem pregadas aos perdidos. Isso não é apenas contrário ao exemplo de Jesus e os apóstolos, mas elimina o cerne da mensagem do evangelho, isto é, que DEUS estava em Cristo reconciliando o mundo consigo (II Co. 5:19).
Terceiro, a pregação missionária envolve sair para pregar aos perdidos (Mt. 28:19). Já apontamos que a igreja é vista na Escritura como a reunião dos crentes e seus filhos, e que a presença de incrédulos é considerada como algo incomum e excepcional (I Co. 14:23). Portanto, a igreja não deve tentar desempenhar seu chamado para se engajar em missões mantendo um "culto evangelístico" a cada noite do Dia do Senhor.

Parte V

Temos enfatizado que evangelismo é a pregação do evangelho e que, quer na igreja ou em missões, é todo o evangelho—todo o conselho de Deus—que deve ser pregado (Atos 20:26-27). É errado negligenciar certas verdades reveladas ou sugerir que elas são um obstáculo ao evangelismo.
O evangelismo Reformado, contudo, não somente prega a soberania de Deus e as doutrinas da graça, mas é controlado por elas também. Já vimos como as doutrinas da graça controlam a mensagem evangelística visto requerer uma mensagem que não declara um Cristo para todos, nem uma vontade de Deus para salvar todos, ou um amor universal de Deus.

A soberania de Deus também controla os objetivos e métodos do evangelismo. Por um lado, a soberania de Deus manda limitar os meios de evangelismo à pregação. Tão importante quanto tais coisas possam ser, obra medicinal, educação, construções e agricultura não são evangelismo, e não constituem o chamado da igreja no que concerne ao seu engajamento em evangelismo. Na Escritura não existem tais coisas como missionários médicos ou agricultores. Essas coisas podem e mesmo devem ser feitas juntamente com a obra de evangelismo, mas não são a obra da igreja, nem alguém deve ser ordenado e enviado pela igreja para fazê-las.
Assim, também, enfatizaríamos a verdade bíblica que o evangelismo é a obra da igreja, não de sociedades ou entidades missionárias. O mandamento para pregar o evangelho é um mandamento que Cristo deu à Sua igreja e a ninguém mais (Mt. 28:19-20).

E, visto que a Escritura ensina que o evangelismo, a pregação do evangelho, é a obra de homens ordenados, não há lugar para missionárias. Achamos muito curioso que igrejas que nunca permitiriam mulheres pregarem ou terem ofício onde moram, não vêem nada errado em enviá-las como missionárias para pregar o evangelho aos pagãos.
Todavia, a soberania de Deus não controla o evangelismo apenas requerendo a pregação como o meio de evangelismo ordenado por Deus. A doutrina da soberania de Deus controla até mesmo os objetivos do evangelismo.
Por exemplo, uma igreja que crê na eleição não deveria pensar que o objetivo e propósito do evangelismo é "dar a todos uma chance." Nesse caso, seu objetivo no evangelismo contradiz as verdades da predestinação e expiação limitada que ela confessa.

Nem é o objetivo do evangelismo salvar todo o mundo. Ao pregar o evangelho tanto na igreja como no campo missionário, o evangelista (pregador) deve entender que a pregação tem um propósito duplo. Esse propósito é a salvação dos eleitos de Deus e o endurecimento e condenação do restante (Rm. 9:18; 11:7; II Co. 2:14-17).
Aqueles que não estão dispostos a pregar o evangelho nesses termos não deveriam se engajar na obra. Na verdade, Paulo sugere (II Co. 2:14-17) que a ignorância desse propósito duplo da pregação é a razão de muitos corromperem a palavra de Deus como elas fazem hoje: ocultando, negligenciando ou rejeitando certas verdades da Escritura em seu evangelismo.

O objetivo do evangelismo nem mesmo é pregar a todos. Tanto no Antigo como no Novo Testamento o evangelho é enviado por Deus quando e onde Ele quer (Atos 16:6-8). Existem aqueles que colocam um fardo pesado de culpa sobre a igreja sugerindo que ela não está cumprindo o seu chamado enquanto o evangelho não for pregado a todo ser vivo, quando o Senhor não deu nem a oportunidade nem os meios para fazê-lo. Isso é errado. Nosso Deus soberano determina também quando e onde o evangelho será pregado.

Parte VI

Nessa última seção sobre evangelismo Reformado existem várias coisas que desejamos enfatizar.
Primeiro e em conexão com a nossa última seção, desejamos apontar que o evangelismo é o chamado da igreja e deve ser perseguido vigorosamente, tanto dentro como fora da igreja. O fato que Deus não deseja a salvação de todos os homens sem exceção e que o evangelho por toda a história é pregado somente quando e onde Deus quer, não deveria limitar a igreja ou fazer com que ela negligencie sua obra.

Na obra do evangelismo a igreja de Jesus Cristo, em obediência ao Seu mandamento, para a glória de Deus, e para a salvação dos eleitos de Deus, deve buscar e orar: pela oportunidade de pregar o evangelho (Cl. 4:3-4; II Ts. 3:1), por homens para pregá-lo (Mt. 9:37-38) e por fruto na obra da pregação (Rm. 10:1). E, quando Deus graciosamente dá os meios, homens e a oportunidade, então ela deve usar essa oportunidade ao máximo.
Na verdade, a oportunidade para pregar o evangelho (mencionada na Escritura como uma "porta aberta;" Ap. 3:8) é vista como uma das bênçãos que Deus em Cristo dá à igreja quando ela é fiel. Que desgraça se a igreja despreza essa bênção de Deus!

Segundo, desejamos esclarecer o que dissemos na seção anterior sobre evangelismo como a obra da igreja. Se é o chamado da igreja fazer evangelismo e se engajar em missões, então é o seu chamado também sustentar aqueles que são enviados para fazer essa obra. Os missionários e evangelistas são pregadores do evangelho e é aos pregadores do evangelho, onde quer que trabalhem, que a Escritura se refere em passagens tais como I Co. 9:7-14. Abominamos a prática, comum em tantos lugares, de enviar os pregadores missionários para conseguirem o seu próprio sustento. Assim também, se a obra missionária é a obra da igreja, é o chamado da igreja fornecer esse sustento, não das sociedades ou entidades missionárias.

Terceiro, precisamos enfatizar o fato que visto o evangelismo ser a obra da igreja, todos os crentes têm uma parte importante nessa obra, embora eles mesmos não preguem. Eles têm o chamado importante de orar pela obra, sustentá-la dessa forma e com os seus bens, e serem eles mesmos testemunhas da verdade em toda a sua vida. Sem fidelidade da parte do povo de Deus, nenhuma obra de evangelismo pode prosperar.
Portanto, possa essa obra importante e necessária ser feita fielmente, e possa Deus adicionar Sua bênção indispensável a ela.

Rev. Ronald Hanko
-tradução. Felipe Sabino de Araújo Neto


A Letra mata! A marginalização do estudo teológico.


Por que existo? Quem sou? Onde estou? Para onde vou?

Todos os cristãos que já se deteram na reflexão destas simples e inquietantes interrogações, experimentaram, ainda que inconscientemente, momentos de reflexões teológicas, pois a teologia é uma fatalidade inerente a todos os crentes que de forma inevitável contemplam os mistérios e revelações divinas.
Neste sentido estrito, a premissa que já reclamamos é de que todos os membros das nossas igrejas são teólogos, mesmo que ignorem ou até abdiquem desta categorização. Se mergulharmos ainda um pouco mais no assunto, extravasando o perímetro delineado pelo cristianismo, poderíamos dizer que toda pessoa reflexiva, que possua um pensamento formalizado acerca de Deus, independente de seu credo, é um teólogo.

Definindo o termo
Mas o que é teologia, afinal?

Antes de respondermos, tenhamos por base de nosso ensaio sobre o tema a teologia acadêmica cristã, isto é, o conhecimento teológico adquirido por meio da teologia formal. Sob esta perspectiva, uma resposta objetiva e clássica seria "fé em busca de entendimento". Se orientados por esta significação, perceberemos que o genuíno desígnio da teologia acadêmica não seria, portanto, examinar a Bíblia para racionalizá-la indiscriminadamente e como conseqüência disso empenhar artifícios na construção de uma crença, muito pelo contrário, o teólogo cristão estuda a teologia para compreender melhor aquilo que previamente acredita a despeito de seu estudo.

Os assassinos da letra
Não obstante todas estas ponderações, não é dificultoso encontrar os opositores do estudo teológico entre grupos religiosos heterodoxos. A bem da verdade, essa característica é peculiar em muitos deles. Entretanto, lastimavelmente, isso é constatado também no seio da igreja evangélica.

Geralmente, o texto áureo e justificativo desse posicionamento são as conhecidas palavras do apóstolo Paulo, as quais dizem: "O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica" (2Co 3.6). Eis aí a questão que lança os fundamentos para a hostilidade de alguns em relação ao estudo teológico.
Pois bem, se o apóstolo Paulo declara que a letra mata, então esse fato é conclusivo. O que alguns precisam descobrir é quem de fato é essa assassina.
O que nos move a ressaltar este ponto é o fato de que essa "tal letra", mencionada pelo apóstolo, tem sido alvo de distorções explicativas prejudiciais à igreja. É bem verdade que a ocorrência desse desvio é advogada por cristãos sinceros, mas que deliberaram marginalizar o estudo teológico acreditando ser esta uma atitude louvada pela Bíblia.
É curioso e paradoxo ao mesmo tempo, mas o fato é que essa tal "letra que mata" vem tendo seu verdadeiro sentido também assassinado por alguns que a tentam interpretar. São aqueles a quem podemos chamar de "os assassinos da letra". Se porventura, você se identifica como um dos tais, por favor não se ofenda! A grande e infeliz verdade é que essa repulsa não se fundamenta num vácuo argumentativo. Qual seria seu "fundamento"? Por que a teologia é marginalizada? Proponho refletir um pouco mais sobre esta questão e depois retornamos ao "homicídio espiritual causado pela letra", o qual supostamente Paulo teria apregoado.

A marginalização da teologia

Quais seriam os fatores que cultivam esta marginalização?

Antes de qualquer palavra, é fundamental esclarecer que não é nossa finalidade aqui censurar a devoção autentica de nossos irmãos. A sinceridade de sua fé não está em pauta. Aliás, um dos fatores que mais ajuda a alimentar a rejeição da teologia, encontra raízes nos próprios teólogos.
Conversando com uma missionária, algum tempo atrás, fui interpelado com uma questão que de certa forma reflete o julgamento de muitos de nossos membros em relação à teologia. A pergunta questionava o porquê de os teólogos serem apáticos em sua piedade e testemunho cristão. Não quero aqui entrar em méritos como a generalização aparentemente injusta deste juízo ou a relatividade interpretativa que pode estar escondida atrás do conceito de apatia, no entanto, inegavelmente, não se exige muitos esforços para identificar comportamentos teológicos que instigam a rejeição da teologia. É um estereótipo pejorativo que parece ser preservado por alguns poucos teólogos, mas que acabam por macular toda a classe. O orgulho intelectual, a racionalização vazia, as conjecturas e especulações são tidos como alguns dos frutos nocivos da teologia.
Contudo, em detrimento deste comportamento que, sabemos, não atinge os teólogos comprometidos com a Palavra de Deus, existem ainda outras objeções alicerçadas no desconhecimento bíblico.
Logicamente, é muito mais confortável escolher os mitos e as lendas do que cultivar uma fé racional, pois esta vai exigir uma atitude trabalhosa em busca do conhecimento, enquanto que aquelas conservam os fiéis na inércia, fazendo-os concordar sem qualquer exercício mental com tudo o que ouvem. Como disse o grande teólogo Agostinho, "Deus não espera que submetamos nossa fé sem o uso da razão, mas os próprios limites de nossa razão fazem da fé uma necessidade". Eis aqui o matrimônio entre a fé e a razão!
Não há duvidas de que enquanto o estudo teológico acadêmico continuar desiludindo os crentes de fantasias místicas que não coadunam com a Palavra de Deus, enquanto não abraçar cegamente o subjetivismo e o emocionalismo que fragilizam a verdade, enquanto não for simpático às inovações que trazem a brisa das heresias, ele continuará sendo marginalizado.
Há ainda casos em que o estudo teológico é marginalizado porque ele incomoda, é inconveniente. É como que uma pedra no sapato dos manipuladores da Bíblia. Quanto menos conhecimento as pessoas possuírem mais facilmente serão controladas. Um comportamento que é assumido pelas seitas onde o líder se encarrega de pensar pelos adeptos e implanta um método sutil de controle total.

A letra mata?

Retomando esta questão, respeitando seu contexto bíblico, alertamos que a letra a que Paulo se referiu não pode ser identificada com o estudo teológico. Até porque o apóstolo, que era um dos doutores da igreja (At 13.1), jamais poderia se encaixar neste perfil. Acreditamos que são dispensáveis aqui quaisquer comentários sobre a erudição e aplicação de Paulo aos estudos. Isso é uma prova cabal dos benefícios da teologia formal!
Acerca de 2 Coríntios 3.6 Paulo estava falando sobre a superioridade da nova aliança sobre a antiga. A morte causada pela letra realmente é espiritual, porém é bom salientar que se trata de uma alusão ao código escrito da lei mosaica. A lei mata porque demanda obediência irrestrita, mas não proporciona poder para isso. É representada pelas tábuas de pedra (3.3). Por outro lado, o espírito vivifica porque escreve a lei de Deus em nossos corações, trazendo-nos a vida em medida muito maior do que realizava sob a antiga aliança. É representado pelas tábuas da carne (3.3). Portanto, como vemos, o texto comentado não fundamenta em qualquer instância a rejeição aos estudos teológicos.Por que teologia?
Os teólogos leigos ainda que inconscientemente se beneficiam da teologia formal. Criticam o estudo teológico, mas lançam mão dele. Todo o legado doutrinário que usufruímos hoje foi preservado por causa do zelo impetrado pelos teólogos que formalizaram a fé por meio de credos, confissões e outras obras. As doutrinas cristãs sobreviveram ao tempo porque o Espírito Santo se encarregou de inspirar e levantar teólogos comprometidos com a fé! O estudo da teologia formal é um instrumento indispensável para o saudável desenvolvimento da igreja. Todos nós precisamos de teologia! Os teólogos leigos deveriam reconhecer o auxílio que recebem dos teólogos acadêmicos e as duas classes representadas, de mãos dadas, deveriam seguir o conselho de Pedro, um teólogo que não possuía a erudição de Paulo, mas que conseguiu equalizar a questão ordenando o crescimento na graça e no conhecimento concomitantemente (2Pe 3.18). Desta forma, o evangelho só ganhará, cada membro da igreja estará no seu posto, lapidando o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação do corpo de Cristo, segundo o ministério que lhe for confiado por Deus (Ef 4.11,12).
Sobretudo e finalmente, o nosso desejo e oração é para que consigamos aplicar a teologia à nossa vida. Se fracassarmos neste intento a teologia não será mais que mera futilidade. Que o Senhor nos guie ao genuíno conhecimento de suas revelações, pelo seu amor e para a sua glória.

Deus quer que todos sejamos prósperos financeiramente?

A prosperidade financeira obedece a normas, regras e métodos estabelecidos. Por outro lado, da perspectiva bíblica, a prosperidade é um dom de Deus. É ele quem concede saúde, oportunidades, inteligência, e tudo o mais que é necessário para o sucesso financeiro. E isso, sem distinção de pessoas quanto ao que crêem e quanto ao que contribuem financeiramente para as comunidades às quais pertencem. Deus faz com que a chuva caia e o sol nasça para todos, justos e injustos, crentes e descrentes, conforme Jesus ensinou (Mateus 5:45). Não é possível, de acordo com a tradição reformada, estabelecer uma relação constante de causa e efeito entre contribuições, pagamento de dízimos e ofertas e mesmo a religiosidade, com a prosperidade financeira.

 Várias passagens da Bíblia ensinam os crentes a não terem inveja dos ímpios que prosperam, pois cedo ou tarde haverão de ser punidos por suas impiedades, aqui ou no mundo vindouro.Através dos séculos, as religiões vêm pregando que existe uma relação entre Deus e a prosperidade material das pessoas. No Antigo Oriente, as religiões consideradas pagãs estabeleceram milênios atrás um sistema de culto às suas divindades que se baseava nos ciclos das estações do ano, na busca do favor dessas divindades mediante sacrifícios de vários tipos e na manifestação da aceitação divina mediante as chuvas e as vitórias nas guerras.

 A prosperidade da nação e dos indivíduos era vista como favor dos deuses, favor esse que era obtido por meio dos sacrifícios, inclusive humanos, como os oferecidos ao deus Moloque. No Egito antigo a divindade e poder de Faraó eram mensurados pelas cheias do Nilo. As religiões gregas, da mesma forma, associavam a prosperidade material ao favor dos deuses, embora estes fossem caprichosos e imprevisíveis. As oferendas e sacrifícios lhes eram oferecidas em templos espalhados pelas principais cidades espalhadas pela bacia do Mediterrâneo, onde também haviam templos erigidos ao imperador romano, cultuado como deus.

A religião dos judeus no período antes de Cristo, baseada no Antigo Testamento, também incluía essa relação entre a ação divina e a prosperidade de Israel. Tal relação era entendida como um dos termos da aliança entre Deus e Abraão e sua descendência. Na aliança, Deus prometia, entre outras coisas, abençoar a nação e seus indivíduos com colheitas abundantes, ausência de pragas, chuvas no tempo certo, saúde e vitória contra os inimigos. Essas coisas eram vistas como alguns dos sinais e evidências do favor de Deus e como testes da dependência dele. Todavia, elas eram condicionadas à obediência e só viriam caso Israel andasse nos seus mandamentos, preceitos, leis e estatutos. Estes incluíam a entrega de sacrifícios de animais e ofertas de vários tipos, a fidelidade exclusiva a Deus como único Deus verdadeiro, uma vida moral de acordo com os padrões revelados e a prática do amor ao próximo.

 A falha em cumprir com os termos da aliança acarretava a suspensão dessas bênçãos. Contudo, a inclusão na aliança, o favor de Deus e a concessão das bênçãos não eram vistos como meritórios, mas como favor gracioso de Deus que soberanamente havia escolhido Israel como seu povo especial.
O Cristianismo, mesmo se entendendo como a extensão dessa aliança de Deus com Abraão, o pai da fé, deu outro enfoque ao papel da prosperidade na relação com Deus.

 Para os primeiros cristãos, a evidência do favor de Deus não eram necessariamente as bênçãos materiais, mas a capacidade de crer em Jesus de Nazaré como o Cristo, a mudança do coração e da vida, a certeza de que haviam sido perdoados de seus pecados, o privilégio de participar da Igreja e, acima de tudo, o dom do Espírito Santo, enviado pelo próprio Deus ao coração dos que criam. A exultação com as realidades espirituais da nova era que raiou com a vinda de Cristo e a esperança apocalíptica do mundo vindouro fizeram recuar para os bastidores o foco na felicidade terrena temporal, trazida pelas riquezas e pela prosperidade, até porque o próprio Jesus era pobre, bem como os seus apóstolos e os primeiros cristãos, constituídos na maior parte de órfãos, viúvas, soldados, diaristas, pequenos comerciantes e lavradores. Havia exceções, mas poucas. Os primeiros cristãos, seguindo o ensino de Jesus, se viam como peregrinos e forasteiros nesse mundo. O foco era nos tesouros do céu.

A Idade Média viu a cristandade passar por uma mudança nesse ponto (e em muitos outros). A pobreza quase virou sacramento, ao se tornar um dos votos dos monges, apesar de Jesus Cristo e os apóstolos terem condenado o apego às riquezas e não as riquezas em si. Ao mesmo tempo, e de maneira contraditória, a Igreja medieval passou a vender por dinheiro as indulgências, os famosos perdões emitidos pelo papa (como aqueles que fizeram voto de pobreza poderiam comprá-los?). Aquilo que Jesus e os apóstolos disseram que era um favor imerecido de Deus, fruto de sua graça, virou objeto de compra. Milhares de pessoas compraram as indulgências, pensando garantir para si e para familiares mortos o perdão de Deus para pecados passados, presentes e futuros.

A Reforma protestante, nascida em reação à venda das indulgências, entre outras razões, reafirmou o ensino bíblico de que o homem nada tem e nada pode fazer para obter o favor de Deus. Ele soberana e graciosamente o concede ao pecador arrependido que crê em Jesus Cristo, e nele somente. A justificação do pecador é pela fé, sem obras de justiça, afirmaram Lutero, Calvino, Zwinglio e todos os demais líderes da Reforma. Diante disso, resgatou-se o conceito de que o favor de Deus não se pode mensurar pelas dádivas terrenas, mas sim pelo dom do Espírito e pela fé salvadora, que eram dados somente aos eleitos de Deus.

 O trabalho, através do qual vem a prosperidade, passou a ser visto, particularmente nas obras de Calvino, como tendo caráter religioso. Acabou-se a separação entre o sagrado e o profano que subjaz ao conceito de que Deus abençoa materialmente quem lhe agrada espiritualmente. O calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que deu ao trabalho um caráter religioso. Mais tarde, esse conceito foi mal compreendido por Max Weber, que traçou sua origem à doutrina da predestinação como entendida pelos puritanos do século XVIII. Weber defendeu que os calvinistas viam a prosperidade como prova da predestinação, de onde extraiu a famosa tese que o calvinismo é o pai do capitalismo. As conclusões de Weber têm sido habilmente contestadas por estudiosos capazes, que gostariam que Weber tivesse estudado as obras de Calvino e não somente os escritos dos puritanos do séc. XVIII.

Atualmente, em nosso país, a idéia de que Deus sempre abençoa materialmente aqueles que lhe agradam vem sendo levada adiante com vigor, não pelos calvinistas e reformados em geral, mas pelas igrejas evangélicas chamadas de neopentecostais, uma segunda geração do movimento pentecostal que chegou ao Brasil na década de 1900. A mensagem dos pastores, bispos e “apóstolos” desse movimento é que a prosperidade financeira e a saúde são a vontade de Deus para todo aquele que for fiel e dedicado à Igreja e que sacrificar-se para dar dízimos e ofertas. Correspondentemente, os que são infiéis nos dízimos e ofertas são amaldiçoados com quebra financeira, doenças, problemas e tormentos da parte de demônios. Na tentativa de obter esses dízimos e ofertas, os profetas da prosperidade promovem campanhas de arrecadação alimentadas por versículos bíblicos freqüentemente deslocados de seu contexto histórico e literário, prometendo prosperidade financeira aos dizimistas e ameaçando com os castigos divinos os que pouco ou nada contribuem.

O crescimento vertiginoso de igrejas neopentecostais que pregam a prosperidade só pode ser explicado pela idéia equivocada que o favor de Deus se mede e se compra pelo dinheiro, pelo gosto que os evangélicos no Brasil ainda têm por bispos e apóstolos, pela idéia nunca totalmente erradicada que pastores são mediadores entre Deus e os homens e pelo misticismo supersticioso da alma brasileira no apego a objetos considerados sagrados que podem abençoar as pessoas. Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas e procurando obter prosperidade material por meio de pagamento de dízimos e ofertas me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro e sua teologia da prosperidade não são, na verdade, filhos da Igreja medieval, uma forma de neo-catolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma medieval.