2015/05/01

O Espírito Santo

Jesus disse: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3.8). Ele destacou a existência do Espírito como análoga ao vento, demonstrando sua invisibilidade, sua imprevisibilidade, e ao mesmo tempo sua existência real e abençoadora. A palavra vento e a palavra Espírito são exatamente a mesma na língua grega1, e, portanto, Jesus está fazendo um jogo de palavras nesse texto. Quando pensamos no Espírito como alguém semelhante ao vento, entendemos um pouco sobre quem ele é. Jesus disse: “O vento sopra onde quer”. Quem pode controlar o vento? Também ninguém pode controlar o Espírito. Em seguida disse: “Ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai”. De alguma forma, podemos senti-lo, embora não possamos vê-lo, nem entendê-lo. Todos os crentes sabem quem é o Espírito Santo. Ninguém precisa descrevê-lo para eles, até porque, ninguém conseguiria. Todo crente sabe o que é esse maravilhoso sopro de vida e de paz que preenche a vida e eleva o nosso cotidiano. Essa “doce presença” inunda a existência do filho de Deus, e o leva a ter um relacionamento tão íntimo com Deus, quanto uma criancinha pode ter com seu pai (Rm 8.15).
Por outro lado, percebe-se que há muitas distorsões a respeito da pessoa e da obra do Espírito Santo dentro do cristianismo. Se por séculos, o cristianismo pouco falou a respeito do Espírito2, o século vinte foi um verdadeiro despertar para o Espírito. Isso se deu basicamente por causa dos movimentos carismáticos que surgiram no início do século e se estenderam em sucessivas renovações até o fim do século vinte. Hoje, as igrejas pentecostais e neo-pentecostais são maioria absoluta em vários países do mundo, inclusive no Brasil. O termo “pentecostal” é uma referência aos acontecimentos do dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre os discípulos e eles passaram a falar em línguas estranhas (At 2). Supostos movimentos espirituais têm causado divisões e esfacelamento em denominações cristãs que tinham peso de séculos de existência. Na “onda do Espírito” as pessoas têm tido as mais diversas e até aberrantes manifestações supostamente espirituais. No outro extremo, muitos cristãos evitam todo tipo de manifestação espiritual, afastando-se completamente de tudo o que possa ter conotação carismática, e às vezes, vivem uma vida de frieza e indiferença em relação às coisas de Deus.
Nesse capítulo, consideraremos a personalidade divina do Espírito, o significado de sua vinda, o batismo realizado por ele, e a diferença que ele produz na vida das pessoas. O objetivo é resgatar o ensino bíblico e o equilíbrio sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo na teoria e na prática da vida cristã.
1 No grego é a palavra “pneuma”. No hebraico “ruach” é espírito e também é vento.
2 No início da igreja, a preocupação principal foi com a pessoa de Cristo, embora o Espírito Santo tenha recebido atenção. Durante a Reforma, a obra do Espírito Santo foi enfatizada, especialmente por Calvino, que redescobriu o papel do Espírito na aplicação da salvação. Mas nos estudos posteriores da Teologia Sistemática, a pessoa e a obra do Espírito nem sempre mereceram uma seção própria. Geralmente foi estudado junto com a Trindade ou dentro da Soteriologia. Sinclair B. Ferguson, no entanto, entende que o Espírito Santo não ficou esquecido nos escritos dos grandes teólogos, pois Calvino, Owen, Kuyper e outros se dedicaram na abordagem da doutrina do Espírito Santo, o que concordamos prontamente (Ver Sinclair B. Ferguson. O Espírito Santo. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9-10).

A Pessoa Divina do Espírito Santo

É impossível entendermos quem é o Espírito Santo se não o considerarmos como uma Pessoa. A Escritura demonstra claramente que o Espírito Santo é uma pessoa, mas não faltaram hereges na história da igreja que negaram isso. Desde os tempos mais primitivos, pessoas relutantes em aceitá-lo como Deus, e também como a terceira pessoa da Trindade, têm negado sua personalidade. Preferem pensar nele como uma “força” ou uma “energia” de Deus, como algo impessoal que Deus emite para realizar seus planos no mundo. Embora o Espírito Santo realmente seja aquele que realiza os planos de Deus no mundo, negar sua personalidade é negar o ensino bíblico.
A personalidade do Espírito
Em seguida analisaremos algumas passagens que demonstram que o Espírito Santo é uma pessoa. São textos que demonstram que ele tem habilidades próprias de uma personalidade. Como disse Sproul “uma personalidade inclui inteligência, vontade, individualidade. Uma pessoa age por intenção. Nenhuma força abstrata pode tencionar fazer qualquer coisa. Boas ou más intenções são limitadas aos poderes de seres pessoais”3. Todas essas coisas podem ser vistas nas descrições que a Bíblia faz sobre o Espírito Santo. Falar é propriedade da personalidade, pois uma força não fala. O Espírito falou com Filipe, conforme Lucas registrou: “Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o” (At 8.29). O Espírito queria que Filipe pregasse o Evangelho ao eunuco, e o levou até ele e ordenou que falasse com ele. Uma força não faria isso. Da mesma forma, o Espírito falou com Pedro: “Disse-lhe o Espírito: Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te, pois, desce e vai com eles, nada duvidando; porque eu os enviei” (At 10.19-20). Nesse caso, não só falou como deu instruções claras e precisas. Da mesma forma, Paulo e Barnabé foram chamados pela ordem do Espírito: “Disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2). Aqui ele chama e demonstra preferência, como também faz noutra ocasião quando desejam “ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu” (At 16.7). Ter a capacidade de ensinar também é obra de alguém que tem personalidade. Jesus disse: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). Também disse que ele testemunharia: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo 15.26). Mais à frente, Jesus reiterou: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16.3). Todas essa capacidades de ensinar, testemunhar e guiar são coisas exclusivas de uma personalidade. Imaginar que uma força impessoal fosse capaz de realizar essas coisas não faz sentido.
O Novo Testamento fala ainda sobre a questão de não pecar contra o Espírito Santo (Mt 12.31), do perigo de resistir ao Espírito Santo (At 7.51), e do dever de não entristecer o Espírito Santo (Ef 4.30). Como diz Sproul: “ele nos é apresentado como uma pessoa a quem podemos agradar ou ofender, que pode amar e ser amado e com quem podemos ter comunhão pessoal”4. Todas essas coisas são próprias apenas de uma pessoa. Portanto, o Espírito Santo não é uma força ou uma energia, ele é uma pessoa, uma pessoa divina.
A divindade do Espírito
Alguns textos poderão nos dar uma breve descrição do que a Escritura considera ser a divindade do Espírito Santo. A divindade do Espírito Santo fica demonstrada pela Bíblia no fato de que ele possui atributos divinos. Ele desempenhou papel importante na criação (Gn 1.2), e desempenha na providência (Sl 104.30). Isso nos fala de sua onipotência. Também percebemos sua Onisciência, pois Isaías pergunta: “Quem guiou o Espírito do SENHOR? Ou, como seu conselheiro, o ensinou? Com quem tomou ele conselho, para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu na vereda do juízo, e lhe ensinou sabedoria, e lhe mostrou o caminho de entendimento?”. E Paulo diz que o Espírito “a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1Co 2.10). Sua Onipresença pode ser vista no Salmo 139:7-8 “Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também”. O fato ainda de que o nome do Espírito Santo apareça junto com o nome do Pai e com o nome do Filho na fórmula batismal (Mt 28.19), e na bênção apostólica (2Co 13.13), demonstra a igualdade entre as três pessoas da Trindade, e nos leva a considerar a divindade do Espírito Santo.
De todos, o texto que mais claramente aponta a divindade do Espírito Santo é Atos 5.3-4: “Então, disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder? Como, pois, assentaste no coração este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus”. Na conhecida história em que Ananias e Safira vendem seu campo, mas resolvem entregar apenas metade do preço, Pedro disse que eles estavam mentindo “ao Espírito Santo”, e dessa forma, não mentiram aos homens, “mas a Deus”. Se mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus, então, o Espírito Santo é Deus.
3 R. C. Sproul. O Mistério do Espírito Santo, p. 17.
4 R. C. Sproul. O Mistério do Espírito Santo, p. 19.

A Era do Espírito

A vinda do Espírito marcaria uma nova era para o mundo, e especialmente para a igreja. Há muito tempo Deus vinha anunciando através dos profetas a chegada de uma era espetacular. Essa era foi identificada como um derramamento especial do Espírito Santo. Apesar do Espírito já estar em atividade durante todo o período do Antigo Testamento, como disse Stott, “mesmo assim, alguns profetas predisseram que nos dias do Messias, Deus concederia uma difusão liberal do Espírito Santo, nova e diferente, bem como acessível a todos”5. Isaías profetizou que depois de um tempo de muita destruição para o povo de Israel, onde os palácios seriam abandonados, as cidades ficariam desertas, as torres seriam destruídas, finalmente, Deus derramaria o “Espírito lá do alto”; então, toda uma renovação aconteceria (Is 32.14-15). Esse derramar do Espírito passou a ser uma das grandes expectativas escatológicas do povo de Deus. Isaías fala ainda: “Porque derramarei água sobre o sedento e torrentes sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade e a minha bênção, sobre os teus descendentes” (Is 44.3). Ezequiel foi ainda mais específico sobre esse derramamento: “Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.27). E Joel fala da amplitude desse derramamento: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias” (Jl 2.28-29). Toda a expectativa sobre o derramamento do Espírito pode ser vista nas palavras de João Batista no início de seu ministério: “Eu vos tenho batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1.8). João Batista anunciou que a profecia do Antigo Testamento, sobre o derramar do Espírito Santo, logo se cumpriria na pessoa daquele a quem ele anunciava, o Senhor Jesus Cristo. E o próprio Senhor, após a sua ressurreição, disse aos Apóstolos: “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.49). Jerusalém seria o local onde finalmente o Espírito prometido viria. Bruner enfatiza a importância de Jerusalém nesse ponto: “Para receberem o Espírito Santo, os apóstolos são ordenados a não se ausentarem de Jerusalém. Jerusalém, no conceito de Lucas, será o local do penúltimo evento da história da salvação antes do último evento: a volta de Cristo”6. Jerusalém é a cidade escolhida para que a antiga profecia se cumpra, e assim, o Espírito prometido venha sobre o povo escolhido. Por isso, no dia do Pentecostes, Pedro claramente entendeu que a promessa havia se cumprido. Percebemos isso por suas palavras: “Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne” (At 2.16-17). Sobre essa base, ele teve a coragem de proclamar à multidão que o ouvia: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.38-39). O perdão dos pecados e o dom do Espírito eram promessas divinas que haviam acabado de se cumprir naquele dia. A última expressão de Pedro de que a promessa era para todos os que “Deus chamar”, aponta para o aspecto universal da promessa do Espírito. Joel já havia dito que o derramamento seria sobre todo tipo de pessoas, incluindo jovens, velhos, homens, mulheres, servos e servas (Jl 2.29). Independente de idade, sexo, raça e classe social, o dom incluía todos os que se arrependessem e cressem7. Agora Pedro começa a alargar ainda mais a tenda, pois começa a antever a possibilidade de que outros povos sejam incluídos.
Percebemos, portanto, que desde o Antigo Testamento, sempre houve uma promessa divina de enviar o Espírito Santo a fim de iniciar uma era diferente, a Era do Espírito. O Espírito viria habitar de forma mais plena e universal o povo de Deus, que não mais seria limitado a uma nação, pois englobaria pessoas de todas as tribos, raças, línguas e nações. O momento quando aquela promessa fosse cumprida seria um momento ímpar, um momento único na história da salvação.
5 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 17.
6 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, p. 126.
7 Ver John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 20.

O Espírito no Antigo Testamento

Se os profetas anunciaram um tempo especial quando o Espírito seria derramado, isso significa que o Espírito não estava em atuação no Antigo Testamento? Quando pensamos no Espírito Santo, logo nos lembramos do dia de Pentecostes quando Deus enviou o Espírito do céu, e ele encheu os discípulos de Jesus e os capacitou para a tarefa de pregar o Evangelho em todo o mundo. Sabemos que a partir daí a Igreja Cristã começou a se desenvolver, e também que o Novo Testamento passou a ser proclamado. Mas onde estava o Espírito Santo durante o tempo do Antigo Testamento? Qual foi a atuação dele desde o início do mundo? Sendo o Espírito Santo a terceira pessoa da Trindade, não devemos pensar que ele estivesse inativo durante todo esse tempo. Jesus disse aos discípulos que enviaria o Espírito Santo (Lc 24.49), e que eles deveriam esperar essa vinda. Precisamos entender em que sentido a vinda do Espírito caracterizaria uma novidade em relação a atuação do Espírito no Antigo Testamento.
Capacitações especiais
O Espírito Santo atuava nos seres humanos no Antigo Testamento. Uma das tarefas específicas do Espírito Santo era capacitar o homem para realizar certas tarefas. Assim, um homem chamado Bezalel foi capacitado por Deus para confeccionar os objetos que seriam postos no Tabernáculo. Deus disse: “E o enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e de conhecimento, em todo artifício para elaborar desenhos e trabalhar em ouro, em prata, em bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira, para toda sorte de lavores” (Ex 31.3-5). Da mesma forma, Sansão foi cheio desse Espírito para realizar prodígios, como está relatado em Juízes 14:6, quando matou um leão: “Então, o Espírito do SENHOR de tal maneira se apossou dele, que ele o rasgou como quem rasga um cabrito, sem nada ter na mão”.
O Espírito também dava “força” num outro sentido. Os profetas Ageu e Zacarias encorajaram o povo na obra da reconstrução de Jerusalém e do templo, falando sobre a presença do Espírito Santo. Ageu disse em nome do Senhor: “O meu Espírito habita no meio de vós; não temais” (Ag 2.5). Esse Espírito era a garantia de que a obra seria realizada, conforme Zacarias também profetizou: “Esta é a palavra do SENHOR a Zorobabel: Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4.6). Da mesma forma os Juízes e os Reis governaram sobre Israel através da unção do Espírito Santo (Ver Nm 27.18; Jz 3.10; 1Sm 16.14), que fazia com que homens simples pudessem desempenhar ofícios de governantes. Porém, como diz Hodge,
Todas essas operações são independentes das influências santificadoras do Espírito. Quando o Espírito veio sobre Sansão ou sobre Saul, não foi com o intuito de torná-los santos, mas para dotá-los com extraordinário poder físico e intelectual; e, quando lemos que o Espírito se afastou deles, isso significa que eles foram privados dos dons extraordinários8.
Não devemos confundir essas manifestações do Espírito com a obra da Conversão.
O Espírito e a conversão
Mas será que isso quer dizer que o Espírito não agia para a salvação das pessoas no Antigo Testamento? A esse respeito, um texto de Jesus é bastante discutido. Jesus disse certa vez aos Apóstolos: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós” (Jo 14.16-17). Essas palavras de Jesus têm dado margem para muitos imaginarem que o Espírito Santo não habitasse dentro dos crentes no Antigo Testamento, especialmente quando consideradas em conjunto com as palavras de Jesus registradas em João 7.38-39: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. Esses textos parecem indicar que os crentes do Antigo Testamento não tinham o Espírito, mas isso é uma impossibilidade. A opinião de Grudem é muito útil nesse ponto: “Ambas as passagens devem ser maneiras diferentes de dizer que a obra mais poderosa, mais plena do Espírito Santo, característica da vida após o Pentecostes, ainda não havia começado na vida dos discípulos”9. Não significa que o Espírito Santo não habitasse os crentes no Antigo Testamento (Ver Lc 1.15; 1.67; 2.26-27; 1Sm 10.6; Is 4.4; 11.2), mas que ele seria derramado de forma mais abundante a partir do Pentecostes. Bavinck dá duas razões porque havia diferença entre o Espírito antes e depois do Pentecostes:
Em primeiro lugar, pelo fato de que a Velha Dispensação sempre olhava para a frente, para o dia em que surgiria o Servo do Senhor, sobre quem o Espírito repousaria em toda a sua plenitude (...) Em Segundo lugar, o Velho Testamento prediz que, embora houvesse já naquele tempo uma certa operação do Espírito Santo, que esse Espírito seria derramado sobre toda a carne10.
Não há sentido em pensar que o Espírito não agisse nos crentes para salvá-los antes do dia de Pentecostes, pois como diz Stott, “no tempo do Antigo Testamento, ele estava incessantemente ativo – na criação e na preservação do universo, na providência e na revelação, na regeneração de crentes, e na capacitação de pessoas especiais para tarefas especiais”11. A regeneração é impossível sem a atuação do Espírito Santo, então, se havia crentes no Antigo Testamento, essas pessoas precisavam ter o Espírito. Encontramos no Salmo 51 uma importante declaração de Davi sobre isso. Consciente de seu pecado com Bateseba, Davi ora a Deus: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51.11). Como diz Lloyd-Jones, “aqui estava um homem sob a velha dispensação, um homem anterior ao Pentecostes, e orou para que Deus não retirasse dele o Seu Espírito”12. Se Davi tinha o Espírito Santo, devemos também pensar que todos os demais crentes, como Abraão, Isaque, Jacó, José, etc., tinham o Espírito Santo, pois como diz Calvino, “tudo o que o Senhor tinha feito e sofrido para adquirir salvação para o gênero humano pertencia tanto aos crentes do Antigo Testamento quanto a nós. E, de fato, eles tinham um mesmo espírito que nós temos, pelo qual Deus regenera os Seus para a vida eterna.”13 Mas, há diferença no sentido de que, o derramar do Espírito era mais restrito. Após o Pentecostes, vemos um derramar generalizado, especialmente incluindo outros povos.
8 Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 395.
9 Wayne Grudem. Teologia Sistemática, p. 533.
10 Hermann Bavinck. Teologia Sistemática, p. 424.
11 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 17.
12 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Espírito Santo, p. 45.
13 João Calvino. As Institutas, (1541), II.7.

O outro consolador

Mas, para que o Espírito fosse enviado, Jesus precisaria consumar a sua obra primeiro. Jesus esteve com os discípulos por cerca de 3 anos. Ele precisava partir para o santuário celestial onde continuaria sua obra de intercessão pelo seu povo até o último dia, mas os discípulos não ficariam sozinhos nesse ínterim, pois Jesus disse: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador” (Jo 14.16). Jesus foi o grande consolador de seus discípulos. A palavra grega para consolador é parakletos, e significa literalmente “aquele que está ao lado de”. Mas, agora, ele precisava partir, e não poderia mais permanecer ao lado de seus discípulos. Entretanto, não deixaria seus discípulos sozinhos, pois mandaria um companheiro para seus amigos: o Espírito Santo. A partir daquele momento Jesus seria o consolador (parakletos) no céu (1Jo 2.1), intercedendo por seus discípulos de lá, enquanto que o Espírito seria o consolador (parakletos) na terra, também intercedendo e cuidando dos discípulos aqui (Rm 8.26). Não poderia haver bênção maior para o povo de Deus do que ter, não um, mas dois “consoladores”.
Por várias vezes Jesus advertiu seus discípulos de que precisava partir. Um dos motivos principais é que somente após sua partida poderia enviar o outro Consolador (Ver Jo 7.38-39). Enquanto Jesus não fosse glorificado, o Espírito Santo não poderia ser enviado, por isso Jesus disse aos discípulos: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7). Era necessário que Cristo subisse aos céus e se assentasse à direita do trono de Deus, e assim glorificado, enviasse o Espírito Santo aos discípulos.
Era muitíssimo necessário que o Espírito viesse. Além de substituir Jesus, ele teria funções extras. Seria sua função lembrar aos discípulos as coisas que Jesus havia dito (Jo 14.26). Também fazia parte de sua obra convencer o mundo do pecado da justiça e do juízo (Jo 18.8). Em tudo isto, o Espírito não agiria de forma independente, pois sua função era glorificar o próprio Jesus, exaltando sua pessoa, seu poder e sua obra (Jo 16.14). Esse é um ponto de máxima importância, pois é comum, nos dias atuais, as pessoas enfatizarem mais a pessoa e a obra do Espírito Santo do que a do Pai e a do Filho. É verdade que o Espírito Santo não foi considerado como devia ao longo da história da igreja, porém, é um erro querer enfatizar a obra do Espírito acima da obra de Jesus. A função do Espírito seria a de testemunhar de Jesus. Jesus disse: “Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.14). Lloyd-Jones tem algumas palavras interessantes nesse sentido: “Ao meu ver, esta é uma das coisas mais espantosas e extraordinárias acerca da doutrina bíblica sobre o Espírito Santo. Ele parece esquivar-se e ocultar-se. Ele está sempre, por assim dizer, focalizando o Filho”14. De fato, a obra do Espírito Santo não é glorificar a si mesmo. Ele é como um holofote, sua função é iluminar, mas não a si mesmo, e sim a pessoa de Jesus. Ele quer glorificar o Senhor Jesus, nos dando conhecimento dele e de seu amor por nós. Por essa razão, Lloyd-Jones está certo em afirmar que podemos saber o quanto temos do Espírito de acordo com o quanto consideramos o Senhor Jesus15. Como as pessoas não têm olhado para essa obra do Espírito, e têm focalizado excessivamente nele como um “fim em si mesmo”, podemos dizer que ele continua esquecido, muito embora as livrarias estejam cheias de livros a respeito do poder e da influência vencedora do Espírito.
Jesus disse que o Espírito Santo seria enviado para estar sempre com os discípulos, ou seja, eles não poderiam viver sem este Espírito. Isso nos fala da importância do Espírito Santo para a vida do crente. Não dá para conceber um crente sem o Espírito Santo, pois ele é absolutamente vital para que o crente conheça Jesus e receba a salvação. Um crente sem o Espírito Santo em hipótese alguma pode ser crente verdadeiro, pois a presença do Espírito Santo na vida dos discípulos é a garantia de que, de fato, conhecem a Jesus e pertencem a ele (Ver Rm 8.9, Ef 1.13-14).
14 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Espírito Santo, p. 31.
15 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Espírito Santo, p. 31.

O Pentecostes e a Redenção

Como já vimos, o Espírito Santo habitava os crentes antes do Pentecostes, porém, ele seria dado de forma mais plena a partir de então. Veja que Jesus diz que os discípulos já conheciam o Espírito Santo, enquanto que o mundo ainda não o conhecia (v.17). Isto é mais uma prova de que eles já possuíam o Espírito Santo. Mas, já vimos que somente após a partida de Jesus é que o outro Consolador viria para assumir definitivamente a função de guiar os discípulos a toda a verdade.

Babel invertida
Para que o derramamento do Espírito acontecesse, Jesus precisava ser exaltado através da ascensão. Foi na ascensão, quando se assentou à destra de Deus que Cristo recebeu o título de “Cabeça da igreja” (Ef. 1.20-23). Então, somente após sua ascensão ele pôde mandar o Espírito Santo para ligar os membros a fim de formar um só corpo. Alguém dirá: Mas, então, não havia igreja no Antigo Testamento? Havia, porém não nos mesmos termos do Novo Testamento. No dia do Pentecostes aconteceu algo novo que jamais havia acontecido antes. Nesse dia a unidade foi estabelecida. Podemos ver o Pentecostes como uma espécie de Babel invertida. Naquele dia, a igreja composta de todas as nações se reuniu num único corpo. Foi por isso que o dom de línguas foi concedido. As línguas de todos os povos foram unidas no dia do Pentecostes, simbolizando a unidade da igreja em todas as nações, e não mais apenas dentro dos limites de Israel. As línguas haviam sido divididas por ocasião da torre de Babel como um juízo de Deus contra a soberba humana, mas no Pentecostes foram reunidas demonstrando a unidade do povo de Deus. No Pentecostes, os discípulos receberam o Espírito do Cristo glorificado, e assim foram batizados no corpo de Cristo, ou seja, na igreja. A vinda do Espírito Santo no dia do Pentecostes foi para a instituição da igreja do Novo Testamento.
O que é ser Pentecostal?
O termo pentecostal está definitivamente incorporado ao dicionário da Igreja Cristã. Desde o início do século 20, quando um grupo de crentes começou a falar em línguas numa missão evangélica em Los Angeles, o movimento pentecostal se espalhou pelos quatro cantos do planeta. Hoje estima-se que as igrejas pentecostais e neo-pentecostais sejam mais numerosas que as tradicionais. Esse termo “pentecostal” é tirado do episódio que ocorreu no dia de Pentecostes em Jerusalém quando os discípulos do Senhor Jesus foram batizados com o Espírito Santo. Os pentecostais dizem que receberam uma experiência igual àquela. Eles raciocinam: os discípulos eram crentes, mas receberam o batismo depois, e falaram em línguas, então, há uma conversão operada pelo Espírito Santo, mas o batismo é uma segunda bênção, uma segunda experiência pós-conversão. Dessa forma, para o pentecostalismo, há duas classes de crentes na igreja, os que já chegaram lá e os que ainda não conseguiram. Quem já foi batizado faz parte da elite dos crentes, enquanto que, quem não foi batizado faz parte de uma categoria inferior de crentes. Estes últimos, freqüentemente recebem alguma discriminação por parte dos mais “adiantados”, e se vêem ameaçados pela pergunta tradicional: “Você ainda não foi batizado no Espírito Santo?”.
O penúltimo evento redentivo
Os crentes pentecostais e neopentecostais afirmam que Atos 2 é a norma para os crentes de todas as épocas, mas Atos 2.1-4 é a narrativa histórica a respeito do cumprimento da promessa de Jesus de enviar o Espírito Santo, selando as profecias do Antigo Testamento e completando o último evento da história da redenção, antes da Segunda Vinda. Dois grupos de pessoas foram batizados com o Espírito Santo no capítulo 2 de Atos. Os 120 discípulos reunidos no cenáculo e a multidão de 3 mil pessoas que se converteram com a pregação de Pedro. Os 120 já andavam com Jesus, e eram convertidos. Os 3 mil não eram crentes, mas se converteram naquele dia e com certeza também receberam o batismo com o Espírito Santo. Qual deveria ser a norma para nós hoje? Os 120 que precisaram aguardar até o dia determinado, ou os 3 mil que não precisavam mais aguardar a descida do Espírito Santo, uma vez que ele já havia descido? Parece óbvio dizer que o segundo grupo é padrão, pois também nós vivemos na era após a descida do Espírito.
É preciso fazer uma distinção entre a descida do Espírito Santo e o dia do Pentecostes. Podemos até dizer que, num certo sentido, uma coisa nada tem a ver com a outra. O Pentecostes era uma festa dos judeus ordenada desde o Antigo Testamento. Literalmente, Pentecostes significa qüinquagésimo, pois acontecia 50 dias depois da Páscoa. Também era chamada de festa das semanas, por acontecer 7 semanas depois da Páscoa. Mas, a comemoração mais comum era por causa das colheitas. A única relação entre o Pentecostes e o Batismo com o Espírito Santo foi que Deus resolveu enviar o Espírito Santo naquele dia sobre os discípulos, provavelmente aproveitando a ocasião em que haveria pessoas de várias partes do mundo em Jerusalém16. Os judeus celebravam o Pentecostes como o aniversário da dádiva da lei no Sinai, dada, segundo criam, no qüinquagésimo dia depois do êxodo17. Aquele foi o momento sublime em que Deus selou a Aliança com a nação de Israel, mas agora no Pentecostes, algo de proporções ainda maiores estava acontecendo, Deus estava selando sua Aliança com a igreja de todos os povos.
Cumprimento histórico
Atos 2.1-4 tem sua importância não por causa da festa do Pentecostes em si, mas pelo fato de que Deus cumpriu mais um evento da história da redenção naquele dia. O nascimento de Jesus foi o primeiro evento histórico da redenção. O próximo evento foi sua morte, depois sua ressurreição, por fim sua ascensão, e então, a descida do Espírito Santo. Depois disso, só resta a segunda vinda. Portanto, o evento que aconteceu no dia de Pentecostes foi o último da histórica atividade salvadora de Jesus. Assim como a morte de Jesus e sua ressurreição são impossíveis de serem repetidas, também o evento da descida do Espírito Santo não se repete. Mas, do mesmo modo como os efeitos da morte e da ressurreição de Jesus estão presentes em todas as épocas, também os efeitos da descida do Espírito Santo estão presentes em todas as épocas, e disponível a todas as pessoas. Sem a descida do Espírito Santo, a obra redentora de Jesus não estaria acabada, e sua promessa não teria sido cumprida. E mesmo a promessa do Antigo Testamento do derramamento do Espírito Santo passaria em branco. Tudo, porém, se cumpriu no dia do Pentecostes, e como cumprimento, podemos dizer que se cumpriu de uma vez por todas. Os efeitos da vinda do Espírito Santo permanecem na igreja, dessa forma não precisamos pedir ao Pai que nos dê o Espírito Santo, ou que faça o Espírito descer, pois ele já desceu. Pedir que Deus nos dê o Espírito Santo, seria algo semelhante a pedir que Deus faça Jesus morrer de novo.
16 Por isso, alguns questionam o próprio termo “pentecostal”, dizendo que não faz sentido dentro de uma terminologia cristã. Pois, se o Espírito Santo tivesse sido enviado por ocasião da Páscoa, então haveria crentes “pascoais”?
17 Ver Alan Richardson. Introdução à Teologia do Novo Testamento, p. 119.

O evento do Pentecostes se repetiu?

Alguém poderia objetar que, em pelo menos três ocasiões, o evento do Pentecostes aparentemente se repetiu na forma de uma segunda bênção. Isso teria acontecido com os samaritanos, com os gentios em Cesaréia, e com os discípulos de João em Éfeso. Será importante analisar estes três acontecimentos.
Pentecostes Samaritano?
Em Atos 8.5-17 está descrita a conversão dos samaritanos18. Muitos samaritanos haviam crido no Evangelho através da pregação do evangelista Filipe, e como conseqüência foram batizados. Há poucas dúvidas de que realmente aquelas pessoas haviam se convertido. A única coisa estranha é a descida de Pedro e João para lá. Pelo que se sabe não era comum os Apóstolos inspecionarem a obra dos evangelistas. Então por que foram lá? Não é difícil descobrir. Aquela era a primeira vez que o Evangelho tinha sido aceito fora de Jerusalém, e Lucas, que escrevia para um grego chamado Teófilo, estava querendo mostrar como o Evangelho saiu da exclusividade do ambiente judeu, sob a supervisão dos apóstolos e com todas as bênçãos do Espírito Santo (Ver At 1.8). A ocasião era realmente crucial. Era a primeira vez que o Evangelho era pregado fora de Jerusalém, e alcançava justamente os samaritanos. Os samaritanos eram inimigos históricos dos judeus. Será que os crentes judeus iriam aceitá-los? Ou será que a divisão judeus-samaritanos permaneceria na igreja? Certamente foi por esse motivo que Deus reteve, não o batismo com o Espírito Santo, mas a manifestação visível dele, até que os apóstolos pudessem verificar a veracidade do acontecimento. Não foi identificado nenhum problema com os samaritanos em si. Nenhuma condição foi oferecida a eles, como orar ou buscar o Espírito. O problema também não está com Filipe, que logo em seguida prega ao eunuco etíope e não foi necessário que os apóstolos fossem atrás (Ver At 8.26-40)19. O problema está no relacionamento entre Jerusalém e Samaria. Está no fato de que Deus desejava transpor oficialmente uma inimizade histórica. Deus reteve a manifestação visível do Espírito Santo a fim de que os Apóstolos testificassem que a fé também estava sendo encontrada em Samaria, e assim, autenticassem a obra entre os samaritanos. Deus quis que os Apóstolos vissem com seus próprios olhos a obra no meio deles, para que nunca se dissesse que os samaritanos não haviam sido incluídos oficialmente na igreja Apostólica. Portanto, não há razão para pensar num segundo Pentecostes. Nem o acontecimento samaritano deve ser aceito como norma para os crentes em todos os tempos, pois sua diferença explica-se perfeitamente por causa da sua situação histórica.
O que aconteceu em Cesaréia?
No capítulo 10 de Atos é narrada a conversão de um gentio (estrangeiro) ao cristianismo, um homem chamado Cornélio. Deus direcionou Pedro até aquele homem, demonstrando que não fazia acepção de pessoas. Pedro entrou na casa de Cornélio e começou a pregar o Evangelho. A certa altura da pregação de Pedro, precisamente quando falava sobre a remissão dos pecados através do nome de Jesus (At 10.43), o Espírito Santo “caiu sobre todos os que ouviam a palavra” (At 10.44). Depois dos samaritanos, agora os gentios eram incorporados à igreja. A manifestação visível intencionava autenticar a conversão deles perante as autoridades da igreja como havia acontecido em Samaria. Este não é um terceiro Pentecostes, é o batismo do Espírito a que todos os crentes têm direito e recebem quando se convertem, exatamente como aqueles homens se converteram e receberam o Espírito enquanto ouviam a Palavra. Uma coisa está por demais clara no texto: não houve segunda benção. Bruner diz que “o propósito do episódio de Cornélio é ensinar a igreja, de modo tão dramático quanto a iniciação samaritana lhe ensinara, que Deus aceita todos os homens à parte da guarda de quaisquer disposições legais, ao dar gratuitamente o dom do Espírito Santo à fé”20. Nesse caso, não foi preciso esperar, pois um Apóstolo esteve no comando da obra desde o início.
No Antigo Testamento, o reino de Israel era composto de doze tribos. Quando o reino se dividiu após o reinado de Salomão, Judá constituiu um reino separado, o reino do sul, enquanto que a maioria das outras tribos formou o reino do norte, que ficou conhecido como Samaria.
Algo que geralmente passa despercebido no relato conectado à conversão da casa de Cornélio é o testemunho do Apóstolo Pedro que pode ter implicações muito sérias para a doutrina da Segunda Bênção. Lucas diz que chegou ao conhecimento dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judéia que os gentios haviam recebido a Palavra de Deus (Ver At 11.1). Quando Pedro chegou em Jerusalém, os defensores da circuncisão quiseram saber o porquê de ele ter se relacionado com incircuncisos (At 11.2-3). Pedro, então, lhes explicou como desde o princípio fora guiado por Deus, através da visão do lençol, onde Deus lhe mostrou que não deveria fazer acepção de pessoas, pois os gentios também estavam nos planos de Deus (At 11.4-10). Falou que o Espírito lhe mandou acompanhar os homens que vieram da casa de Cornélio a fim de buscá-lo, o qual havia recebido essa ordem de um anjo (At 11.11-13). O anjo disse a Cornélio que Pedro lhe diria palavras mediante as quais ele e a casa dele seriam salvos (At 11.14). E Pedro relata: “Quando, porém, comecei a falar, caiu o Espírito Santo sobre eles, como também sobre nós, no princípio. Então, me lembrei da palavra do Senhor, quando disse: João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo. Pois, se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 11.15-17). Algo nessa declaração de Pedro é de grande importância. Ele diz: “Deus lhes concedeu (aos gentios) o mesmo dom que a nós (apóstolos) nos outorgou quando cremos no Senhor Jesus”. Ele diz que a conversão dos gentios foi semelhante à conversão dos Apóstolos. Mas, quando os Apóstolos se converteram? Como diz Bruner,
Pedro aqui compara a fé dos de Cesaréia com a fé dos apóstolos no Pentecoste – „quando [nós] cremos‟ – então aqui temos a informação significante que os apóstolos consideravam o Pentecoste como o terminus quo (ponto inicial) da sua fé, e, portanto, a data da sua conversão. Foi somente quando receberam o Espírito que se sentiram capazes de dizer que acreditavam”21.
Portanto, nem os Apóstolos receberam realmente uma Segunda Bênção. Eles receberam o Espírito Santo quando se converteram, assim como todos os crentes. Mas será que isso quer dizer que os Apóstolos não eram crentes antes? Como então eles foram chamados por Jesus? Uma análise da vida dos Apóstolos antes e depois do Pentecostes revela muitas coisas interessantes. A vida deles mudou radicalmente depois do Pentecostes. Antes eles tinham muita dificuldade em entender quem era Jesus, não conseguiam aceitar a idéia da sua morte, e esperavam que ele fosse um libertador da nação. Após o Pentecostes se tornaram fiéis defensores do reino de Deus, não físico, mas espiritual. Entenderam realmente o significado da redenção, e se tornaram mártires pela causa. É impossível não perceber a mudança ocorrida após a vinda do Espírito na vida dos Apóstolos. Uma forma de explicar essa diferença decorre do entendimento do momento crucial que esses homens viviam. Eles viveram entre duas épocas, pois passaram do Antigo Testamento para o Novo Testamento. Geralmente se resume a diferença entre ser “crente do Antigo Testamento” e “crente do Novo Testamento”, pela expectativa em relação a vinda de Jesus. Os crentes do Antigo olhavam para o futuro, para quando o Messias viria, enquanto isso ofereciam sacrifícios pelos pecados. Os crentes do Novo Testamento olham para trás, para o Messias que já veio, e seus pecados são perdoados no sacrifício definitivo de Cristo. De algum modo, os apóstolos passaram pelas duas experiências. Foram crentes do Antigo Testamento, e depois crentes do Novo Testamento. De qualquer modo, eles não tiveram uma segunda bênção, pelo menos não como se exige hoje nos movimentos carismáticos.
E quanto aos discípulos de Éfeso?
Este incidente está descrito em Atos 19.1-7. Paulo em sua terceira viagem missionária encontrou alguns supostos discípulos na cidade de Éfeso. Paulo logo lhes perguntou se eles haviam recebido o Espírito Santo quando creram. Isso já é suficiente para perceber que Paulo vincula o recebimento do Espírito Santo com o ato de crer. O Apóstolo achou que havia algo estranho naqueles homens, e logo a sua suspeita veio a se confirmar. Eles responderam: “Espírito Santo? Nem sabemos quem é este?” Eram discípulos de João Batista e não conheciam a verdade plena a respeito de Jesus. Provavelmente foram ensinados por Apolo, o qual passou um tempo em Éfeso. O próprio Apolo precisou ser ensinado a respeito das verdades fundamentais do Evangelho, pois conhecia apenas os ensinos de João Batista (Ver At 18.24-28). É difícil imaginar que aquelas pessoas fossem realmente convertidas. Não sabiam que Jesus já tinha se manifestado, e nada sabiam sobre a vinda do Espírito Santo. Não eram convertidos, mas tornaram-se com a pregação de Paulo e receberam o Dom do Espírito Santo no mesmo instante. Portanto, o que aconteceu neste episódio, longe de ser uma segunda bênção, confirma que o Espírito Santo é dado no momento da fé.
A questão da norma
Precisamos ainda dizer uma palavra a respeito de quão normativos para formulações doutrinárias são os escritos históricos como, por exemplo, o livro de Atos. Lucas, ao narrar os acontecimentos daqueles dias, não estava querendo dizer que tudo aquilo seria norma para todos os tempos. Ele simplesmente estava narrando as coisas como aconteceram e do modo como tudo podia ser visto. Se tudo o que Lucas escreveu em Atos fosse norma, então, precisaríamos lançar sortes quando escolhêssemos um novo pastor (Ver At 1.26), e se alguém mentisse para o pastor na entrega dos dízimos cairia morto no chão (Ver At 5.1-10). Precisamos entender que certas coisas que a Escritura relata como tendo acontecido a outros não precisa necessariamente acontecer conosco. Mas, há coisas, por exemplo, que a Escritura afirma explicitamente como sendo para todos. Entretanto, essas coisas podem ser encontradas mais nas cartas, nos sermões de Jesus, ou nas formulações doutrinárias da Bíblia, e não nas descrições dos eventos históricos. Portanto, é norma para nós aquilo que a Bíblia nos ensina diretamente ou de forma proposicional, e não aquilo que ela narra sem fazer qualquer comentário a respeito. Sempre que a Bíblia narra uma história sem fazer qualquer comentário, devemos ir às outras partes da Bíblia que ensinam diretamente para entender o significado daquele evento. Caso contrário, provavelmente estaremos usando a Palavra de Deus de forma errada. Portanto, não é possível a partir do acontecimento de Atos 2 dizer que é a norma para todas as épocas. Até porque, poucos insistiriam na necessidade das línguas de fogo ou no som do vento impetuoso. Tudo o que Lucas colocou no livro de Atos estava dentro de seu plano de demonstrar o crescimento da igreja desde Jerusalém até Roma, mostrando que esta igreja impulsionada pelo Espírito Santo não podia ser detida, e seu crescimento continuaria apesar de toda a oposição. A intenção de Lucas não era narrar cada evento como sendo a norma para a igreja em todas as épocas, mas através do todo, mostrar como uma igreja verdadeira é vitoriosa pelo poder do Espírito Santo.
18 Os samaritanos eram habitantes de Samaria, uma província que no passado era unida a Judá.
19 Ver F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, p. 137.
20 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, 148.
21 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, p. 151.

Todos batizados em um Espírito

Podemos ver os ensinos normativos sobre o batismo com o Espírito Santo registrados nos escritos do Apóstolo Paulo, pois em muitos textos Paulo trata doutrinariamente dessas questões. Em 1Coríntios 12.13 o Apóstolo fez uma declaração muito importante para a consideração desse assunto: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito”. Para entendermos bem o que Paulo está querendo dizer nesse versículo, precisamos considerar todo o capítulo 12 de 1Coríntios, pois neste capítulo, Paulo concentra seu ensino a respeito dos dons espirituais. Seu ponto alto é que embora os dons sejam variados, se manifestando de várias formas, há apenas um originador deles que é o Espírito Santo. Paulo diz: “Ora os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo” (v.4). Entre os versos 8-10 ele exemplifica alguns dons que podem ser dados à igreja visando a edificação, entretanto enfatiza: “Um só e o mesmo Espírito realiza todas estas cousas, distribuindo-as como lhe apraz, a cada um, individualmente” (v.11). Ou seja, ele está querendo demonstrar a unidade da igreja em meio à diversidade de dons, exatamente porque todos esses dons são concedidos pelo mesmo Espírito. É isso que ele enfatiza no verso 13. ao dizer algo como: “Somos diferentes tanto em serviços, como em dons e até mesmo em raça, mas numa coisa todos nós crentes somos iguais: todos fomos batizados pelo mesmo Espírito, portanto somos um mesmo corpo”. Certamente a referência do Apóstolo ao batismo nesse texto nada tem a ver com o batismo com água, e nem mesmo com o que aconteceu no dia de Pentecostes, pois nem Paulo nem os coríntios estavam presentes naquele dia. Mas, então, quando Paulo e todos os crentes da cidade de Corinto foram batizados? Nenhuma outra resposta pode ser coerente a não ser: No dia da conversão deles. Não havia duas classes de crentes dentro da igreja de Corinto. Todos os que pertenciam ao corpo de Cristo foram batizados com o Espírito Santo.
A força do “nós”
Na língua original em que o Novo Testamento foi escrito, há uma grande ênfase na palavra “nós”. Paulo poderia ter escrito o mesmo texto sem usá-la, e o significado seria entendido, mas ele fez questão de dizer “todos nós fomos batizados em um só Espírito”. Com essa expressão, ele não admite exceções. Todos os verdadeiros crentes foram batizados com o Espírito Santo.
E esse não é o único lugar em que isso fica claro. Em Romanos 8.9 Paulo escreveu igualmente “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”. O texto é claro: Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. Paulo não diz que se alguém não tem o Espírito é crente de segunda classe, mas que não é de Cristo, ou seja, não é crente. Não há duas classes de crentes dentro de uma igreja, todos os verdadeiros crentes foram batizados com o Espírito Santo, se alguém ainda não foi batizado, não é crente, não pode fazer parte da igreja, não pertence ao corpo de Cristo, e ainda precisa se converter. Um outro dado que precisa ser comentado é que nenhum escritor do Novo Testamento, em lugar algum, manda que o batismo do Espírito Santo seja buscado. Não há um único texto que exorta qualquer cristão a buscar a experiência do batismo com o Espírito Santo depois da conversão. Não se manda buscar porque é entendimento comum dos escritores bíblicos que todos os crentes já foram batizados. Devemos considerar seriamente que seria um grande lapso esquecer de mandar os crentes buscarem este batismo, se de fato ele devesse ser buscado. Mas, não há qualquer método, ordem, ou mesmo sugestão para buscar ou receber o batismo com o Espírito Santo. O motivo é simples: Ninguém pede ou busca algo que já possui.
A força do “todos”
Voltando a Primeira Coríntios, Paulo enfatiza que todos já puderam beber do mesmo Espírito (1Co 12.13). Note a conexão entre beber em 1Coríntios 12.13 e o que foi dito em João 7.37-38: “No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem”. Quem fosse até Jesus e bebesse receberia o Espírito Santo quando cresse. Todos os que creram já beberam do Espírito Santo, ou seja, já foram batizados. Isso demonstra que as palavras de Jesus não são um desafio para que os incrédulos busquem o Espírito Santo. Elas são um desafio para que os incrédulos busquem Jesus. Se eles têm sede, Jesus mata a sede, e o que João e Paulo nos acrescentam é que Jesus mata a sede das pessoas com o Espírito.
A força do “um”
Do mesmo modo que a palavra “todos” traz grande ênfase sobre o batismo como uma experiência comum de todos os crentes, também a palavra “um” fala de uma experiência única. O ponto central de Paulo em 1Coríntios 12.13 é que o batismo com o Espírito Santo faz a igreja ser um Corpo. Se houvesse diferentes batismos com o Espírito Santo, poderia haver mais que uma igreja. E Paulo está usando exatamente a doutrina do batismo com o Espírito Santo para demonstrar a unidade de todos os crentes no mesmo corpo, ainda que sejam membros diferentes, individuais e com funções próprias. Logo para Paulo, o batismo com o Espírito Santo era um fator unificador na igreja e, em hipótese alguma, um fator diferenciador. Ou seja, em total oposição à noção atual de que existem duas classes de crentes separados pelo batismo com o Espírito Santo, na visão de Paulo, há uma única classe, unida justamente pelo batismo. O batismo une ao invés de separar. Não existe uma elite e uma periferia espiritual na igreja. Existe um corpo, que embora possua muitos membros, inclusive com funções diferentes, tem por princípio que nenhum é superior ou inferior. Todos têm a sua importância dentro do corpo (Ver 12.14-26), no qual foram ligados pelo Batismo do Espírito.
Jesus batizou em um único Espírito todos os crentes num único corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos quer livres. Nada poderia ser mais enfático. De fato não há classes distintas de crentes. Num Espírito foi estabelecida uma só igreja. Não há crentes parciais, assim como não há membros parciais do corpo de Cristo. Gálatas 3.26-28 afirma: “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Destarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Todos os crentes em Cristo se tornaram membros plenos de seu corpo, que é a igreja, no exato momento em que foram salvos, pois “há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.4-6). Graças a Deus porque a igreja dele não está dividida. Não há divisões ou classes distintas de crentes dentro da igreja, pois todos os crentes já foram batizados no mesmo Espírito.
Buscando o que já tem?
Uma grande confusão tem sido causada nas igrejas por líderes que ensinam a necessidade de uma segunda obra da graça. Por todos os lados podemos ver a frustração e o desapontamento na vida de muitos que ainda não conseguiram chegar a esta segunda bênção. O problema é que, quando alguém acha que precisa buscar algo que não tem, certamente deixa de dar importância ao que já tem. Ora todos os crentes já possuem a obra da graça em suas vidas e também os meios para alcançar a verdadeira santidade, mas literalmente abandonam o pássaro na mão para perseguir os que estão voando. Deixam de valorizar o que Deus já lhes deu para buscar aquilo que não existe. Desta forma, rejeitam o maior dom que Jesus nos deu, que foi a vinda do “outro” Consolador.

No poder do Espírito




Finalmente, devemos considerar sobre a missão do Espírito Santo. Ele foi enviado para capacitar a igreja a fim de desempenhar a tarefa de propagar o Reino de Deus. Quando lemos o Novo Testamento, percebemos que até o Pentecostes, os discípulos nunca haviam entendido realmente qual era a ligação entre Jesus e o reino de Deus. Durante todo o ministério público de Jesus, eles esperaram pela manifestação física, política-institucional deste reino. Lembramos que a nação de Israel era dominada pela poderosa Roma, e freqüentemente apareciam “libertadores” que arrastavam um pouco de povo para enfrentar suicidamente os poderosos exércitos romanos. A maior esperança de Israel estava na vinda do Messias, o prometido desde os tempos mais remotos do Antigo Testamento. Todos esperavam que ele libertasse a nação da escravidão e a estabelecesse como um reino próspero diante de quem todos os reinos da terra teriam que se prostrar. Os discípulos acreditavam que Jesus fosse o Messias, e, portanto, esperavam que ele, de alguma forma tomasse o poder, assentasse no trono e restabelecesse a monarquia absoluta de Israel. Todas estas esperanças dos discípulos se acabaram com a morte de Jesus, entretanto se reacenderam extraordinariamente com a ressurreição. Em Atos 1.6, os discípulos se dirigem a Jesus e pedem: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?”. Jesus respondeu que a eles não seria dado conhecer tempos (cronos) e épocas (kairós) que o Senhor havia reservado exclusivamente para ele, mas, promete mandar o Espírito Santo que faria deles testemunhas cheias de poder em todo o mundo. Ele capacitaria a igreja a desempenhar seu papel no mundo. A igreja seria o instrumento para o estabelecimento do Reino de Deus, porém, seria um reino diferente, pelo menos, até a Segunda Vinda de Jesus.
Ao dar esta resposta aos discípulos, Jesus estava lhes ensinando algo muito importante. Em primeiro lugar a restauração do reino (se é que haveria alguma restauração da forma como eles esperavam) não era assunto para aquele momento. Aproximava-se o instante da partida de Jesus, mas ele tinha planos grandiosos para seus discípulos, entretanto eles precisavam entender o caráter do Reino de Deus que se manifestava naquele momento. Em várias ocasiões, quando interrogado, Jesus explicou que o Reino de Deus já estava no meio do povo. Entendemos que ele se fazia presente na pessoa, na obra e no ensino do Messias. Dessa forma o reino poderia estar dentro de cada um (Lc 17.21). A expansão do reino espiritual era matéria para aquele momento e não de um reino físico. O reino físico ficaria para o futuro, e seria a consumação do reino espiritual. Os discípulos seriam responsáveis pela tarefa de expandir o reino espiritual, e para garantir que ela teria êxito, lhes seria mandado o Espírito Santo como fonte de poder.
Entre os benefícios poderosos que o Espírito Santo concederia àqueles homens estava o entendimento, a ousadia e a garantia de resultados. Basta comparar a vida deles antes do Pentecostes com a depois, para ver como isso fez diferença. O entendimento pode ser visto pela mudança que ocorreu neles. Eles não entendiam bem como funcionava a questão do Reino de Deus naquele momento, porém, mais tarde escreveram cartas que foram e continuam sendo o fundamento teológico da igreja. Mas não foi apenas entendimento que o Espírito Santo concedeu aos discípulos, ele lhes deu também ousadia. Sabemos que os discípulos eram inconstantes durante a vida de Jesus e principalmente durante sua prisão e execução. Temiam por suas próprias vidas e preferiam se esconder dos sacerdotes a enfrentá-los (Ver Jo 20.19). Entretanto, que mudança poderosa se operou na vida daqueles amedrontados discípulos! Basta dar uma olhada no livro de Atos para ver o quanto suas vidas foram transformadas e com que ousadia falavam sobre Jesus, a ponto de não temerem os castigos, as afrontas, ou a própria morte (Ver At 2.14-36; 4.1-22; 5.17-42). Porém, de nada adiantaria os discípulos receberem entendimento e ousadia, se o Espírito Santo não autenticasse a obra deles conferindo resultado. Quando falamos em resultado, estamos dizendo que a obra do Reino alcança resultados visíveis. Para exemplificarmos isso, basta lembrarmos que até o dia do Pentecostes havia 120 pessoas que se denominavam discípulos, e naquele mesmo dia foram acrescentadas mais três mil (At 2.41). Pouco tempo depois o número subiu para cinco mil (At 4.4). Deus autenticou a obra deles conferindo resultados.
Nessa mesma perspectiva Jesus disse que a vinda do Espírito Santo faria dos discípulos testemunhas dele. Quando pensamos numa testemunha precisamos ter três coisas em mente. Em primeiro lugar diz respeito a alguém que presenciou fatos. Uma testemunha é alguém que esteve presente e pode verificar a exatidão de certos acontecimentos. Os discípulos possuíam esta característica. Haviam presenciado tudo o que aconteceu e, por mais extraordinário que pudesse parecer, eles tinham certeza absoluta de que tudo era verdade. Em segundo lugar uma testemunha é alguém que fala a respeito daquilo que viu. Alguém que testemunhou, mas que não manifesta por medo ou falta de vontade não é uma testemunha verdadeira. O Espírito lhes capacitou para testemunharem. Porém, em terceiro lugar, e talvez seja a maior característica da testemunha, ela sustenta seu testemunho até o fim. A própria palavra “testemunho” na língua grega é martyres donde vem o significado moderno de mártir. O mártir está disposto a morrer por aquilo que fala. Nada menos do que isso pode ser chamado de testemunha, e somente a presença do Espírito Santo poderia habilitar os amedrontados discípulos a se tornarem valorosos mártires (testemunhas) do Senhor Jesus. Num resumo, para ser testemunha é necessário experimentar, falar e sustentar o testemunho até o fim. O Espírito é a grande testemunha de Cristo, e fez os discípulos serem testemunhas também (Jo 15.26-27).
Jesus ampliou grandemente o horizonte dos discípulos. Eles estavam pensando num reino restrito a Israel, mas Jesus disse que pretendia que este reino se estendesse até aos confins da terra. E esta expansão seria feita através deles. É certo que começariam em Jerusalém a nas circunvizinhanças da Judéia, mas depois se estenderiam até a desprezada Samaria e por fim alcançariam os lugares mais longínquos da terra. A responsabilidade desta obra e a eficácia do Espírito Santo não foram outorgadas apenas aos discípulos que estavam reunidos naquele dia em Jerusalém, pois se estendem a todos os crentes até a vinda de Jesus. Esse mesmo Espírito está presente na vida das pessoas, regenerando-as, guiando-as à verdade, dando poder para viverem uma vida fiel, sendo poderosas testemunhas de Cristo. É muito discutível que o Espírito esteja realmente presente nos lugares onde há divisões, concorrência espiritual, aberrações e outras coisas semelhantes que têm se tornado tão comuns entre os evangélicos. Essas pessoas deveriam voltar à Palavra de Deus, e desenvolver uma vida equilibrada, com um alvo de santidade e testemunho de Jesus. Por outro lado, também aqueles que evitam toda manifestação espiritual deveriam reconsiderar se não estão perdendo tempo em discussões de importância secundária, e se, por tanto medo do falso, não estão fechando as portas para o verdadeiro Espírito, que age onde quer e como quer (Jo 3.8).
Leandro Lima

JOSÉ DO EGITO: MAIS QUE DERROTADO OU MAIS QUE VENCEDOR? (PARTE 01)




Já no início da história da humanidade´, podemos extrair um dos melhores exemplos do que desejamos destacar nestes artigos. Quem não conhece a incrível e emocionante história de José? Ele era o filho querido (e preferido) de Jacó (Gn 37:3). Ele foi traído pelos seus próprios irmãos, que planejaram matá-lo primeiramente (Gn 37:18) e por puro ódio e ciúme, resolveram vendê-lo para uma caravana de ismaelitas que estava indo para o Egito (Gn 37:4-5,11,25-27), e estes, por sua vez, o venderam a Potifar, capitão da guarda e oficial do Faraó (Gn 37:36). À despeito de tudo isso, Deus honrou a José, lhe deu prosperidade e permitiu que ele morasse com Potifar (Gn 39:1-2), que ao ver que tudo o que José realizava prosperava o elevou à administrador de seus bens (Gn 39:3-4). Percebam até aqui a ação providencial de Deus sobre José depois das provações pelas quais ele passou. Deus até mesmo abençoou Potifar por causa de José (Gn 39:5).

Mas logo surgiu uma nova provação para José, pois a mulher de Potifar se sentiu atraída por José, que realmente era muito atraente segundo a Bíblia (Gn 39:6), e o convidava insistentemente a manter relações sexuais com ela, cometer adultério com ela contra Potifar, mas José se manteve firme em seu compromisso com Potifar e principalmente em seu temor a Deus e fugiu da presença daquela mulher (Gn 39:6-10). Mas, diante de uma perversa conspiração contra José tramada por ela para incriminá-lo injustamente como se ele a tivesse assediado, ele foi aprisionado junto com os prisioneiros do rei (Gn 39:11:20). José nos deu aqui um grande exemplo, mesmo sendo ainda muito jovem, um adolescente, com certeza cheio de vida e na fase quando os hormônios masculinos produzem um forte desejo sexual, ele era tão temente a Deus que preferiu, mesmo diante de uma injusta puniçao, ir para a cadeia do que entristecer ao seu Deus com aquele pecado.

Que situação complicada não é mesmo? Depois da assenção e prosperidade de José no Egito, mesmo ele dando um grande testemunho de sua fé em Deus, ele foi injustamente aprisionado. Por que Deus teria permitido mais essa provação? Mas...

"...o SENHOR estava com ele [José] e o tratou com bondade, concedendo-lhe a simpatia do carcereiro." (Gn 39:21). [citação entre colchetes de nossa parte]

Deus tocou no coração do carceireiro para que o mesmo nutrisse simpatia por José a tal ponto que José se tornou responsável por todos os prisioneiros e pela administração da prisão (Gn 39:21-23).


Percebam mais uma vez o propósito de Deus por detrás das situações adversas. Deus não permitiu sem propósitos aquela injustiça com José cometida pela mulher de Potifar e mesmo na prisão José mais uma vez foi elevado por Deus a um alto posto e ainda o usou para interpretar os sonhos que o chefe dos copeiros e do chefe dos padeiros tiveram, dois oficiais do faraó que foram presos na mesma prisão que José estava administrando devido a terem ofendido o faraó (Gn 40:1-18). A concretização dos sonhos foi que, após ambos os oficiais terem sido reapresentados ao faraó, no dia do seu aniversário, o chefe dos copeiros foi restaurado à sua posição e o chefe dos padeiros foi enforcado (Gn 40:20). Mas, José, mesmo tendo pedido ao chefe dos copeiros para que, quando o mesmo tivesse retornado ao seu alto posto, intercedesse por ele junto ao faraó, pois estava sendo injustiçado, foi esquecido pelo chefe dos copeiros, ou seja, mais uma vez foi injustiçado (Gn 40:23).

Pior ainda, lendo o relato de Gênesis 41:1-46, essas injustiças ainda demoraram dois anos para serem reparadas. José, portanto, ficou mofando na cadeia mais dois anos. Impressionante não é mesmo? Mas Deus foi injusto? Por que Ele deixaria um filho Seu na cadeia mais dois anos, alguém tão zeloso e que já tinha dado provas incontestáveis de seu temor a Ele?

O Rev. Hernandes Dias Lopes, em seu programa televisivo "Verdade e Vida" na mensagem intitulada "Transformando tragédias em triunfo" considerou muito sabiamente especificamente sobre mais essa situação injusta pela qual José enfrentou:

"Você poderia perguntar: 'Mas onde está Deus, que deixa um filho seu inocente padecendo na prisão injustamente ?' Aqui está um princípio maravilhoso: Sabe por que Deus não tirou José da prisão quando ele queria sair da prisão? Porque se José tivesse saído da prisão quando ele queria sair de lá, o máximo que ele teria sido era um bom lavador de copos no palácio de faraó. Naqueles dois anos, Deus estava construindo a rampa do palácio para que ele [José]saísse da prisão e fosse para o palácio ser governador do Egito. Quando você pensa que Deus está longe, distante ou indiferente, na verdade Deus está trabalhando no turno da noite preparando algo maior e melhor para você." [citação entre colchete de nossa parte]


Portanto, voltando ao texto sagrado, vemos que esta última injustiça cometida contra José só foi reparada justamente depois que o faraó teve dois sonhos, que os magos e sábios do Egito não puderam interpretar, mas o chefe dos copeiros, reconhecendo que errou, mencionou ao faraó o que José fez por ele na prisão, o que fez com que o faraó ordenasse que trouxessem José à sua presença, ocasião quando José, pelo poder de Deus, interpretou os sonhos do faraó, revelando os propósitos de Deus para com o Egito naqueles próximos anos e ainda trouxe sábios conselhos ao faraó de como ele deveria agir para com a fome que castigaria a sua nação, o que fez com que o faraó, percebendo que José estava sendo usado por Deus, o elevasse ao comando do palácio e de todo o povo egípcio, sendo o segundo em comando em toda aquela nação, lhe concedeu todas as honrarias de seu alto posto e ainda lhe deu por mulher Azenate, filha de um de seus sacerdotes (Gn 41:37-46; comparem com At 7:9-10).


E, por fim, sem mencionar em detalhes toda a questão que envolveu o relacionamento de José com seus irmãos já no Egito na época da grande seca, mesmo que eles ainda não soubessem quem ele era (Gn 42, 43 e 44), mas acreditavam que ele estava sendo usado por Deus para castigá-los justamente por tudo o que eles tinham feito contra ele (Gn 42:21), vemos que finalmente José não suportou mais esconder a verdade e se revelou a seus irmãos de forma extremamente emotiva (Gn 45:1-4). E ao contrário do que muitos de nós talvez gostariam que acontecesse, ele não se vingou de seus irmãos. Pelo contrário, em uma declaração tranquilizadora e de uma fé incrível nos propósitos divinos, ele disse:

"Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês. Já houve dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não haverá cultivo nem colheita. Mas Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes a vida com grande livramento. Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus. Ele me tornou ministro do faraó, e me fez administrador de todo o palácio e governador de todo o Egito." (Gn 45:5-8).

Fanatismo e Êxtase, da Ignorância ao Misticismo


Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. Mateus 24:24
Não é raro encontrar pessoas que se dizem crentes relatarem testemunhos “sobrenaturais”, “sinais e maravilhas”, “mistérios”, etc. Vigílias onde coisas estranhas acontecem, gente que vê folhas de árvores douradas, prateadas, brilhantes, reluzentes ou pegando fogo. Falar em vocábulos estranhos e “sentir” Deus enviando Sua Palavra são coisas mais do que “normais” para vários grupos evangélicos. Cultos onde pessoas choram, riem, batem palmas, caem, convulsionam, e tudo de forma descontrolada.
Igreja evangélica, hoje, é sinônimo de concentrações de pessoas e múltiplas manifestações físicas, gente que marcha como soldado de um lado para o outro, gente que fica rodopiando e gesticulando como animais, ruídos estranhos, experiências de “sair” do corpo e voar por cima das outras pessoas, visões de anjos e pétalas de rosas caindo do céu, visões de entidades monstruosas, viagens ao céu, viagens ao inferno, enfim, fanatismo e êxtase.
É inútil relatar tantas esquisitices. O que importa dizer é que essa religiosidade mística é predominante no Brasil, e de uns anos para cá, sorrateiramente isso tem influenciado o comportamento de muitos protestantes históricos, que agora, querem ser chamados de “RENOVADOS”. Até a IPB – Igreja Presbiteriana do Brasil – que possuía o símbolo da sarça (a antiga sarça emblema da Igreja da Escócia) inseriu há um tempo uma “pomba” no centro da sarça por causa dessa influência pentecostalizada. Este fato é apenas um pequeno exemplo do poder de interferência dos chamados carismáticos sobre as igrejas históricas. Não são poucas as igrejas históricas que vem sofrendo ascendência mística.
Em geral, a religiosidade evangélica de hoje está abraçada a uma espécie de neopaganismo. O conceito do panteísmo ganhou nova roupagem. Deus agora “é fácil”. A Bíblia não é mais a única regra de fé e prática como diziam os antigos cristãos. Quanto maior a ignorância bíblica, mais forte o misticismo.
Hoje se fala muito em “culto festivo” – Princípio Regulador de Culto, nem falar! -, parece um bem intencionado discurso, mas de onde vem toda essa “festividade”? Alguns querem justificar seus cultos “renovados e festeiros” reportando-se ao povo judeu em suas peregrinações, mas uma exegese superficial logo demonstra que o judaísmo nunca teve liturgia de culto festiva, nem no templo nem na sinagoga – peregrinação não é culto! - Liturgia festeira é coisa da cultura africana e indígena. E não precisa ser antropólogo para saber disso.
As pessoas querem transcender. A busca da embriaguez mística é o objetivo dos cultos. Falar em linguagem estranha, ter visões e “profetizar”, ser arrebatado em espírito, “voar”, etc. Essas coisas têm muito mais semelhança com o misticismo afro-indígena. Não há qualquer tradição judaico-cristã nessa contemplação do incompreensível.
O uso racional da cabeça em conhecer algo está sendo substituído por um mergulho de cabeça nas experiências. Muita gente não está interessada em CONHECER os atributos de Deus e Sua vontade, mas “tocar” no Seu trono, nas Suas vestes, “experimentar” a liturgia dos anjos. É preferível experimentar uma força subjetiva, uma energia, e não ficar aprisionado no mundo racional que ouve algo inteligível. A fórmula “mágica” é esvaziar o púlpito de todo conteúdo doutrinário objetivo e encher as pessoas de revelações subjetivas e emocionais. Temos adoradores com paralisia intelectual!
No lugar de se invocar a Santíssima Trindade e humilhar-se em Sua presença, os invocadores apelam à presença de um Deus por demais imanente, como se fosse um de nós, e invocam e evocam muito mais os anjos e os demônios. Acham que podem achegar-se a Deus como bem entendem.
O movimento carismático ou pentecostal é uma forma moderna de misticismo, porque é fundamentado não na doutrina dos apóstolos, mas num conceito de fé irracional e irreal. O movimento é atraente porque muitas pessoas não querem CONHECER as Escrituras, mas querem “algo mais” (e de preferência: rápido e fácil). John MacArthur Jr., teólogo contemporâneo, crítico ferrenho do misticismo, observou de forma cuidadosa que existe uma intolerância teológica quanto ao ensino bíblico por parte dos evangélicos pentecostalizados. Escreveu ele: “As experiências místicas não se alinham com a verdade bíblica, elas afastam as pessoas da verdade de Cristo. As pessoas começam a buscar experiências paranormais, fenômenos sobrenaturais e revelações especiais – como se nossos recursos em Cristo não fossem o bastante” (...) “Os sentimentos se tornam mais importantes do que a própria Bíblia”.
O crescimento numérico dos evangélicos no Brasil é algo significativo. E existe uma estatística bem interessante e curiosa sobre um determinado segmento: o que cresceu não foi tanto o número de protestantes históricos, mas o número de pentecostais que pulou de 8,1 milhões em 1991, para 17,6 milhões em 2000. Atualmente os pentecostais representam quase 68% dos evangélicos. Ora, é exatamente esse movimento que tem influenciado quase todas as alas do protestantismo. A influência vem daí, e eles [os pentecostais] são influenciados por líderes despreparados, emergentes e místicos. Um novo xamã ressuscitou no Brasil. Se conseguimos vestir calções de futebol nos índios e também ensinamos a usar a Internet, eles agora estão de “terno e gravata” influenciando a teologia.
Em várias localidades a diferença entre uma igreja evangélica renovada (que se diz mais séria) e uma igreja pentecostalizada está somente nos decibéis. Seus vizinhos que o digam. O que é que se pode esperar de um encontro emotivo onde o culto é uma válvula de escape? Gente fraca é presa fácil das falsas promessas do misticismo.
No início do século passado os protestantes brasileiros acusavam os católicos romanos de sincretismo religioso com os elementos da religiosidade africana. Eles também foram criticados por sua religiosidade popular sincretista com os espíritas, e também com traços cúlticos da religiosidade indígena. Mas hoje os canhões mudaram de alvo, podemos dizer que, literalmente, o tiro saiu pela culatra. Hoje temos o império pós-modernista-da-igreja-evangélica-tupiniquim-do-reino-dividido-afro-kardecista.
O Brasil é um país místico, obcecado pelo “espiritual”. A baixa cultura acadêmica retira o alicerce escriturístico sem pedir licença, e por falta de filtro, muitos estão sendo explorados por lobos vorazes. E o Cristianismo genuíno sofre porque é uma religião da Bíblia; é uma experiência que passa pela compreensão do que é COMPREENSÍVEL.
O misticismo nos arraiais evangélicos é usado também para a intimidação “espiritual” para rebaixar os neófitos. Não é incomum que certos líderes experientes, pessoas que dizem ter sonhos, visões ou experiências transcendentais menosprezarem os inexperientes, e desenvolverem uma competição carnal e orgulhosa. Isso não tem nada de espiritual! E todos sabemos disso.
Estamos mais do que nunca mundanizados e paganizados. Que os pentescostais, que se dizem “tradicionais”, não venham com desculpas, dizendo que não são como outros grupos pentecostais e neo-pentecostais, quando na verdade estão substituindo o “sabonete ungido” por “óleo ungido”. Os católicos romanos sempre tiveram suas novenas, hoje os evangélicos tupiniquins têm “correntes de oração”. Isso não é misticismo?
Não precisamos estudar antropologia para saber que “culto de libertação” é religiosidade pagã. Antigamente, no tempo em que éramos protestantes, ouvia-se os salmos metrificados, hoje se ouve louvorzão “mantrificado” (neologismo derivado de “mantra” – palavra, som monossilábico ou verso usado de forma repetitiva e musicada proporcionando um estado contemplativo-místico). Os chamados “levitas” modernos encantam seus ouvintes por horas, até deixá-los “soltos” e leves.
As grandes doutrinas da graça, chão firme e sólido para a caminhada cristã, são substituídas por diálogos retóricos agressivos sobre os males da existência. Hoje ouvimos muito mais discursos sobre sofrimentos, dores, doenças, filhos, solidão, separação, desemprego, marginalidade, vícios, prostituição, brigas, traições, “encostos”, libertação, poder, prosperidade, miséria material, do que: Autoridade das Escrituras, o Ser de Deus, os Decretos Soberanos de Deus, obediência ao Criador, o louvor de Sua Providência, sobre a Corrupção da natureza humana, a exigência da Justiça de Deus, do Pacto Eterno de Deus com Seu povo eleito, da cruz de Cristo, dos ofícios do Senhor Jesus Cristo, da Justificação pela fé, da Regeneração, da Adoção, da Santificação, da Fé Salvadora, da vida cristã de arrependimento, da certeza da graça e da salvação, da Lei de Deus, do Dia do Senhor e do Princípio Regulador de Culto, da Ressurreição, do Juízo e da ira de Deus, enfim, das Doutrinas (com “d” maiúsculo) cristãs históricas.
Muitos pregadores ruidosos gostam de vociferar o lema: “abaixo os dogmas! Abaixo os dogmas!” (mas, o que é mesmo dogma?, alguém pergunta. “Sei, lá!” é a resposta). Acredito que temos um problema diante de nós que poucos ou ninguém quer mexer. As doutrinas cristãs que realmente alimentam o rebanho de Cristo não vêm em forma de revelação extra-bíblica, elas precisam ser sistematizadas, racionalizadas e discursadas. E a maioria dos evangélicos (e por que não dizer dos brasileiros) é analfabeta funcional, ou seja, sabe soletrar e ler, mas não entende o conteúdo. Portanto é muito mais fácil “conectar-se” com Deus de forma intuitiva, sem ter de ouvir ou estudar doutrina. Muitos cristãos estão marchando em êxtase numa busca do extraordinário, e sob seus pés não se encontra Satanás, mas as Escrituras estão sendo pisoteadas!
O Pr. Isaías Lobão P. Jr., fez algumas observações interessante ao resenhar o livro de John Stott, Crer é também pensar (publicado aqui no site), eis um trecho: “No primeiro capítulo, Cristianismo de Mente Vazia, Stott desafia a tendência anti-intelectual de muitos crentes. Baseados na filosofia secular do pragmatismo, muitos crentes abandonam a doutrina em busca da prática. Stott critica esses crentes afirmando que toda boa doutrina é sempre acompanhada de um ensino prático. Ele cita três grupos que fazem isto: os católicos (e acrescento, muitos evangélicos) que ritualizam sua relação com Deus, mecanizando sua relação com Deus. O segundo grupo, os cristãos radicais que concentram suas energias na ação social e na preocupação ecumênica. Se bem que este grupo seja (ainda) pequeno no evangelicalismo brasileiro, é uma postura bastante comum entre os crentes britânicos. Sua luta social esconde uma ignorância e desprezo pela doutrina. O terceiro grupo alistado por Stott, são os crentes pentecostais. (esses nós temos de sobra!). A busca incessante dos pentecostais por experiências com Deus, os leva, geralmente, a colocar o subjetivismo e o emocionalismo acima da doutrina bíblica”. Que podemos dizer? A tendência anti-intelectualista necessariamente exclui uma reforma genuína. Uma nova reforma não virá através dos manipuladores de emoções.
Mais um dado surpreendente (que não surpreende mais), uma matéria do Jornal Nacional que foi ao ar dia 26/11/04, mostrou um índice alarmante de reprovação da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. – Os estudantes de Direito brasileiros bateram todos os recordes de incapacidade: reprovação de 91,5% (Isso mesmo: quase 100%!!!). Ou seja, 18 mil bacharéis em Direito não estão em condições mínimas para ingressar no mercado de trabalho! Isto reflete o nível de educação no Brasil de forma conclusiva.
“Surpreende e aborrece”, disse o presidente da OAB de São Paulo, Sr. D’urso. Vale a pena transliterar um trecho da reportagem: “Justiça seja feita: segundo especialistas na preparação de candidatos, o problema não está apenas no ensino superior. Faculdade fraca atrapalha, mas para muitos aspirantes a advogado O MAIOR OBSTÁCULO É MESMO A LÍNGUA PORTUGUESA, diz a diretora de curso especializado, Rosângela Santos de Jesus Romano Matos: ‘Os alunos são tecnicamente muito bem preparados, mas quando chega a hora da prova ele não consegue passar pro papel todo o conteúdo técnico.’” Ora, se os nossos estudantes das ciências jurídicas e sociais estão desse jeito, que diremos dos estudantes de teologia de muitos seminários que mais se assemelham a um curso profissionalizante de baixa classificação? Como iremos ter uma nova reforma religiosa sem uma reforma educacional? Não se pode viver o cristianismo sem apologética, e isto requer discurso e recurso.
O CACP – Centro Apologético Cristão de Pesquisa – descreveu a etimologia da palavra “apologia” nesses termos: “Apologia dentro do contexto evangélico-eclesiástico, é a habilidade de responder com provas adequadas e sólidas a fé cristã perante as demais religiões. Já que o cristianismo é uma religião de fatos, ou como bem expressou certo apologista: ‘é uma religião que apela aos fatos da história’, ela se serve de tais meios para fundamentar seus argumentos.
“A apologia é parte inseparável da teologia, sendo que aquela, serve-se desta, para desenvolver um plano lógico e sistemático nas questões argumentativas concernentes á fé cristã.
“O cristianismo é uma religião que por sua natureza exclui quaisquer outros credos como verdadeiros, a não ser ele mesmo. Por isso, ele entra em choque com as demais religiões existentes, que são sem exceções, produtos das idéias dos homens, que na ânsia de sua procura pelo sagrado, por Deus, aliena-se nas suas próprias imaginações, resultado da depravação total da qual está sujeita a humanidade sem Deus. (...)
“Neste choque de crenças a apologia se torna indispensável. Ela nasce forçosamente como uma resposta ao ataque à sã doutrina que muitas vezes se apresenta sob diversas faces.
“Quase todas as epístolas foram escritas visando à defesa da fé cristã (no sentido de corrigir erros doutrinários) contra os ataques de fora, e muitas vezes de dentro da própria igreja.” (Paulo Cristiano). Como defender a fé sem SOLA SCRIPTURA? Como fundamentaremos argumentações sem as mínimas condições que a língua pátria exige?
A Reforma Protestante desencadeada na Alemanha não só precisou de Lutero, mas de Melanchton. Este teólogo era muito mais do que um reformador, era um educador. Sua obra como “ministro” da educação passou a ser sinônimo do seu nome. – “Pelo menos 56 cidades alemãs procuraram a sua ajuda na reforma de suas escolas. Ele ajudou a reformar oito universidades e a fundar outras quatro. Escreveu numerosos livros didáticos para uso nas escolas e mais tarde foi chamado o Instrutor da Alemanha” (fonte: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã). – Precisamos de uma reforma não só teológica, mas educacional. Pois o misticismo é contrário ao conhecimento das Escrituras. E este é o problema que poucos ou ninguém quer mexer.
A Reforma foi um movimento altamente literário e o protestantismo genuíno é uma experiência literária. O movimento evangelical contemporâneo está na contramão da história da Igreja cristã. A ênfase hoje está em buscar respostas fora do que já foi dito nas Escrituras, em sinais e prodígios. Muitos só crêem quando vêem grandes milagres! Contrariando estas palavras:
Então, Jesus lhe disse: Se, porventura, não virdes sinais e prodígios, de modo nenhum crereis.Rogou-lhe o oficial: Senhor, desce, antes que meu filho morra. Vai, disse-lhe Jesus; teu filho vive. O homem creu na palavra de Jesus e partiu. (João 4.48-50).
Não sei até onde os pesquisadores fizeram suas elucubrações, mas acredito que boa parte da nossa miscelânea evangélica tupiniquim se dá por esses motivos:
1. Influência de elementos paganizados do catolicismo romano;
2. Influência de elementos litúrgicos afro-indígenas;
3. Influência da renovação carismática, subseqüentemente dos pentecostais – A origem do movimento é anti-intelectual;
4. Analfabetismo total e funcional da nação;
5. Maioria feminina. – As mulheres são mais suscetíveis ao misticismo. Embora não liderem (em grande parte, ainda) são as maiores sustentadoras dos trabalhos.
6. A busca de uma identidade e posicionamento social. – Pessoas pobres e simples saem do anonimato e conquistam um status de poder e influência “espiritualistas”.
7. A busca por soluções imediatas.
Admito que são muitos os fatores que contribuem para uma mentalidade mística, mas de uma forma ou de outra, essas são as bases do misticismo evangélico brasileiro. Pessoas que sentem um intenso desejo de relacionar-se imediatamente com o divino. Experiências intuitivas e extáticas nunca foram novidades na religiosidade popular. Mas no fundo, no fundo, o que há no misticismo é um escape para fugir da obediência da Palavra de Deus. Contudo, o conhecimento de Deus não permite atalhos! Não haverá reforma genuína enquanto o pentecostalismo (seja chamado de “carismáticos” ou “renovados”) não for corajosamente combatido!
O SOLA SCRIPTURA foi um dos pilares da Reforma do Século XVI, experiências místicas não podem determinar a fé verdadeira. DEUS NOS DEU AS ESCRITURAS, NÃO HÁ OUTRA AUTORIDADE. A BÍBLIA É INFALÍVEL, INSPIRADA E SUFICIENTE. A base comum (e inerrante) de conhecimento nunca poderá ser uma revelação extra-bíblica. Muitos evangélicos, embora admitam a infabilidade das Escrituras, com suas práticas dizem que a Bíblia não é suficiente! A base da sua fé é a experiência, e a Suficiência das Escrituras é desprezada. A palavra de Cristo não é suficiente para esses “fanáticos, iludidos, desmiolados, imbecis, tratantes e cães danados” – (adjetivos que Calvino costumava chamar os místicos).
A livre interpretação da Bíblia é uma marca protestante, de maneira nenhuma podemos nem queremos proibir ninguém de interpretar as Escrituras por si mesmo. Há necessidade de uma boa hermenêutica e exegese? Há. Mas não podemos fazer como a igreja romana que proibiu a livre interpretação da Bíblia alegando que os leigos interpretariam mal. E a Confissão de Fé de Westminster, uma confissão genuinamente protestante, não perde isso de vista:
A seção VII do capítulo I – Da Escritura Sagrada – assevera: Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido USO DOS MEIOS ORDINÁRIOS, podem alcançar uma suficiente compreensão delas. Ref. II Pedro 3:16; Sal. 119:105, 130; Atos 17:11. Observe bem: “...os indoutos”... “...podem alcançar uma suficiente compreensão delas”. Porém, o ponto essencial em questão é que NÃO ESTÁ HAVENDO USO DEVIDO DOS MEIOS ORDINÁRIOS, que supõem princípios de interpretação lógica e racional. Este é o problema! Protestantismo é uma religião do Livro.
Nós somos criaturas racionais, criados para agir inteligentemente. Temos intelecto; vontade, emoções e mente. John Owen, um homem erudito e piedoso, bem disse que o homem foi criado para conhecer o bem por intermédio de sua mente, sem descartar a emoção (esta, em seu devido lugar, deseja e apega-se ao bem conhecido). A emoção nos impulsiona, mas não antes da verdade adquirida através da Palavra de Deus. Disse Owen: “As emoções talvez sejam o leme do navio, mas a mente é que deve pilotar; e a carta marítima a ser seguida é a verdade revelada por Deus” [na Sua Palavra escrita]. E como bem resumiu, ainda disse: “O intelecto é o olho da alma”. Daí podermos dizer que o misticismo é cego! É um movimento anti-revelacional!
A BÍBLIA É TUDO O QUE PRECISAMOS, NADA MAIS É NECESSÁRIO! Não precisamos de novas revelações, sonhos, visões, anjos, êxtase, vozes ou reações físicas. O SOLA SCRIPTURA é suficiente! “O Cristianismo fundamenta-se na Revelação. Nosso conhecimento de Deus abrange aquilo que Lhe aprouve nos revelar a respeito de Sua Pessoa. Todos os esforços humanos destinados a conhecê-Lo levam à falsas religiões ou misticismo. Ou somos submissos à Sua Revelação ou à nossa imaginação” (Bruce Bickel). Podemos afirmar que a fonte de conhecimento da linha carismática-pentecostal não é Deus! Ou então temos de concordar que Deus nos dá um conhecimento direto pela excitação dos sentimentos, independentemente do ensino de Sua Palavra.
Respondeu Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. (Lc 16.29)
“O conhecimento é indispensável à vida e ao serviço cristãos. Se não usamos a mente que Deus nos deu, condenamo-nos à superficialidade espiritual, impedindo-nos de alcançar muitas riquezas da graça de Deus. Ao mesmo tempo, o conhecimento nos é dado para ser usado, para nos levar a cultuar melhor a Deus, nos conduzir a uma fé maior, a uma santidade mais profunda, a um melhor serviço. Não é de menos conhecimento que precisamos, mas sim de mais conhecimento, desde que o apliquemos em nossa vida”. (John Stott).
Escreveu Heber C. de Campos: “Tudo o que a igreja deve crer sobre Deus e seu relacionamento com os homens, está registrado nas Santas Escrituras que foram escritas, na sua grande maioria, pelos profetas do Antigo Testamento e pelos apóstolos do Novo Testamento”.
Finalmente é sempre bom ouvirmos repetidas vezes a exortação pastoral de MacArthur Jr., “Se algum dia alguém o perturbar dizendo que você precisa dessa ou daquela experiência mística ou espiritual, NÃO ACREDITE. O Espírito de Deus, agindo por meio de Sua Palavra é suficiente para torná-lo totalmente maduro em Cristo”.
À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva. (Is 8.20)
Que Deus tenha misericórdia da ignorância de tantos que se dizem cristãos, e que abra os olhos daqueles que, em Sua Igreja, estão se afastando de Suas verdades, levando-os de volta à pureza e simplicidade devidas a Cristo. Que eles venham a entender que NÃO HÁ OUTRO FUNDAMENTO senão dos apóstolos e profetas.

Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito. (Ef 2.20-22).
Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho... (Hb 1.1,2 a).

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