2015/06/30

Uma carta aberta aos pastores - sobre o casamento gay nos EUA .






A Suprema Corte neste país [EUA] promulgou seu julgamento. As manchetes informam que um pouco mais da metade dos juízes da Suprema Corte consideram a liberdade de orientação sexual, um direito para todos os americanos. Esta troca de valores não aparece como uma surpresa para nós. Já sabemos que o deus deste século cega as mentes daqueles que não acreditam (2 Cor. 4:4). O dia 26 de junho de 2015 fica como um marco americano de demonstração desta antiga realidade.

Nos próximos dias, irão esperar de você, como um pastor, que forneça comentários sensatos e conforto para o seu rebanho. Este é um momento crítico para os pastores, e surge como um lembrete de que uma formação adequada é crucial para um pastor. Estou escrevendo esta mensagem curta como de um pastor para outro. Os meios de comunicação estão cheios de atualizações, e eu não preciso juntar a minha voz nessa briga. Em vez disso, eu quero ajudá-lo a pastorear sua igreja nesse momento confuso. Além dos artigos úteis no blog Preaching and Preachers, eu também quero transmitir os pensamentos abaixo que, creio eu, vão ajudar a enquadrar a questão de uma maneira bíblica.

1 – Nenhum tribunal humano tem a autoridade de redefinir o casamento, e o veredicto de ontem não muda a realidade do casamento que foi ordenado por Deus. Deus não foi derrotado nesta decisão, e todos os casamentos serão julgados de acordo com fundamentos bíblicos no Ultimo Dia. Nada irá prevalecer contra Ele (Provérbios 21:30) e nada vai impedir o avanço de Seu Reino (Dan 4:35).

2 – A Palavra de Deus pronunciou seu julgamento sobre toda nação que redefiniu o mal como o bem, a escuridão como a luz, e o amargo como o doce (Isaías 5:20). Como uma nação, os EUA continuam a colocar-se na mira do julgamento. Como proclamador da verdade, você é responsável por nunca comprometer estas questões. De todas as maneiras, você deve se manter firme.

3 – Esta decisão prova que estamos claramente em minoria, e que somos um povo separado (1 Pedro 2: 9-11; Tito 2:14). Como escrevi no livro “Why Government Can’t Save You”, as normas que moldaram a cultura ocidental e a sociedade americana deram lugar ao ateísmo prático e ao relativismo moral. Esta decisão simplesmente acelerou a taxa de declínio dos mesmos. A moralidade de um país nunca vai ser mais alta que a moralidade de seus cidadãos, e sabemos que a maioria dos americanos não têm uma cosmovisão bíblica.

4 – A liberdade religiosa não é prometida na Bíblia. Na América, a Igreja de Jesus Cristo tem desfrutado de uma liberdade sem precedentes. Isso está mudando, e a nova norma pode, na verdade, incluir a perseguição (o que será algo novo para nós). Nunca houve um momento mais importante para homens talentosos ajudarem a liderar a igreja ao lidar, de forma competente, com a espada do Espírito (Efésios 6:17).

5 – O casamento não é o campo de batalha final, e os nossos inimigos não são os homens e mulheres que procuram destruí-lo (2 Coríntios 10:4). O campo de batalha é o Evangelho. Tenha cuidado para não substituir a paciência, o amor e a oração por amargura, ódio, e política. A medida que você guiar cuidadosamente seu rebanho afastando-o das armadilhas perigosas que aparecem à frente, lembre-os do imenso poder do perdão por meio da cruz de Cristo.

6 – Romanos 1 identifica claramente a evidência da ira de Deus sobre uma nação: a imoralidade sexual seguida da imoralidade homossexual culminando em uma disposição mental reprovável. Esta etapa mais recente nos lembra que a ira de Deus veio na íntegra. Vemos agora mentes reprováveis em todos os níveis de liderança – no Supremo Tribunal Federal, na Presidência, nos gabinetes, na legislatura, na imprensa e cultura. Se o diagnóstico da nossa sociedade está de acordo com Romanos 1, então, também devemos seguir a receita encontrada em Romanos 1 – não devemos nos envergonhar do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação! Neste dia, é nosso dever divino fortalecer a igreja, as famílias, e testemunhar o evangelho ao tirar os absurdos pragmáticos que distraem a igreja de sua missão ordenada por Deus. Homossexuais (como todos os outros pecadores) necessitam ser avisados do juízo eterno iminente e precisam ter o perdão, a graça e a nova vida, amorosamente oferecidos através do arrependimento e da fé no Senhor Jesus Cristo.

Em última análise, a maior contribuição ao seu povo será a de mostrar paciência e uma confiança inabalável na soberania de Deus, no Senhorio de Jesus Cristo, e na autoridade das Escrituras. Mire seus olhos no Salvador, e lembre-os de que quando Ele voltar, tudo será corrigido.

Estamos orando para que você proclame firmemente a verdade, e que se posicione de maneira inabalável em Cristo.
***

Fideismo


Entre os muitos exercícios para a paciência que encaro todos os dias há um que está sempre no “hard mode”: ouvir cristãos, ao emitirem opiniões (opinião, essa deusa vulgar) sobre aspectos da doutrina, sobre vida devocional, ou sobre aquilo que crêem que é correto do ponto de vista teológico e bíblico, jogando o fideísmo ao quatro ventos. “Abandone sua razão para entender o que Deus quer de você e para você”; “pare de se ater ao seu entendimento se quiser viver uma vida cristã mais rica”; “deixe de raciocinar e ouça ao Espírito”. Quem nunca ouviu tais frases? Nem é preciso dizer que daí em diante surgem os pitacos mais estapafúrdios sobre as relações entre a fé e a racionalidade, e claro, as mais “maduras” e mui “espirituais” críticas a quem é visto como apegado ao estudo de temas sérios, ao aprendizado sistemático das doutrinas cristãs, ou meramente a uma vida intelectual menos miserável.
O fideísmo é isso: usar a razão para afirmar, sobre a fé, que fé e razão não se misturam. Soa engraçado e contraditório? Sim. Mas é uma mania consolidada em muitos segmentos da igreja brasileira. Kierkegaard caiu nessa. Karl Barth também. (Barth também caiu em outras piores, assunto para outra ocasião.) E que ninguém se engane. Às portas e mesmo dos púlpitos de templos das denominações de grande tradição e legado intelectual é possível ouvir tais disparates.
Agostinho, numa de suas Cartas, afirmou:
“É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto, recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não busque razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos crer se não tivéssemos almas racionais”.
Pode-se citar diversas passagens das Escrituras em que Cristo, os apóstolos e os profetas do Velho Testamento instigam as pessoas a usarem sua inteligência e a razão (p. ex. Is. 1:18, Mt. 22:36,37; 1Pe. 3:15). Portanto, o fideísmo é também uma heresia. Infelizmente, é fácil perceber que muitos cristãos, na prática, preferem ser cientistas no trabalho e intuitivos na fé. E o desastre se vê quando começam as conversas sérias: versículos evocados fora de contexto, má compreensão de preceitos elementares, papo superficial. Logo se apela para os testemunhos ralos e cheios de clichês tirados das musiquinhas da moda gospel, e fica por isso mesmo. Presenciar a tudo isso é tortura chinesa.
O fideísmo presente nas igrejas tem, entre suas causas, uma influência considerável da teologia pentecostal, de raízes irracionalistas – como bem admite o autor “penteca” Rick Nañez, em seu ótimo livro ‘Pentecostal de Coração e Mente’-,  no ambiente evangélico brasileiro. O caos educacional e cultural em que o país mergulhou nas últimas décadas também deve ser levado em conta. Outro fator elementar, mas sempre digno de nota é aquele que vem do conhecimento simples da natureza humana: a maioria é preguiçosa, desleixada, a vida cristã pujante e plena é um desafio monumental, estudar toma tempo e requer mudança de hábitos mentais e comportamentais. E claro: na cultura de massas, quase tudo glamuriza a mediocridade e os medíocres, os tolos, os que desprezam obstinadamente aquilo que lhes é imprenscindível para uma vida não só digna, como frutífera. Mas o interessante é que o estúpido, o néscio, também é objeto de investigações e reflexões milenares. Que tal estudá-lo no livro de Provérbios? Há também as obras de José Ingenieros, Eric Voegelin, Ortega y Gasset, La Bruyére, entre outros.
Não que eu pense que a educação tenha esse caráter mágico que os progressistas e os modernetes pensam que ela tem. No entanto, a educação ajuda, se começar pela velha fórmula: “o temor do Senhor”… não é preciso completar, certo? Ela ajuda, se começar pela busca do autoconhecimento. O mandamento do apóstolo Paulo ao homem diante da ceia, “examine pois o homem a si mesmo”, sempre me lembra o de Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Esse vácuo de lideranças fortes explica-se numa geração de pessoas alienadas de si mesmas. Quando não se sabe quem é,  não se sabe o que se deve fazer. E aí vemos, por exemplo, a importância de uma disciplina como a antropologia bíblica.
O fato é que algumas perguntas feitas por ateus, agnósticos e até por alguns dos batalhões bestificados pela cultura de massa e pela hegemonia cultural da esquerda, são, de fato, muito boas e desafiadoras. Penso que um cristão que busca a maturidade espiritual deve ter um desejo sincero em buscar respondê-las. O fundamental é viver na verdade, mas se preparar para expressá-la pode custar menos do que se pensa, certamente irá gerar frutos para o Reino e também (e por que não?) benefícios para a vida diária.
A seara é grande e a oportunidade está aí, pois a tal cultura pós-cristã já evidencia que pode ser qualquer coisa, menos “sustentável”. O cristianismo continua a crescer em vários pontos do planeta.  A possibilidade de algo como o “Renascimento Cristão” (a qualidade do termo é discutível) que o antropólogo René Girard afirma que está próximo, pode, sim, acontecer. Não sei onde, nem quando, mas sei que temos um Deus poderoso, com uma Palavra viva e eficaz. Só ela instrui e capacita plenamente os homens para grandes transformações, como já se viu ao longo da história.

2015/06/28

Todo mundo é crente. Até quem não é…



“Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra.


Creio em Jesus Cristo, seu único Filho nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado,ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos Céus, está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,donde há de vir julgar os vivos e mortos.


Creio no Espírito Santo, na santa Igreja católica (ou universal), na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, e na vida eterna.”


O “Credo” Apostólico, que remonta aos primeiros séculos do cristianismo, começa (obviamente) com o verbo “crer”, como observa quase toda introdução que se escreve a ele. É claro que o Credo é antes de tudo uma confissão a respeito da fé, mas nada podemos falar do ato da Confissão sem antes considerar a natureza da crença.


Sob certo ângulo, é verdade que ocupar-se demasiado do “crer” enquanto verbo, ação e posicionamento do homem pode nos tirar completamente do foco, uma vez que o Credo jamais foi a celebração ou anúncio de uma condição subjetiva do indivíduo; pelo contrário, ele está completamente absorvido pelo objeto da crença, exatamente como o estado de crer é um estado voltado para fora, extático, intencional, tanto que enquanto falamos do interior da crença, não temos consciência de sua força ou estrutura, e sim de seu interesse.


E talvez pudéssemos nos mover diretamente para isso que é o nosso interesse comum, não fosse “a crença” em geral e “a crença religiosa”, em particular, uma questão tão controversa no mundo de hoje. E na verdade a natureza do ato de fé é realmente algo confuso na cabeça dos próprios cristãos. De modo que não há como seguir sem tocar no assunto.


Como preâmbulo ao conceito de fé, é preciso mencionar que a “crença” não é privilégio (ou sina, como queira) de pessoas religiosas. Em termos gerais, a crença é incontornável; pois devido à estrutura da consciência humana, tendemos a estabelecer objetivos para as nossas ações; somos seres conscientemente intencionais. E lançamos mão da imaginação para construir quadros possíveis sobre o resultado das nossas ações, suplantando com isso a prisão de outras criaturas ao instinto. Ocorre que não é possível construir esses quadros e julgar os melhores cursos de ação sem formar crenças sobre como as coisas são, sobre como o mundo funciona, sobre o que é possível e impossível, e sobre o que é melhor para nós. É muito comum que as pessoas associem esse tipo de discussão à idéia de racionalidade; mas a razão é apenas uma ferramenta construtiva; os blocos com os quais ela trabalha são experiências do mundo e as crenças que formamos sobre elas. Por essa razão, não há hoje livro-texto sobre a natureza do conhecimento que não discuta o assunto em termos de “crenças”.


Mas quando passamos das crenças em geral para as “crenças religiosas”, muita gente imediatamente pensa que isso não lhe diz respeito. Afinal “crenças religiosas” seriam “crenças sobre deuses ou coisas sobrenaturais”. Tenho constatado que essa suposição é uma das confusões mais comuns e amplamente disseminadas entre os leigos no campo da filosofia da religião; e por isso mesmo ela tem sido facilmente explorada pelos críticos da religião tradicional, os quais se sentem confortáveis e justificados em considerar a descrença, por exemplo, em um Deus “sobrenatural” a condição humana “default”, como se a descrença fosse a neutralidade, e a crença o acréscimo contingente e inessencial à condição humana pura, i.é., “secular”.


É o “Secular”, Secular?

Ocorre, no entanto, que toda essa idéia da secularização como a remoção de um “excesso” de crença, de uma “sobra cultural” distinta da natureza humana é provavelmente uma construção ideológica, formada a partir de algumas das ciências humanas nascidas no interior da modernidade e destinadas, desde sua concepção, a naturalizar o próprio fenômeno da modernidade, como observou muito bem o Dr. John Milbank em “Theology and Social Theory” e mais recentemente Charles Taylor em “A Secular Age”, quanto à visão da secularização como uma “subtração”. Pelo contrário, há sinais de que em lugar de uma “subtração”, o que tivemos foi uma “substituição”; a modernidade não eliminou, mas apenas relocou a crença religiosa, como observou o Dr. Colin Gunton (King’s College London):


“A modernidade é a era que deslocou Deus como o foco para a unidade significado do ser. O que quero dizer com isso? Antes de tudo, que as funções atribuídas a Deus não foram abolidas, mas trocadas – relocadas, como se diz hoje. […]. Deus não é mais necessário para dar conta da coerência e significado do mundo, de forma que o assento da racionalidade e do significado se torne não o mundo, mas a razão e a vontade humana” . /Conlin Gunton, The One, the Three and the Many: God, Creation and the Culture of Modernity. The 1992 Bampton Lectures. Cambridge: CUP, 1993, p. 28./


Mas nada como um bom exemplo. Consideremos o seguinte quadro de Frida Kahlo:


Em “o marxismo dará saúde aos doentes” (1954) a atribuição de funções soteriológicas e messiânicas ao materialismo dialético simbolizado pela figura de Marx, assim como a identificação do mal com o “Tio Sam” exemplificam um padrão que se repete na cultura secular, embora nem sempre de forma tão clara.


Ou seja, a compreensão do mundo contemporâneo passaria pelo rastreamento da funções divinas relocadas na cultura secular, e pela compreensão da relação que o homem “secular” tem com os objetos que absorveram essas funções. Mas como rastrear essas funções divinas? Uma vez que elas sempre foram objeto de fé, o caminho mais direto seria rastrear as crenças religiosas. E isso nos leva de volta ao tema do post:






O que é uma Crença Religiosa?


A crença religiosa não se define pela identidade concreta “objeto”, mas pela relação que é estabelecida com esse “objeto”. Ou seja, com sua função no sistema de crenças (também chamado de “estrutura noética”, expressão que vem do grego “nous” [mente] e que nada tem a ver com “Noé”!). Uma forma bastante popular de distinguir “secularismo” de “religião” é distinguir a forma como seus respectivos sistemas de crença são construídos. A religião seria construída com “Dogmas” sobre realidades “sobrenaturais” – os infames “dogmas religiosos”. E o secularismo moderno construiria suas crenças de forma aberta e não-dogmática, por meio de justificativas racionais controladas pela consciência autônoma (adulta, iluminada).


Num ponto, essa visão está correta: crenças religiosas são crenças sustentadas com força dogmática. Isso acontece porque a crença religiosa veicula um “interesse supremo”. Essa característica é compartilhada em diversas religiões, e indica qual a característica central da crença religiosa: o que caracteriza a religião não é nem a crença em “sobrenaturais” (o Budismo e o Pitagorismo, por exemplo, ignoram o “sobrenatural”), nem a presença de um dogma explicitamente formulado (como é o caso em religiões tradicionais aborígenes, por exemplo), mas a função que um objeto concreto ou imaginário desempenha na organização do universo humano.


– Falemos desses objetos: quais são eles?


Aqui entra um fato curioso. Qualquer coisa pode operar como objeto de devoção religiosa. Os pitagóricos, por exemplo, cantavam hinos de adoração ao número “10”; e tem gente hoje que adora “pés” (é, a podolatria existe mesmo). A crítica da filosofia da religião ao “secularismo moderno” não é meramente que não devemos profanar objetos “religiosos” e ignorá-los privilegiando coisas “seculares”. Pois a rigor, não existem objetos religiosos e seculares. É a relação que temos com alguma coisa que a torna ou não religiosa. Coisas “sagradas” em uma religião podem ser “profanas” em outra. Don Richardson, em o Totem da Paz, conta a história de como ele encontrou uma tribo na qual o herói da história sempre era o traidor mais engenhoso, e assim inicialmente eles honraram… Judas! Isso mesmo, Judas! Até que descobriram que Jesus se enquadrava na única exceção a essa regra: ser uma dádiva de paz do inimigo (Deus, no caso).


A crítica da filosofia teísta cristã ao secularism” é de que ele, infalivelmente, desenvolve relaçõesreligiosas com objetos que, na melhor das hipóteses, carecem de “atributos divinos” suficientes para dar conta do recado e, na pior das hipóteses, produzem uma violação da racionalidade. Vou dar aqui apenas um exemplo, da pena de Timothy Keller:






“Depois que começou a crise econômica global, em meados de 2008, seguiu-se uma trágica sucessão de suicídios de indivíduos antes ricos e bem relacionados. O diretor financeiro da Freddie Mac, Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), enforcou-se em seu porão. O presidente executivo da Sheldon Good, uma das mais importantes imobiliárias dos Estados Unidos, deu um tiro na cabeça ao volante de seu Jaguar vermelho. Um administrador financeiro francês que investia a fortuna de muitas das principais famílias europeias, inclusive de famílias reais, tendo perdido USD 1,4 bilhões do dinheiro de seus clientes no esquema de Bernard Madoff Ponzi, cortou os pulsos e morreu em seu escritório na Madison Avenue. Um executivo sênior do Banco HSBC se enforcou no guarda-roupa de uma suíte de GBP 500 por noite em Knightsbridge, Londres. Quando um executivo da Bear Sterns ficou sabendo que não seria contratado por J.P. Morgan Chase, que havia comprado sua empresa em falência, tomou uma overdose de drogas e saltou do vigésimo nono andar de seu prédio de escritórios […] tais fatos apresentavam uma terrível semelhança com os ocorridos na quebra da bolsa de 1929.”


“Na década de 1830, quando Alexis de Tocqueville registrou suas famosas observações sobre a América, notou ‘uma estranha melancolia que assombra os habitantes […] no meio da abundância’” […].

“Qual é a causa dessa ‘estranha melancolia’ que permeia nossa sociedade mesmo em tempos de explosão de atividade frenética, e que se transforma de imediato em desespero quando a prosperidade diminui? Tocqueville diz que ela vem do ato de tomar ‘uma alegria incompleta deste mundo’ e construir a vida inteira em torno dela. Esta é a definição de idolatria”. /Keller, Timothy. Deuses Falsos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2010, p. 9-10./






De fato, algumas crenças e adesões alegadamente seculares carecem de características distintivas que as coloquem em uma categoria claramente diferente das crenças de religiões tradicionais em “deuses” e “poderes sobrenaturais”.


– Se isso for verdade, o que define a crença religiosa não é o objeto, mas a forma do crer. Então precisamos definir melhor “crença religiosa”.


Para fins práticos, vamos identificar “dogma religioso” com “crença religiosa”. Nesse caso, o que é o “dogma”? O dogma não pode ser apenas uma “crença sustentada de forma absoluta e incorrigível, sem bases racionais”. Essa definição não explica nada. Eu posso ser dogmático sobre o modo correto de tomar café.


Do ponto de vista da epistemologia da crença religiosa, um “dogma religioso” é experimentado na consciência do crente como (1) uma crença que tem papel fundacional no seu sistema noético (seu sistema de crenças) e que, além disso, (2) parece a ele evidente e incorrigivelmente válida e (3) é sustentada com paixão ou interesse existencial extraordinário (Tillich falava em “ultimate concern”, mas isso talvez seja muito forte).


Aqui se encaixam muitas crenças religiosas conhecidas: o monoteísmo judaico, a divindade de Jesus Cristo, a unidade do todo Brahman-Atman no hinduísmo, a crença em Maomé como o maior dos profetas no Islã, etc. Mas aonde quero chegar com essa conversa sobre crença religiosa? Quero chegar à pergunta principal:



Os Sistemas de Crença Secularistas são “livres” de “dogmas religiosos”?


De forma alguma. O Dogma religioso permanece no interior da mente secular de forma oculta, o que revela seu caráter ideológico. Vamos retomar a distinção entre “religioso” e “secular” (mas sem perder de vista sua relatividade, que observamos há pouco) em termos de “dogmas”: a modernidade de fato propôs crenças seculares para substituir os dogmas religiosos, alegando que seus substitutos seriam baseados na razão e na ciência (daí a identificação “pop” de religião e dogma). Mas algumas dessas crenças seculares não apresentam diferenças qualitativas suficientes para serem distinguidas de “dogmas”. E o que dizemos aqui sobre “dogmas seculares” não é recurso retórico; é um dos resultados importantes da filosofia no século XX. Vou começar citando o que diz o Dr. David Ehrenfeld em “A Arrogância do Humanismo” (Ed. Campus) sobre a Cultura:






“Pondo de lado a noção de dignidade e valor humanos, a qual faz parte de muitas religiões, chegamos de imediato ao âmago da religião do humanismo: uma fé suprema na razão humana – sua capacidade para enfrentar e resolver os muitos problemas com que o ser humano se defronta, assim como para reordenar o mundo da Natureza e reformular os assuntos de homens e mulheres de modo que a vida humana prospere. Por conseguinte, assim como o humanismo está comprometido com a fé incondicional no poder da razão, também rejeita outras afirmações de poder, inclusive o poder de Deus, o poder de forças sobrenaturais e até o poder não dirigido da Natureza associado com o cego acaso. Os dois primeiros não existem, de acordo com o humanismo; o último pode, com algum esforço, ser dominado. Como a inteligência humana é a chave para o êxito humano, a principal tarefa dos humanistas é afirmar o seu poder e proteger as suas prerrogativas toda vez que são questionadas ou desafiadas.” /Ehrenfeld, David. Arrogância do Humanismo. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 3/


“Os humanistas gostam de atacar a religião por seus pressupostos inverificáveis, mas o humanismo também possui seus próprios pressupostos impossíveis de testar. São dados, as coisas que são inconscientemente aceitas e raramente ou nunca debatidas. Se ocorrem em outros, os humanistas chamam-lhes superstições ou, mais polidamente, artigos de fé. Como nunca são testados ou questionados, podem ser enunciados como hipóteses em provas matemáticas, em breves sentenças declarativas.
O principal pressuposto humanista, o qual engloba todas as nossas relações com o meio ambiente, assim como algumas outras questões, é muito simples. Diz o seguinte:
Todos os problemas são solúveis.
Para deixar clara a sua ligação com o humanismo, basta acrescentar as duas palavras que estão implícitas; passa então a ser:
Todos os problemas são solúveis por pessoas.
[e há as suposições secundárias]
Muitos problemas são solúveis pela tecnologia; Os problemas que não são solúveis pela tecnologia, ou apenas pela tecnologia, tem soluções no mundo social (política, economia, etc); A civilização humana sobreviverá; O homem é naturalmente bom e só é corrompido pelo meio; O problema do mundo é apenas a má distribuição de renda.” /Ehrenfeld, David. Arrogância do Humanismo. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 12-13/






Um outro exemplo muito interessante vem do filósofo da ciência Thomas Kuhn:


“O homem que adota um novo paradigma nos estágios iniciais de seu desenvolvimento frequentemente adota-o desprezando a evidência fornecida pela resolução de problemas. Dito de outra forma, precisa ter fé na capacidade de um novo paradigma para resolver os grandes problemas com que se defronta, sabendo apenas que o paradigma anterior fracassou em alguns deles. Uma decisão desse tipo só pode ser feito com base na fé”

[…] Mas somente a crise não é suficiente. É igualmente necessário que exista uma base para a fé no candidato específico escolhido, embora não precise ser racional nem correta. Deve haver algo que pelo menos faça alguns cientistas sentirem que a nova proposta está no caminho certo e em alguns casos somente considerações estéticas pessoais e inarticuladas podem realizar isso.”/Kuhn, Thomas, A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 201.[1]/






A modernidade secular propôs um mundo sem deuses e sem religião. Com a eventual morte dos “deuses” da modernidade (anunciada por Nietzsche) e toda a crítica da razão e da ciência moderna no século XX, tornou-se ainda mais incoerente sustentar crenças “seculares” com paixões “religiosas”. O “crente secular”, a princípio não deveria ter desenvolvido dogmas de nenhum tipo. Ou seja: não deveria apresentar nenhuma crença que se enquadrasse na descrição preliminar de “dogma” que introduzimos acima:






(1) uma crença que tem papel fundacional no seu sistema noético e que, além disso,

(2) parece a ele evidente e incorrigivelmente válida e

(3) é sustentada com paixão ou interesse existencial extraordinário[2]






Entretanto, mesmo depois do desmascaramento da contingência de seus fundamentos, e do colapso da razão moderna, a mente secular continua se relacionando com seus valores supremos da mesma forma que a mente religiosa. Isso é visível, particularmente, na militância ligada a alguns dogmas paracientíficos, como o naturalismo metafísico de Dawkins, com sua noção de universo como sistema uniforme e fechado; ou o cientificismo, que trata a ciência como única fonte de conhecimento verdadeiro; na militância em dogmas políticos como o libertarianismo, que defende a autonomia absoluta do indivíduo em relação à sociedade; ou no dogma do materialismo dialético, com a noção de progresso irreversível por meio de sínteses revolucionárias; ou em dogmas antropológicos, como o construtivismo sexual da teoria Queer, que rejeita a noção de normatividade sexual.


Na verdade nem é possível o conflito entre duas alternativas se elas não pertencem à mesma categoria. Quando o tema é a sede, não pode haver conflito entre chupar uma laranja ou chutar uma pedra. Mas pode haver conflito entre chupar uma laranja ou um limão. O mero conflito entre o secularismo e as religiões indica que ele pertence à mesma categoria. A questão é apenas identificar de que forma o secularismo realiza funções religiosas.


É nesse sentido que o secularismo militante tem se mostrado extraordinariamente acrítico. Como se a mera crítica dos “deuses” fosse capaz de exorcizar atitudes de crença “dogmática” (ou, para usar a linguagem técnica, estados doxásticos[3] funcionalmente religiosos). Isso pode ser um sinal do caráter ideológico do secularismo.


Pois ironicamente, os únicos religiosos que não sabem que o são, seriam… os secularistas. E essa é a razão porque eu ironizei, num outro dia, a sugestão de Alain de Botton de construir um “templo” para ateus, projeto criticado por ninguém menos que o próprio Richard Dawkins. Ela mostra que essa verdade, quanto ao fundo religioso oculto de secularismo e de qualquer ateísmo, ainda que seja cochichada debaixo da cama, no final será “anunciada dos eirados”.


Cf. Alain de Botton e a Evolução do Ateísmo



Crer é uma Opção?


É verdade que a tradição cristã condena a “descrença”. Mas com isso ela não quer dizer que haja apenas um vazio no lugar da fé; por isso a descrença tem uma associação interna com a “idolatria”, que seria o termo exato para “crença errada”. A “incredulidade” seria a “descrença” em Deus acompanhada de uma “crença errada” que a substitui. Eu diria, em conclusão, que o Credo é inevitável; de um jeito ou de outro, todo mundo é crente. Pois não há ser humano que não carregue em seu ventre (talvez mais do que em sua cabeça) um Credo, que pode ser explícito ou implícito. Ele está lá, permeando as atitudes, organizando os afetos, colorindo o olhar de cada pessoa. Não, a crença não é uma opção. O que é uma opção é até que ponto permitiremos que a nossa crença seja examinada. O descrente precisa perguntar: “se não creio em X, porque não creio?” “Porque considero Y mais plausível?” “O que constitui o sistema de crenças com base no qual considero o Credo Cristão implausível?” “Que crença se esconde por trás da minha descrença?” Será, por exemplo, um credo naturalista como este aqui (de um colega anônimo)?


Creio em um só Acaso, Todo-Poderoso
Criador do céu e da terra
de todas as coisas visíveis.
Creio em uma só Razão, a mente humana.
Filha Unigênita do Acaso
Gerada por Acaso antes que o Universo do Nada viesse a existir.
Pelo acaso todas as coisas vieram a existir.
E nós homens,
para a nossa própria salvação,
pensamos para existir. E temos consciência de que a consciência não existe,
Que a Verdade é Incerta,
A Liberdade é uma Ilusão,
A Justiça uma invenção.
Bem como todas as coisas que não são racionalmente comprovadas,
Até serem comprovadamente úteis para nós.
Creio na Ciência,
Inquestionável, Universal, Absoluta, porém Incerta.
Confesso uma só tecnologia para resolução de todo mal
existente no Universo e na Humanidade,
para a dominação final da Natureza, e a Conquista final e Esclarecimento de todos
os Mistérios.
Tecnologia essa que nos trará Paz, Prosperidade, Harmonia e Vida Eterna por
Todos os Séculos,
Assim Seja.


Embora reconhecidamente caricatural e irônico, o Credo acima pode realmente refletir a crença inexpressa de muitos descrentes. E essas crenças, mesmo que aparentem ser simples, honestas e minimalistas, precisam ser examinadas, confirmadas e plausibilizadas, tanto quanto quaisquer outras. Especialmente se, ao serem levadas às suas consequências lógicas, se mostrarem absurdas e impraticáveis. Não basta rejeitar o Credo Apostólico. É preciso checar se o seu credo alternativo é viável. E até mesmo se é saudável; pois se Chesterton estiver correto, “quando as pessoas não acreditam em Deus, terminam acreditando em qualquer coisa”.


Creio que vale encerrar com uma observação muito perspicaz de Timothy Keller em “Fé na Era do Ceticismo”:


“A única maneira de levantar dúvidas de forma correta e justa sobre o Cristianismo é descobrir a crença alternativa por trás de cada uma de suas dúvidas e, em seguida, indagar de si mesmo os motivos que o levam a acreditar nela. Como saber se sua crença é válida? Seria incoerente exigir maior comprovação da crença cristã do que da sua, mas é o que em geral acontece. Para ser justo, você precisa duvidar de suas dúvidas.”


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[1] O próprio Kuhn cita os estudos anteriores do cientista e filósofo da ciência de Cambridge Michael Polanyi, particularmente em sua obra “The Tacit Dimension”, onde ele descreve a estrutura tácita/oculta de crenças que necessariamente fundamenta e possibilita todo e qualquer questionamento, dúvida e criticismo.


[2] Na verdade a eliminação de crenças com papel religioso deveria levar a uma completa de-hierarquização doxástica (ou seja, na estruturação do sistema de crenças de alguém), uma vez que nenhuma crença poderia ter papel fundacional sem que houvesse provas ou ao menos bases (num sentido externalista) suficientes para tanto. E a de-hierarquização doxástica levaria a uma de-hierarquização afetiva, com o esvaziamento da paixão dogmática. Esse esvaziamento produziria em consequência um estado mental de “apatheia” doxástica no tocante a crenças funcionalmente religiosas. O secularismo não deveria, portanto, produzir nenhum tipo de militância doxástica (o que crer ou não crer), como se vê no movimento neoateísta. Isso faz transparecer uma irracionalidade no secularismo, que pode ser circunstancial ou fatal. Cabe ao secularista examiná-la.


[3] Doxástica: do gr. “doxa”, “opinião”. O termo é usado com sentido técnico em epistemologia, para referir-se à crença, às suas condições de possibilidade e às suas condições de justificação ou confirmação. Um estado “doxástico” é um estado mental que corresponde à adoção de uma determinada crença (sobre qualquer coisa: religião, ciência, memória, experiências sensoriais, etc).

Jonas Madureira


2015/06/25

Pastor John Piper diz que o dom de línguas tem sido usado de forma contrária ao que a Bíblia ensina.



O dom de línguas é uma das expressões do Espírito Santo que causam mais controvérsias entre os cristãos por conta da complexidade que o envolve e também pelas doutrinas eclesiásticas existentes e que surgiram baseadas em interpretações do Evangelho.
O pastor batista John Piper, um dos líderes cristãos mundiais mais reconhecidos da contemporaneidade, afirmou que não existe embasamento no Novo Testamento para a ênfase e incentivo à busca desse dom e sua prática da forma como acontece hoje em muitas igrejas.
Piper disse que durante seu ministério pastoral, atravessou diversas “fases” no que se refere aos dons do Espírito Santo, em especial, o dom de línguas.
“Parece que se você não fala a respeito disso no púlpito e não ensina sobre isso, ao menos no nosso contexto, esses dons tendem a desvanecer […] Eu diria que na maior parte dessas ‘fases’ eles [os dons] não estão em evidência”, observou o pastor.
A precaução com o dom de línguas, segundo John Piper, deve existir pela preocupação expressada pelo apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios, quando ele sugere que os irmãos não se deixem levar pela emoção e que o dom seja usado em benefício da comunidade.
“Entendo que Paulo não desejava colocar esse dom em destaque. Na verdade, ele estava um pouco aborrecido pela ênfase que o dom havia ganhado”, disse John Piper, mencionando o capítulo 12 da primeira carta aos Coríntios. “Ele teve que colocar limites, ao invés de promover o dom”, acrescentou.
Para o pastor, existem doutrinas que distorcem o propósito dos dons, principalmente no caso do falar em línguas: “Não acredito na doutrina histórica dos pentecostais de que você tem que falar em línguas como sinal de que você está cheio do Espírito Santo, ou até mesmo de que você é um cristão”.
Piper resume seu ponto de vista dizendo que não há indícios de que alguma coisa tenha mudado na forma como o Espírito Santo distribui seus dons, mas sim, na forma como os cristãos tem olhado para essa questão: “Acho que a maneira como esse dom é normalmente usado em público, como uma espécie de êxtase coletivo, não tem base no Novo Testamento”.
“Não vejo nenhuma razão para afirmarmos que algo mudou na história da Redenção e que entre a era dos apóstolos e a nossa era esse dom tenha desaparecido. Se Deus quiser que ele desapareça, Ele o fará desaparecer. Mas não vejo nenhum mandamento para que não o busquemos. Na verdade, vejo versículos que nos encorajam a fazê-lo”, ponderou.
Há, segundo Piper, duas aplicações para o dom de línguas: a manifestação do Espírito Santo em um idioma conhecido pela humanidade, mas desconhecido pelo profeta – e que teria aplicação prática na entrega de uma mensagem a alguém que entende tal idioma; e a manifestação através da língua dos anjos, como expressão de um momento espiritual. Nesse segundo caso, o pastor diz que, para que toda a igreja seja beneficiada, é indispensável que haja um intérprete, pois em caso contrário, não há como captar o sentido do que foi dito.
Em muitos casos, segundo Piper, as manifestações são expressões de êxtase, emoção, e por isso o alerta do apóstolo Paulo para que “se não houver intérprete presente, não fale em línguas em público”.

ESPÍRITO SANTO — Original Grego e Hebraico



A expressão “Espírito”, ou “Espírito de Deus”, ou ainda “Espírito Santo” se encontra na grande maioria dos livros da Bíblia. No Antigo Testamento a palavra hebraica empregada de forma uniforme para “Espírito” se referindo ao Espírito de Deus é רוּח, rūaḥ significando “sopro,” “vento” ou “brisa.” A forma verbal da palavra é רוּח, rūaḥ, ou ריח, rı̄aḥ usado apenas no Hiphil e significando “respirar”, “soprar”. Um verbo semelhante é רוח, rāwaḥ, significando “respirar”. A palavra que sempre é usada no Novo Testamento para “Espírito” é o substantivo grego neutro πνεῦμα, pneúma, com ou sem o artigo e para o Espírito Santo, πνεῦμα ἅγιον, pneúma hágion, ou τὸ πνεῦμα τὸ ἅγιον, tó pneúma tó hágioň. No Novo Testamento, nós encontramos as expressões, πνευματι θεου (“O Espírito de Deus”), πνευμα κυριου (“Espírito do Senhor”), πνευμα του πατρος (“Espírito do Pai”), πνευματος ιησου χριστου (“Espírito de Jesus Cristo”). A palavra grega para “Espírito” no grego vem do verbo πνέω, (pnéō), “respirar”, “soprar”. O correspondente em Latim éspiritus, de onde derivamos o nosso português “espírito”.






2015/06/23

O Ministério como ocupação

Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honrab, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: “Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal”, e “o trabalhador merece o seu salário”. (1 Timóteo 5.17-18)
A Escritura define o ministério do evangelho como trabalho, e o pregador como um trabalhador. Referindo-se ao ministério dos seus discípulos, Jesus diz em Mateus 10, “o trabalhador é digno do seu sustento”, e em Lucas 10, “o trabalhador merece o seu salário”. Paulo ecoa essa forma de pensamento em nossa passagem. E quando ele escreve sobre esse assunto numa carta aos coríntios, ele ilustra esse ponto comparando o ministro com alguém que “serve como um soldado”, ou que “planta uma vinha”, ou que “cuida de um rebanho”, ou que “ara” ou “trilha”. Ele até usa a imagem de um sacerdote que recebe alimento do altar (1 Coríntios 9). Em outras palavras, o ministério é uma ocupação em seu próprio direito, e deve ser considerado como tal em qualquer discussão sobre ministério e salário. Alguém que trabalha no ministério, a despeito de como ele é visto pelo Estado ou pela igreja, é uma pessoa empregada.
Visto que o ministro é uma ocupação, o ministério deve ser pago pelo seu trabalho. As mesmas passagens que definem o ministério como trabalho, como uma ocupação, também associam inseparavelmente esse fato com o direito do ministério receber hospitalidade, abrigo e salário. Paulo é explícito sobre isso: “Da mesma forma, o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (1 Coríntios 9.14). Assim como um contador ganha a sua vida fazendo contabilidade, ou um cozinheiro preparando alimentos, um ministério ganha igualmente a sua vida realizar o trabalho do ministério, especialmente a pregação. Visto que o ministério é uma ocupação, o dinheiro pago ao ministro deve ser considerado um salário.
Por definição, um salário é algo devido, e não voluntariamente doado. Não é caridade. Visto que o dinheiro pago ao ministro é um salário, isso significa que é algo devido àquele que trabalha por aqueles que recebem o benefício do trabalho. Em sua carta aos coríntios, Paulo refere-se ao direito do pregador receber compensação material por seu trabalho. A partir da perspetiva do ministro, isso é um direito. A partir da perspectiva daqueles que se beneficiam de seu ministério, isso é uma dívida.
Embora o princípio bíblico que um trabalhador merece seu salário se aplique a todas as ocupações legítimas, há uma diferença quando diz respeito ao ministério. Fora do ministério, esse princípio é implementado por acordo humano. Se alguém que recebe o benefício do trabalho nunca concordou em assalariar um trabalhador ou pagá-lo, então o trabalhador não pode gerar tal dívida realizando o trabalho. Em contraste, a dívida devida a um ministro não surge por acordo humano, mas por um mandamento divino que o transcende. Quando Jesus envia seus discípulos para pregar, e quando Paulo pregou o evangelho às pessoas, aqueles que receberam o benefício do seu ministério nunca entraram em acordo de antemão para pagá-los por seu trabalho. De fato, seria impossível assegurar um acordo humano para salário daqueles a quem eles planejavam evangelizar antes de evangelizá-los. A dívida era gerada unicamente por causa da obra feita em benefício deles. Portanto, o ministro não tem apenas uma reivindicação à salário igual a de trabalhadores em outras ocupações, mas uma reivindicação superior.
Visto que um salário é devido ao pastor, aqueles que falham ou recusam em pagá-lo são ladrões e assaltantes, defraudadores, opressores e pecadores. A maldição de Deus está sobre eles. Como Tiago escreve: “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que vocês retiveram com fraude, está clamando contra vocês” (Tg 5.4). O dinheiro que você economiza negligenciado pagar o pregador testifica contra você, e clama seu pecado ao Senhor dia e noite. O ministro pode ter que arrumar outro emprego fora do ministério por causa de sua avareza e opressão – cada polegada do esforço dele, cada gota de suor, cada suspiro é um testemunho da sua culpa. O Senhor conta contra você cada lágrima que a esposa dele verte. Ele te amaldiçoa por cada pontada de fome que os filhos dele sentem. É uma coisa ímpia que você faz, e o Senhor promete puni-lo por causa de sua crueldade e dureza de coração. Ainda maior é a sua condenação se você advoga a doutrina que um pregador deveria sempre trabalhar sem remuneração.
Algumas vezes membros de igreja cobiçosos e líderes hipócritas apoderam-se do exemplo de Paulo, pelo fato dele ministrar sem remuneração. Contudo, qualquer leitor com uma competência mínima deveria perceber que essa é uma exceção evidente que prova a regra. Primeiro, ele explicou aos coríntios que sua política de pregação sem remuneração era a renúncia de um direito. Isto é, ele tinha o direito de receber pagamento, mas não exerceu esse direito. Se era um direito que ele não exerceu, então era um direito que ele poderia ter exercido. Dessa forma, os coríntios de fato deviam a ele, mas ele perdoou a dívida. Segundo, se era seu direito receber o pagamento, então ele era o único que poderia recusar o pagamento. Os coríntios não tinham o direito privá-lo do pagamento. Terceiro, ele disse que “os irmãos do Senhor e Pedro” (1Co 9.6) exerciam esse direito. A exceção não foi universalmente praticada nem mesmo entre os apóstolos. Quarto, essa política de recusar pagamento estava em vigor só com respeito a certas congregações. Por exemplo, ele aceitou dinheiro dos filipenses, e a linguagem em sua carta para eles indica que ele fez isso pelo menos duas vezes, visto que ali diz que eles enviaram-lhe ajuda “não apenas uma vez, mas duas”.
Quinto, ele deixou claro as suas razões para declinar o pagamento dos coríntios e de certas outras congregações. Quando as razões não se aplicavam, então as exceções não se aplicavam. Ele disse que não exercia seus direitos quando exercitá-los impedisse o evangelho. E as razões que poderiam ter impedir o evangelho seriam imaturidade, má atitude ou falta de discernimento deles. Talvez havia alguns que tinham suspeitas de seus motivos. Isso teria distraído-os de ouvir a mensagem do evangelho. Ou, talvez alguns teriam tentado colocar Paulo sob seu controle se ele tivesse aceitado pagamento deles. Em contraste, os filipenses se consideravam cooperadores com Paulo na disseminação do evangelho, enviando repetidamente dinheiro e suprimentos para ele. Eles tinham um entendimento correto da natureza do trabalho e da relação deles com o pregador. Ao que tudo indica, Paulo não aceitou pagamento de algumas pessoas porque ele as considerava incrédulas ou crentes que sofriam de desenvolvimento retardado. De fato, o ministério de Paulo a eles era um caso de caridade. Você não pede que pessoas retardadas lhe pagem – se possível, você ajudá-las-a sem remuneração.
É verdade que Jesus disse aos discípulos: “Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Lucas 10.8). Contudo, imediatamente após isso, ele lhes diz para não trazer nenhum dinheiro ou suprimento extra, pois “o trabalhador é digno do seu sustento”. A declaração diz respeito a como eles deveriam dispensar a mensagem e os poderes do evangelho, e não se eles poderiam aceitar ou não sustento material das pessoas. Isto é, Jesus instruiu-os a realizar o seu ministério “de graça”, mas ao mesmo tempo esperava que todas as suas necessidades fossem supridas pelas pessoas que receberiam o benefício de sua obra. Seu propósito não era dizer que os discípulos deveriam recusar hospitalidade e pagamento, mas que eles não deveriam exigir compensação para cada unidade de trabalho feito ou cada instância de ministério.
Trata-se de uma prescrição de como uma pessoa deveria abordar a obra do ministério. A declaração, “vocês receberam de graça; deem também de graça”, foi feita logo após a comissão para pregar, curar, e expulsar demônios, e novamente, logo antes da instrução para esperar que aqueles que receberiam o ministério pagassem tudo. Em outras palavras, Pedro não poderia dizer a alguém que tinha um demônio: “Eu recebi o poder de Cristo para expulsar esse demônio, mas você deve me pagar essa quantia de dinheiro, ou não irei fazê-lo”. Não, ele devia expulsar o demônio sem cobrar nada, mas após isso, a pessoa que tinha sido liberta estava moralmente obrigada a compensar Pedro por seu trabalho. Ao agir assim, ele não estaria apenas sustentando Pedro, mas testificaria por sua ação que endossava o evangelho de Jesus Cristo.
Suponha que alguém chegue até mim e diga: “Que devo fazer para ser salvo?”. Eu não devo responder: “Eu sei como você pode ser salvo. Pague-me essa quantia de dinheiro e eu lhe direi, mas se você não me pagar, vou deixar você ir para o inferno”. Não, eu devo pregar o evangelho a essa pessoa de graça, sem consideração quanto a se posso obter alguma recompensa material. Minha responsabilidade é ensinar-lhe a verdade, e fazê-lo sem favoritismo, não retendo nada. Sua responsabilidade é me reconhecer como um mensageiro de Deus que lhe traz boas novas que podem salvar sua alma, e então me oferecer sustento material. Como Paulo escreve: “Se entre vocês semeamos coisas espirituais, seria demais colhermos de vocês coisas materiais?” e “O que está sendo instruído na palavra partilhe todas as coisas boas com aquele que o instrui.” (2Co 9.11; Gl 6.6). Quer ele faça a sua parte ou não, eu farei a minha. Se ele é retardado, então eu abrirei mão dos meus direitos em prol do evangelho. Todavia, isso não o livra de sua responsabilidade perante Deus.
Claramente, tudo isso significa que é possível defraudar o ministro do seu justo salário, e isso é frequentemente o que acontece. Mas Deus é fiel. Ele suprirá todas as nossas necessidades de acordo com as suas riquezas gloriosas em Cristo Jesus. Ele vindicará os seus servos, e amaldiçoará aqueles que lhes roubam e oprimem. Portanto, pague os seus ministros. Se eles realizam bem o seu trabalho, pague-os bem, especialmente se trabalharem duro na pregação e no ensino.
Àqueles que trabalham no ministério, vocês não deveriam sentir nenhuma vergonha de receber sustento da parte dos fiéis. Se possível, a quantidade de sustento deveria ser suficiente para sustentar toda a sua família e ministério. Por mandamento de Deus, esse é o seu direito e essa é a obrigação deles. Ao ganhar a sua vida da obra do evangelho, pelo menos tanto quanto possível, vocês estão seguindo o exemplo de todos os apóstolos, incluindo Paulo, e também do Senhor Jesus, que de acordo com Lucas, recebia sustento de um grupo de mulheres. A quantidade de dinheiro envolvida deve ter sido considerável, visto ter sido suficiente para sustentar a vida e as despesas de viagem de pelo menos treze pessoas (Lucas 8.3). Isso não significa necessariamente que todo o dinheiro deles procedesse dessas mulheres, mas o ponto é que eles aceitaram doações de auxiliadores, e que pegaram o suficiente para satisfazer as necessidades de mais de doze homens. De fato, eles tinham quantia suficiente para tornar necessária uma bolsa de dinheiro (João 12.6), e suficiente para dar um pouco aos pobres (parece que os discípulos consideravam isso como rotina; João 13.29), e até mesmo o suficiente para Judas roubar dela sem ser descoberto por alguém (pelo menos a princípio, visto que parece razoável assumir que os outros discípulos teriam reagido se tivessem conhecimento; João 12.6), exceto o Senhor, que conhecia sua verdadeira natureza desde o princípio (João 6.64, 70).
 
Fonte: Reflections on First Timothy
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto